Rui Car
12/10/2018 15h10 - Atualizado em 12/10/2018 14h45

Cientistas conseguem criar ratos saudáveis com duas mães

Durante a reprodução entre mamíferos, certos genes maternos ou paternos são bloqueados

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Utilizando células-tronco e técnicas de edição de genes, cientistas chineses foram capazes de criar ratos com pais do mesmo sexo – tanto com duas mães quanto com dois pais. Os animais com dois pais sobreviveram apenas dois dias, mas aqueles com duas mães cresceram saudáveis e foram capazes de chegar até a idade adulta e ter filhotes próprios.

 

O trabalho, apresentado em 11 de outubro na revista Cell Stem Cell, analisa o que torna tão difícil para os animais do mesmo sexo produzir descendentes e sugere que algumas dessas barreiras podem ser superadas com as técnicas utilizadas no estudo.

 

A partenogênese, a reprodução de um óvulo não fertilizado, não é uma maneira incomum de reprodução entre animais. Alguns peixes, insetos e répteis fazem isso. Mas não mamíferos. Na nossa espécie, pais dos dois sexos biológicos são necessários para conceber uma prole, e o óvulo precisa ser fertilizado por um espermatozoide. Os cientistas têm tentado descobrir por que isso acontece há muito tempo.

 

Segundo Qi Zhou, um dos autores do estudo, o interesse principal dos pesquisadores era justamente esse: entender por que os mamíferos só conseguem se reproduzir através de relações sexuais. “Fizemos várias descobertas no passado combinando reprodução e regeneração, então tentamos descobrir se ratos normais, com duas mães fêmeas ou até com dois pais machos, poderiam ser produzidos usando células-tronco embrionárias haplóides com deleções de genes”, explica ele ao site Phys.org.

 

Em entrevista ao portal Popular Science, o geneticista Richard Behringer, da Universidade do Texas, nos EUA, diz que a vantagem de ter informações genéticas de dois genitores é ter mais diversidade. “Você está misturando na variação e na reconfiguração”.

 

Bloqueio

Durante a reprodução entre mamíferos, certos genes maternos ou paternos são bloqueados durante o desenvolvimento da linha germinativa por um mecanismo chamado imprinting genômico. Por isso, os descendentes que não recebem material genético tanto da mãe quanto do pai podem apresentar anormalidades no desenvolvimento ou podem não sobreviver. No passado, pesquisadores já haviam conseguido produzir animais com pais do mesmo sexo eliminando esses genes de óvulos imaturos. No entanto, estes animais ainda assim tinham características defeituosas, e o método em si é muito pouco prático e difícil de usar, diz Zhou ao Phys.org.

 

 

Para produzir seus ratos saudáveis, Zhou e seus colegas utilizaram células-tronco embrionárias haplóides (CES), que contêm metade do número normal de cromossomos e DNA de apenas um dos pais. Os pesquisadores criaram os ratos com duas mães retirando três regiões do genoma de CES haplóides contendo o DNA de uma das mães e as injetando nos óvulos de outra fêmea. Eles produziram 29 ratos vivos de 210 embriões. Os ratos cresceram normais até a idade adulta.

 

Uma vantagem do uso de CES haplóides é que, mesmo antes de os genes problemáticos serem eliminados, eles contêm menos da programação de impressão que causa a expressão de genes específicos maternos ou paternos. Baoyang Hu, um dos co-autores do estudo, conta que os pesquisadores descobriram no estudo que as CES haplóides são mais semelhantes às células germinativas primordiais, os precursores de óvulos e espermatozóides. “A impressão genômica encontrada em gametas foi ‘apagada’”, explica.

 

Avanços

Doze camundongos vivos com dois pais machos também foram criados, usando um procedimento semelhante, porém mais complicado. CES haplóides contendo apenas o DNA de um genitor masculino foram modificadas para excluir sete regiões-chave impressas. Os CES haplóides editados foram então injetados – juntamente com espermatozóides de outro camundongo macho – em uma célula-ovo que teve seu núcleo e, portanto, seu material genético feminino, removido. Isso criou um embrião contendo apenas DNA genômico dos dois pais machos. Esses embriões foram transferidos juntamente com material placentário para ratas que serviram como mães de aluguel.

 

Esses filhotes sobreviveram 48 horas após o nascimento, mas os pesquisadores planejam melhorar o processo para que os camundongos bipaternos vivam até a idade adulta. Resultados semelhantes foram alcançados em 2011, mas usando um método que dependia de uma intermediária feminina produzida a partir das células-tronco do primeiro pai para acasalar com o segundo pai.

 

Segundo os pesquisadores, há obstáculos para usar esses métodos em outros mamíferos, incluindo a necessidade de identificar genes problemáticos impressos que são únicos para cada espécie e preocupações com os descendentes que não sobrevivem ou que experimentam anormalidades graves. Eles esperam, no entanto, explorar essas técnicas em outros animais no futuro.

 

Para Behringer, o novo estudo mostra quão delicado é o equilíbrio das contribuições do genoma masculino e feminino na reprodução de mamíferos. É um equilíbrio que os cientistas ainda estão sentindo como manipular, mas esse entendimento pode ter implicações para coisas como clonagem e criação de animais e talvez, algum dia, possa permitir que casais do mesmo sexo tenham filhos biológicos usando o material genético de ambos os pais ou mães. Os processos atuais não poderiam ser usados para seres humanos. “Mas tenho certeza de que há tecnologias chegando e pequenas reviravoltas que tornarão isso possível”, diz Behringer. [Popular SciencePhys.org]

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