O arquivamento da notícia de infração disciplinar contra o Hercílio Luz após divulgação de irregularidades no registro de atletas no BID (Boletim Informativo Diário) da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) não encerrou o caso. O parecer assinado pelo procurador Cristiano Rodrigues Mariot foi publicado no fim da tarde de quarta-feira (15), no entanto, o JEC pediu revisão do parecer e no documento encaminhado à Procuradoria de Justiça Desportiva de Santa Catarina, o time do Norte ganhou também a assinatura do Camboriú.
O documento que pede a revisão ao procurador-geral do TJD-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) tem, ainda, imagens anexadas que mostram o registro inativo dos atletas do Hercílio Luz que atuaram, de maneira diversa, em sete rodadas do Campeonato Catarinense.
No parecer inicial de arquivamento, o procurador responsável por assinar o documento afirma que “restou claro não haver irregularidade a ser apurada no presente caso, pois, segundo os documentos apresentados, a inscrição formal dos atletas foi exitosa”. Apesar disso, os clubes diretamente atingidos contestam a decisão e pedem que o caso seja direcionado para apreciação do colegiado, com denúncia oferecida pela procuradoria.
Além dos clubes, advogados especialistas e membros da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SC também têm posicionamento de que é necessário que o colegiado avalie e julgue a questão. Embora tenham interpretação diferente, os advogados Vinicius Bion e Mateus Smaniotto concordam que o caso deveria passar pelo colegiado, respeitando a premissa do direito desportivo de julgamento coletivo em colegiado em casos como esse.
“É lamentável essa situação justamente porque viola uma máxima da justiça desportiva que preconiza um julgamento colegiado, onde cabe aos auditores avaliar as provas documentais que poderiam ser apresentadas em favor de qualquer um dos clubes”, ressalta Bion.
Acompanhando o caso, que continua repercutindo em todo Estado, ele afirma que há materialidade suficiente de irregularidade e que, por isso, a procuradoria deveria apresentar a denúncia a fim de direcionar ao colegiado a decisão após análise das provas documentais.
“Há materialidade de irregularidade sim e caberia aos auditores avaliar essa prova documental, sopesar o valor delas no sentido de que seria um erro supostamente cometido pela CBF. Eu discordo totalmente desse método, desse procedimento da procuradoria, porque o arquivamento se deu pela prova documental da CBF e da FCF, só que eu entendo que são provas documentais que seriam capazes de convencer a sustentar um voto pela irregularidade ou não. O procurador deveria oferecer a denúncia e caberia aos auditores avaliar se aquelas provas documentais eram cabíveis a convencimento em favor do JEC ou do Hercílio. Acho que o TJD pecou nesse sentido, porque de fato existem muitos indícios de que os atletas atuaram de forma irregular, existe materialidade”, salienta.
O advogado reforça ainda a complexidade do caso, que aconteceu após a mudança na estrutura jurídica do Hercílio Luz, que passou de clube associativo para SAF. Bion destaca que os atletas tinham sim vínculo empregatício com o clube, no entanto, o nome não foi publicado corretamente no BID para a “nova” entidade, que é o Hercílio Luz SAF, mantendo os atletas inativos e sem condição de jogo. “De fato existem muitos indícios de que os atletas atuaram de forma irregular, existe materialidade da irregularidade”, diz.
Para ele, a decisão ficou limitada à análise do procurador, sem que fosse dada a devida atenção à complexidade de interpretação possível e, novamente, ressalta que o julgamento deveria ser feito pelos auditores. “Ela [decisão] ficou refém de uma avaliação de dois procuradores, ao passo que em um julgamento seriam no mínimo três operadores do direito. Existem indícios fortíssimos da irregularidade dos atletas. Essa é a grande discussão, a responsabilidade do clube de verificar as condições dos atletas”, avalia.
“Não deveria ser uma decisão unilateral”
Já para o advogado Mateus Smaniotto, o Hercílio Luz não deve ser punido, no entanto, essa decisão precisa ser tomada pelo colegiado. “A situação era para o colegiado, entendo que não deveria ser uma decisão unilateral do procurador e sim reunir os auditores para avaliar o caso. Estamos dando brecha para futuros casos de arquivamento ou não arquivamento. Poderia ser evitado com os auditores analisando o caso”, fala.
Ao contrário de Bion, Smaniotto afirma que as irregularidades são sistêmicas e, por esse motivo, o Hercílio Luz deveria ser isento de culpa e não ser punido conforme o Regulamento Geral de Competições, que aponta a responsabilidade do clube em monitorar a situação dos atletas no BID e se certificar que estão aptos a entrar em campo.
Ele ressalta que o erro primário foi do sistema, que não permitiu a comunicação no momento de exclusão e inclusão dos contratos do clube associativo para a SAF. “Por conta de uma falha sistemática não aparecia que ele estava apto. Esse em resumo é o caso. Esse sistema deve ser todo automatizado e ele é responsável pela passagem automática de associação para SAF. Por mais que o clube deva, antes dos jogos, analisar o BID, ao mesmo tempo, entendo que em uma falha sistemática não podemos colocar o trabalho inteiro de um clube em risco. É um caso que simplesmente houve uma falha sistemática. Não entendo que há uma culpa objetiva do Hercílio Luz nessa questão”, avalia.
Smaniotto destaca que a lei preconiza que essa passagem contratual de uma página como a do time de Tubarão, que passou de clube associativo para SAF, deve ser automática. O advogado reforça que houve falha no ato originário, que deveria ter transferido todos os contratos.
“Foi uma falha primeiramente de sistema de passagem de contratos, que não pode ser incumbida a um clube por mais que o regulamento dispõe que o jogador deve estar apto. Mas, não podemos impor a culpa de uma falha sistemática a um clube de futebol que colocou todos os documentos requeridos. Não discutimos se o Hercílio deveria checar, isso não se discute, mas com todo o investimento, toda a história, ele não pode ser culpado por um erro mecânico do BID que não colocou esses novos contratos ativos”, salienta.
Apesar de admitir que os atletas não estavam ativos, Smaniotto reforça que o erro primário não é do clube e defende a permanência da situação do campeonato, sem sanção para o Hercílio Luz.
“Tem culpa objetiva do Hercílio que deveria ter visto todos os atletas no BID para saber se estavam regulares para jogo. Todavia, nesse caso o Hercílio sempre agiu de boa-fé. Ele não cometeria esse erro de colocar um atleta em campo sem ter um contrato de trabalho, pelo menos isso deveria estar anexado e nem isso estava. Mas é falha de quem? Creio eu que o Hercílio fique com a vaga normalmente até para evitar problemas muito maiores e acho que o assunto morre porque se não alguém tem que assumir a culpa e não será nem a FCF, nem a CBF a fazer isso”, diz.
A expectativa, agora, é pela decisão do procurador-geral Mário César Bertoncini. Caso ele mantenha o arquivamento, explica Bion, o JEC e o Camboriú podem construir uma “tese de interposição de recurso para que o pleno do TJD-SC, o segundo grau, avalie a notícia de infração sustentando que a decisão deve ser do colegiado”, finaliza.
Fonte: Drika Evarini / ND+