Rui Car
07/01/2020 13h25 - Atualizado em 07/01/2020 10h06

Amar ao próximo como a si mesmo: você entendeu errado

Estamos confundindo o mandamento com o pressuposto

Assistência Familiar Alto Vale
Por Maycson Rodrigues - Gospel Prime - Foto: O Segredo

Por Maycson Rodrigues - Gospel Prime - Foto: O Segredo

Delta Ativa

O texto que seja talvez mais pronunciado pelas pessoas deste tempo – sendo elas cristãs ou não – é este: “Ame o seu próximo como você ama a si mesmo (Mateus 22.39)”. Ou seja, todo mundo [ou quase] está gritando na vida ou nas redes: “Mais amor, por favor!”

 

É importante deixar claro que desejar um mundo mais fraterno, pacífico e amoroso não é um problema em si. A gente só começa a ter problemas quando vamos debater o que falta para que as pessoas amem mais.

 

Uns vão dizer que o problema é que não se pode amar o próximo sem antes amar a si mesmo; já outros vão dizer que há muito egoísmo nos corações, de modo que o que não falta é amor-próprio, que é a capacidade de se pensar primeiro no cuidado de si mesmo.

 

Estamos então num dilema: falta amor a si mesmo? Sim ou não?

 

Aprendi com o doutor John Piper em seu livro “Em Busca de Deus” que o problema não está na ausência ou na existência do amor-próprio. O problema da falta de amor ao próximo como a si mesmo é que estamos confundindo o mandamento com o pressuposto.

 

Amar ao próximo é mandamento; amar a si mesmo é pressuposto. Em outras palavras, a Bíblia não fala de dois mandamentos neste versículo e é simplesmente pelo fato de que nós já nos amamos. Apenas nos resta agora sairmos do calabouço do egoísmo para praticarmos o bem àqueles que sofrem ao nosso lado.

 

A cultura atual diz que o problema de quase todo relacionamento está na baixa autoestima de alguém. E isso piora quando vemos escritores e pregadores ganhando muito dinheiro, visibilidade e seguidores com este tipo de abordagem estrita e extremamente humanista. O culto de si mesmo vem ganhando adeptos evangélicos em larga escala neste século.

 

Quando tiramos o foco de Deus como o objeto da redenção e passamos para o ser humano (leia Ez 36.22-32), estamos colocando a autoestima como o remédio para todos os males. Só que não é assim que a Bíblia nos ensina. A estima de Deus e da graça deve ser infinitamente mais importante para os cristãos do que a estima de si mesmo. A nossa alegria está na fonte eterna de satisfação pessoal, Cristo, e não numa visão mais correta ou elevada sobre o próprio eu.

 

 

Na busca por uma síntese dessa abordagem, vamos direto ao ponto: Jesus não afirma a ordenança da Lei (Ame o seu próximo – Lv 19.18) dizendo que é um mandamento o “como a si mesmo”. Ou seja, Jesus não está chamando as pessoas ao amor a si mesmas, para que possam amar os outros como amam a si mesmas. E também não está compreendendo o amor a si mesmo como uma expressão de alta estima de si ou autoaceitação (“empodere-se!”), autoimagem positiva ou qualquer coisa do tipo. Os “mestres” que ensinam desta forma presumem que a ordem de Jesus seja que seus discípulos desenvolvam uma autoestima elevada, para poder cumprir a segunda metade do mandamento, que é amar os outros como ama a si mesmo.

 

Piper explica que é impossível você construir as palavras “como você ama a si mesmo” como uma ordem. Se você acrescenta o verbo, o mandamento fica simplesmente: “Você deve amar seu próximo assim como você, na verdade, já ama a si mesmo”. Jesus não está dizendo às pessoas que se amem; ele entende que elas já o fazem. Nenhum teólogo do primeiro século ou mesmo dos tempos da Reforma considerou que Jesus tinha em mente a hipótese de que houvesse alguém que não se ama. Fazendo uso das palavras de Paulo em Efésios 5.29, “ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida”.

 

O problema de compreendermos o amor-próprio como mandamento neste texto é que naturalmente vamos diminuir a profundidade que o espírito do mandamento quer comunicar ao nosso coração. Enquanto alguns gastam energia para “se amarem mais”, acabam assim por justificar a negligência da prática deste segundo grande mandamento divino. Em outras palavras, muitos estão se enchendo de orgulho e se distanciando da graça de Deus porque estão “ocupados demais nas doses matinais de injeção de autoestima para conseguir amar alguém”.

 

A pessoa que não compreende a realidade de que ela se ama no sentido de que ela não deixa de alimentar e cuidar da própria carne não poderá compreender a necessidade de buscar a própria felicidade na alegria de Deus e na felicidade dos outros n’Ele por meio de seu serviço ab-negado.

 

 

Portanto, muitos estão buscando a felicidade em muitas coisas e em muitos lugares, menos na glória de Deus e no bem dos outros e é por isso que não conseguem amar ao próximo como a si mesmos. O caminho é simplesmente abandonar a ideia da contemporaneidade vigente de que não se ama o bastante, abraçar a revelação de que o bem que fazemos a nós deve ser feito aos outros (Mt 7.12) e se arrepender do pecado do orgulho, que é exatamente o estado mental de maior oposição a Deus, como diz C. S. Lewis. Nos esquecemos d’Ele quando pensamos ser o centro do universo, de modo que “temos de cumprir o suposto mandamento de amar a si mesmo” – e isso nos impede de buscar a fonte, a base e a energia do amor ao próximo que é exatamente o amor a Deus.

 

Encerro mencionando os versículos anteriores ao versículo supracitado:

 

“Jesus respondeu: ¾ “Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento”. Este é o grande e primeiro mandamento (Mateus 22.37,38).”

 

Duas notas finais: 1) não se deve excluir o fator “Deus” na reflexão sobre o amor, porque a verdade e a realidade última é que Deus é amor (1 Jo 4.8) e 2) o segundo grande mandamento somente pode ser cumprido quando o primeiro já foi observado.

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