Rui Car
09/11/2022 19h20

Defesa fala de suposto “código malicioso” nas urnas; TSE diz que relatório não aponta fraudes

Documento tem 63 páginas; militares reclamam da falta de acesso aos códigos que fazem a urna funcionar

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Foto: Eduardo G. de Oliveira / Agência AL

Foto: Eduardo G. de Oliveira / Agência AL

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O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), relatório de fiscalização do processo de votação e pede que seja feita uma investigação técnica urgente sobre eventuais riscos de segurança das urnas. O documento tem 63 páginas e fala num suposto risco de que um “código malicioso” possa interferir no funcionamento dos aparelhos de votação. Em nota, o TSE agradeceu o envio do documento e destacou que o trabalho dos militares não aponta qualquer fraude ocorrida na eleição.

 

TSE informa que recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa, que não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência no processo eleitoral de 2022. As sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas. O TSE reafirma que as urnas eletrônicas são motivo de orgulho nacional, e as Eleições de 2022 comprovam a eficácia, lisura e total transparência da apuração e totalização dos votos”, diz a nota do tribunal.

 

Num ofício em que encaminha o relatório, o ministro alega que durante a inspeção dos militares teria sido observada situação que “pode configurar relevante risco à segurança do processo”. “Dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”, diz Nogueira.

 

Nogueira sugere que seja criada uma comissão de técnicos de instituições da sociedade para fazer a investigação do funcionamento das urnas. Esse trabalho, no entanto, já é feito durante o processo de preparação da eleição, com a possibilidade de instituições de fiscalização, como a própria Defesa, para analisar a urna e também os programas que a fazem funcionar.

 

O documento possui, ao todo, 63 páginas. No entanto, os apontamentos sobre a fiscalização do sistema eleitoral se restringem às primeiras 22 páginas. O restante do relatório é composto por referências utilizadas na elaboração. O relatório é assinado pelo ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e por outros três militares: o capitão de fragata Marcus Rogers Cavalcante Andrade, o coronel aviador Wagner de Oliveira da Silva e o coronel Marcelo Nogueira de Souza – este último chefia a Equipe das Forças Armadas responsável pela fiscalização.

 

Após informar que levaria até 30 dias para concluir sua fiscalização do processo eleitoral, o Ministério da Defesa anunciou há dois dias que entregaria o relatório nesta quarta-feira. O prazo encurtado atendeu às pressões do presidente Jair Bolsonaro, que trocou os holofotes pelos bastidores desde que perdeu a disputa para o petista Luiz Inácio Lula da Silva, no último domingo de outubro. Nas poucas declarações que concedeu de lá para cá, o presidente insinua que o dossiê dos militares pode alterar o jogo. “Brevemente teremos as consequências do que está acontecendo”, afirmou ele, na última segunda-feira (7).

Antes mesmo da divulgação do relatório da Defesa, o presidente eleito saiu em defesa do processo eletrônico de votação do País. Lula disse que a urna eletrônica é uma “conquista do povo brasileiro”. O petista concedeu no início da noite sua primeira coletiva à imprensa em Brasília, após reunião no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

A urna eletrônica é uma conquista do povo brasileiro. Acho que muitos países no mundo invejam o Brasil pela lisura do processo”, disse. O presidente eleito citou o pleito nos Estados Unidos, onde, segundo ele, “ainda estão contando votos no papelzinho” para saber os resultados das eleições.

 

Contestação

 

Na terça-feira (8), o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse que a legenda não iria contestar o resultado das eleições, mas que Bolsonaro poderia fazê-lo se tiver “algo real na mão”. Já o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) disse que o relatório do Ministério da Defesa é assunto para o Judiciário, e não do governo de transição. Não tenho nenhuma informação sobre esse relatório. Agora, quem cuida disso é o Poder Judiciário, que tem uma Justiça especializada para isso, que é a Justiça eleitoral”, afirmou o vice.

 

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, reiterou por diversas vezes que a função das Forças Armadas era de contribuir para melhorar o processo de votação. Em comunicado oficial, em 18 de outubro, disse agir à luz da Resolução 23.673/21, do TSE, fiscalizando o sistema eletrônico a convite do próprio tribunal e não se dedicando a uma auditoria propriamente dita.

 

Em 14 de julho deste ano, quando foi ao Senado, o ministro projetou num telão uma apresentação com o título “A Colaboração das Forças Armadas para Aperfeiçoamento da Segurança e da Transparência do Processo Eleitoral Brasileiro”. Naquele dia, Nogueira fez um histórico das perguntas e sugestões que haviam sido enviadas ao TSE pelos militares.

 

Ao final, resumiu o pedido do ministério em três itens: realização de teste de segurança no modelo 2020 da urna eletrônica; testagem das urnas no dia da votação, com acionamento feito por digitais dos eleitores, e auditoria dos partidos mais efetiva.

 

A participação do Ministério da Defesa nas eleições deste ano foi alvo de embates constantes com as diferentes ministros que passaram pela Presidência do TSE. Em agosto do ano passado, os militares foram convidados pelo então presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, a integrar a Comissão de Transparência das Eleições. À época, o titular da pasta ainda era o general Walter Braga Netto, que concorreu ao cargo de vice-presidente na chapa de Bolsonaro neste ano.

 

Braga Netto indicou o general Heber Garcia Portella, que passou a reproduzir o discurso antiurnas do governo nas reuniões realizadas pelo tribunal, chegando a cobrar dos ministros que apontassem as consequências para o processo eleitoral, caso seja identificada alguma irregularidade nas eleições.

 

No início deste ano, quando Barroso passou o comando do TSE ao ministro Edson Fachin, a Defesa passou por um período de escalada da tensão com a Justiça Eleitoral. Como mostrou o Estadão, os militares encaminharam ao tribunal mais de 88 questionamentos e sugestões de melhorias do sistema eletrônico de votação. Os documentos também reproduziram parte dos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas, com questionamentos até mesmo sobre a existência de entradas USB nos dispositivos. Diante das investidas das Forças Armadas, Fachin chegou a dizer que “quem cuida das eleições são forças desarmadas”.

 

A crise entre as duas instituições só arrefeceu com chegada de Alexandre de Moraes ao comando da mais alta instância da Justiça Eleitoral. Quando assumiu em agosto deste ano a presidência do TSE, Moraes concordou em atender parte dos pleitos dos militares, como a realização do teste de urnas com uso das digitais de eleitores para desbloquear a operação.

 

A urna modelo 2020 foi submetida à inspeção por peritos de universidades federais; o teste piloto com participação de eleitores foi realizado em seções eleitorais dos dois turnos de votação e os partidos puderam realizar a auditoria, respeitadas as regras eleitorais.

 

Outras instituições também fiscalizaram as eleições deste ano e atestaram a lisura do processo eleitoral, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Tribunal de Contas da União (TCU).

 

Fonte: Weslley Galzo / Estadão
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