Rui Car
23/08/2022 10h46

Riosulense com doença degenerativa defende tese sobre uso de física nuclear para descrição de estrelas na UFSC

Atualmente com 27 anos, Kauan recorda do interesse desde a infância pelas disciplinas de ciência

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Fotos: Divulgação / UFSC

Fotos: Divulgação / UFSC

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A tarde do último dia 17 de julho foi especial para Kauan Dalfovo Marquez, estudante do Programa de Pós-Graduação em Física (PPGFSC) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A data marcou o dia da defesa de sua tese de doutorado, com um trabalho que investigou o uso da física nuclear para descrição de estrelas de nêutrons – objetos astronômicos super densos que surgem com a “morte” de algumas estrelas.

 

Atualmente com 27 anos, Kauan recorda do interesse desde a infância pelas disciplinas de ciência, em especial pela Física. O recém-doutor tem uma doença neurodegenerativa chamada atrofia muscular espinhal (AME tipo 2) e, devido à condição, precisava passar longos períodos afastados da sala de aula e estudar em casa por meio dos materiais e atividades enviados pelos professores. “Nesse período, passei a me interessar muito por Matemática. Então, quando houve a possibilidade de cursar Física na cidade em que eu morava, decidi que assim seria”, afirma.

 

Natural de Rio do Sul, o estudante cursou licenciatura em Física pelo Instituto Federal Catarinense (IFC) em um campus no município. A trajetória na UFSC começou em 2016, quando ingressou no mestrado. Somando o tempo de doutorado, foram seis anos na instituição onde hoje é bolsista de pós-doc e membro do grupo de pesquisa em Física Hadrônica nas Matérias Nuclear e Estelar, que desenvolve pesquisas com aplicações na descrição de remanescentes estelares.

 

A vida acadêmica

 

A AME tipo 2 é uma condição bastante severa, que causa a morte gradual dos neurônios motores, responsáveis por levar os comandos de movimentos do cérebro para os músculos. “Me faz ser praticamente tetraplégico hoje”, explica Kauan. Ainda assim, o estudante afirma que a deficiência não afetou diretamente a vida acadêmica. “Claro que eu preciso de adaptações para que eu possa acompanhar as atividades, mas são só maneiras diferentes de fazer as mesmas coisas (por exemplo, poder realizar as provas no computador). Para isso, eu sempre tive bastante apoio dos professores que encontrei, bastava uma conversa”, recorda.

 

O pesquisador reconhece, no entanto, que existem outros desafios. Por conta das limitações físicas, ele explica que tem menos horas úteis num dia e seu organismo é mais vulnerável a doenças pulmonares, algo que ocasionalmente o fazia perder uma aula. Ressalta ainda que a falta de transporte e acessibilidade adequada também se mantêm como grandes obstáculos. Para enfrentá-los, Kauan destaca o apoio da família: “Embora eu sempre tenha sido tratado com boa vontade por todos na Universidade, que sempre prestaram todo apoio possível, tenho consciência de que não seria possível desenvolver minhas atividades se não fosse o envolvimento direito da minha família, principalmente minha mãe. Isso é um privilégio, eu sei”, avalia.

 

Viver como alguém que tem necessidades especiais ‘treina’ a pessoa a fazer as adaptações necessárias para a própria vida, e grande parte das dificuldades pode ser resolvida tendo abertura para o diálogo com a universidade. Eu sou otimista, sei que não é fácil (e que não precisava ser tão difícil), mas percebo que ao menos esses assuntos são cada vez mais discutidos e isso é bom”, pondera.

 

Em seu período na UFSC, o pesquisador publicou sete artigos e já possui mais um em fase de revisão. Fez estágio na Universidade de Coimbra, em Portugal, e ajudou na revisão do livro de Física Nuclear e de Partículas da sua orientadora, a professora Débora Peres Menezes, presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF).

 

As estrelas como objeto de estudo

 

O objeto de estudo na tese de Kauan foram as estrelas de nêutros, com o trabalho intitutado Astrophysical implications of exotic particles and magnetic fields in neutron stars (Implicações astrofísicas de partículas exóticas e campos magnéticos em estrelas de nêutrons, em português). “Nós não temos acesso à matéria assim densa aqui na Terra, e as observações desses objetos nos dão informações limitadas – apesar disso estar mudando rapidamente. Então nós desenvolvemos e testamos modelos teóricos que nos ajudem a entender esse fenômeno”, esclarece.

 

 

A banca que concedeu o título de doutor a Kauan foi formada pelos docentes: Débora Menezes (presidente), da UFSC; Constança Providência, da Universidade de Coimbra; Luiz Laércio Lopes, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG); Celso de Camargo Barros Junior, da UFSC; tendo como suplentes André da Silva Schneider e Alexandre Magno Silva Santos, também da UFSC.

 

 

A professora Débora enalteceu a força de vontade e a capacidade intelectual do orientando, além do currículo construído na UFSC. “O Kauan é super dedicado, possui um grande potencial e merece o reconhecimento institucional. Durante o doutorado, ele publicou sete trabalhos em jornais de grande impacto científico e tem mais um submetido, em análise por revisores. Um dos trabalhos publicados, junto com outro doutorando, Mateus Renke Pelicer, será capa da revista Physical Review, em setembro, e foi escolhido pelos editores para divulgação para o público leigo”, destaca.

 

Já o pesquisador agradeceu o apoio da orientadora em seu percurso na pós-graduação. “A professora Débora é uma orientadora incrível e eu nunca vou conseguir salientar isso o suficiente. Ela sempre acreditou em mim e nunca agiu como se minha condição, o fato de eu ter vindo de uma licenciatura, ou qualquer outra coisa fosse algum impedimento”.

 

Fonte: Maykon Oliveira / Jornalista da Agecom / UFSC
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