Rui Car
05/10/2021 11h51

Hansahoehe: Após 85 anos, prédio histórico de Ibirama ainda impressiona

Construção é cercada de lendas e é um dos principais patrimônios arquitetônicos do Alto Vale

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Um edifício histórico que completou 85 anos. Esse é o Hansahoehe, considerado um marco arquitetônico e principal símbolo da cidade de Ibirama, cuja a imagem é usada constantemente para os mais diversos fins.  Desde de seus primórdios o edifício sempre chamou a atenção, e chegou a ser considerado na época por um jornal de Blumenau como ‘hospital mais alto de Santa Catarina’, onde ‘todos os andares poderiam ser acessados de automóvel’.

 

Idealizado pelo médico alemão Friedrich Kröner, que foi também o primeiro diretor, e com a pedra fundamental lançada em 12 de maio de 1935, o edifício foi construído em tempo recorde e entregue em 1936, conforme conta a historiadora e diretora do Arquivo Público de Ibirama, Sandra Maria Secchi. “Os primeiros pacientes vieram em outubro do mesmo ano. Tudo foi pensado durante a construção, desde a posição da construção prédio para receber luz solar, até sua altura e espessura das paredes para garantir a refrigeração interna em dias de calor, em uma época em que não havia ventiladores ou ar condicionado”.

 

Sandra recebeu a reportagem do JVN na torre do prédio, mesmo local onde o interventor federal em Santa Catarina, Nereu Ramos, aparece em uma fotografia junto a militares, contemplando a paisagem de Hammonia. Em 8 de junho de 1941, ele visitou as dependências do Hospital Hansahoehe. E em 27 de fevereiro de 1942, o Governo do Estado decretou a intervenção no hospital e em junho de mesmo ano, o prédio foi confiscado pelo Governo do Estado de Santa Catarina, através do Decreto no 2459. “A sociedade hospitalar, depois de tanto trabalho, teve que se retirar. Eles que mantinham tudo, desde a contração de médicos e enfermeiras. Depois de todo o trabalho, o governo tomou. Depois disso, a associação se reuniu e decidiu fazer uma doação de tudo que havia dentro do Hansahoehe”.

 

Doações da comunidade

 

O Hansahoehe foi concebido para substituir o antigo hospital da Associação Hospitalar de Caridade –o Hospital Hammonia, que permaneceu em funcionamento de 1913 a 1935 na rua Blumenau – onde hoje está a Delegacia de Polícia Civil. O edifício tinha dois pavimentos e técnica enxaimel. Com dificuldades financeiras, as condições insalubres dos últimos anos, como a umidade e infiltrações dificultavam os trabalhos. O médico chegou a perder os três dos primeiros pacientes, conforme relatou em suas memórias: “Desde o início, meu trabalho não foi visto com bons olhos, pois  o  primeiro  paciente  morreu, o segundo não melhorou e o terceiro também faleceu“.

 

Antigo Hospital Hammonia enfrentou crise financeira


O Dr. Friedrich Kröner veio a Ibirama em 1933 e percebe que as condições não eram as melhores, dizendo que o hospital deixaria as pessoas ainda mais doentes. Ele sugere a construção, mas o dinheiro e o trabalho eram da comunidade”, esclarece Sandra.

 

Projeto original, assinado por Simão Gramlich, previa torre


Para o novo hospital, além do auxílio das pessoas da comunidade, houve doações significativas de entidades.  As senhoras da Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE Ibirama), auxiliaram, doando roupas de cama, mesa e banho além dos talheres e da louça para o novo hospital. “Elas faziam rifas e bordados e vendiam. O valor arrecadado era doado para a associação hospitalar. Eles já tinham intenção de ter outro hospital. Constroem em um ano e quatro meses graças à comunidade que se uniu nesta associação hospitalar. Cada um ajudou de uma forma, desde a olaria do Sellin com tijolos até agricultores que vendia o aipim na fecularia. Também veio dinheiro da Alemanha”, conta a historiadora.  O dinheiro era da Volksbund für das Deutschtum im Ausland, que ajudava alemães no exterior.

 

Grupo de enfermeiras do antigo hospital (Foto: Acervo Isolina Moretto)


Conforme o artigo ‘Considerações sobre a saúde e a história dos hospitais de Ibirama’ do historiador Harry Wiese, Kröner coube, assim, à Sociedade Hospitalar, a  tarefa  de  dividir  a  responsabilidade  da construção do novo hospital. No entanto, a maior parte coube a Peter Schelle, pois ele era o construtor, ou o chefe de obras. O arquiteto da construção foi Simão Gramlich, que possui diversas obras em SC, entre elas, a catedral São João Batista de Rio do Sul.

 

Mistérios revelados

 

O Hansahoehe desperta diversas histórias que ficam no imaginário popular e acabam gerando verdadeiras lendas urbanas, como as histórias de aparições de fantasmas ou da existência de túneis secretos, que serviam para a evacuação da equipe de médicos e enfermeiros até a margem do Rio Hercílio. “As supostas portas secretas são de elevadores usados pelas enfermeiras para transportar as refeições e a roupa de cama para os pavimentos superiores. Já o túnel, seria a mesma função do que há no Carlos Gomes em Blumenau, que é para drenagem”, conta Sandra.

 

Ela lembra que não havia motivos para a construção destes túneis, já que o Brasil mantinha relações diplomáticas com Alemanha, que só seriam rompidas das em 1942 com a declaração de estado de guerra contra os países do Eixo (Tóquio, Berlin, Roma). O Hansa ficou pronto muito antes do período de perseguição aos alemães e o processo de nacionalização, sendo que neste período, o nome foi alterado para Hospital e Maternidade Miguel Couto. “Isso é do imaginário popular. Não havia motivos para construir isso na época”, disse.

 

Sandra Secchi colaborou nas pesquisas sobre o Hansahoehe

Intervenção federal

 

No período da 2ª Guerra Mundial, em 1942, Dr. Kröner foi preso por suspeita de associação ao Partido Nacional Socialista da Alemanha. O médico mantinha também um vasto acervo de 440 livros no hospital em língua alemã, que eram emprestados aos pacientes. A língua era proibida por causa da guerra e ele foi delatado por uma enfermeira, que mantinha uma rixa com médico.

 

 Sandra lembra que na época, um médico era visto como uma liderança na comunidade, o que despertava mais desconfiança das autoridades. “Com a proibição da língua, as pessoas começaram a enterrar os livros. A enfermeira denunciou que haviam vários livros enterrados na casa do médico, a maioria de contos, romances e poesias, sendo apenas um deles, político”.

 

Ele ficou preso durante dois anos em campos de concentração em Florianópolis e Rio de Janeiro. Já o hospital foi tomado da comunidade ibiramense e convertido em um sanatório estadual para tuberculosos.

 

Devolução

 

A partir da devolução do Hospital Miguel Couto, em 20 de setembro de 1986, a nova Associação iniciou um trabalho para a conservação e a restauração interna e externa do prédio. A devolução do antigo prédio causou verdadeira euforia entre a população de Ibirama, pois depois de tanto tempo, recebeu de volta o que era seu de direito. No dia da devolução do antigo hospital, Victor Kumrow recebeu a medalha Anita Garibaldi pelos serviços prestados a Ibirama e ao Estado de Santa Catarina, como co-construtor do prédio. Foram, ainda, entregues dezenas de diplomas a pessoas idosas que colaboraram na construção do Hansahoehe. “Nos anos 60 já havia um movimento de remanentes da associação que começaram a escrever cartas para Florianópolis pedindo a devolução do nosso hospital”.

 

Os dirigentes da Associação esforçaram-se, com o auxílio e o apoio da comunidade e do Governo do Estado para transformar o imponente prédio num centro cultural e esportivo. “Depois de todos os anos tomado da comunidade, o Estado devolveu em péssimas condições. Dez anos depois, já no governo Paulo Afonso, é disponibilizado o dinheiro para pintar o prédio pela primeira vez, desde a sua inauguração em 1936”, disse a historiadora.

 

A Associação Beneficente e Filantrópica Hamônia restaurou integralmente o prédio do antigo hospital. No dia 20 de setembro de 1996, aconteceu a inauguração. Na mesma data, aquele monumento lindo e majestoso, como fora em outra época, recebeu novamente seu nome original: Hansahoehe.

 

Atualmente, o Hansa abriga o Museu Histórico Eduardo Lima e Silva Hoerhan, teatro, cinema com projetores à carvão (atualmente desativado) e clínicas médicas.

 

O acervo começa pelo corredor de acesso ao museu, com telas retratando a cultura e o relevo do município. No arquivo fotográfico, imagens mostram a história do Hansahoehe, do pacificador dos índios que batiza o museu. No museu há uma mesa redonda que foi construída no ano de 1917. Chama a atenção dos turistas e mesmo ao povo do lugar. Os pregos pequenos e grandes existentes em sua superfície identificam o valor da contribuição dos moradores. O total arrecadado foi de 560 mil reis. O dinheiro foi encaminhado para os flagelados alemães da Primeira a Guerra Mundial.

 

Hoje, o Hansahoehe sobrevive graças à dedicação de pessoas interessadas em valorizar e preservar a história do local. “As pessoas usam muito a imagem do Hansa, como políticos e empresários, mas nem sempre se lembram de ajudar a manter a associação. As empresas podem contribuir quando quiser, e o dinheiro será bem empregado”, lamenta. 

 

O prédio possui 3,8 mil m² e possui custos elevados para a manutenção. Os custeios são divididos com os aluguéis de salas e de um grupo de associados, que contribuem mensalmente. “Em uma assembleia extraordinária se decidiu pedir o tombamento do prédio, que deve seguir diversos trâmites burocráticos. Se isso acontecer, poderá vir recursos”, revela.


POR: MARCELO ZEMKE / REDE VALE NORTE

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