Rui Car
21/02/2018 09h05 - Atualizado em 21/02/2018 08h37

Como é ter tocofobia, o medo extremo da gravidez

"As piores 17 semanas da minha vida foram as 17 semanas antes de obter ajuda"

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Durante sete temporadas, o programa da televisão britânica ‘Call the Midwife lidou com praticamente todas as questões de saúde, mas o último episódio mostrou uma situação nova: uma mulher grávida tão traumatizada pelo uso do fórceps em seu último parto que desenvolveu um medo extremo de dar à luz novamente. Ela se recusa a buscar ajuda médica e é motivo de piada para a sogra, que diz que ela deve simplesmente superar a situação. O Dr. Turner tem uma abordagem mais empática, e explica que o problema não está em seu corpo, mas em sua mente. Isso é mais do que um medo da dor; é uma fobia séria, que afeta inúmeras mulheres.

 

Trata-se de um episódio interessante, mas a assistente social Kate Motley, de 35 anos, provavelmente nunca irá assisti-lo. Caso contrário, ela poderia desencadear a sua própria tocofobia – nome que o British Journal of Psychiatry deu a este medo profundo da gravidez e do parto, classificado como um distúrbio, após ser formalmente reconhecido em 2000.

 

De acordo com um estudo no Industrial Psychiatry Journal, a tocofobia pode afetar mulheres (incluindo adolescentes), que nunca estiveram grávidas (primária) e mulheres que desenvolveram os sintomas como resultado de um parto traumático no passado (secundária). Depressão pré-natal, abortos espontâneos e outros problemas obstétricos também podem desencadear a tocofobia secundária.

 

Kate diz que sempre teve uma aversão à gravidez, e assim como muitas mulheres com tocofobia, confiava no uso de contraceptivos. Somente quando ela engravidou e seus medos se intensificaram, foi possível identificar que seus sintomas não eram mero estresse. A seguir, Kate – que agora é mãe de uma menina recém-nascida – compartilha seu relato de como é conviver com a tocofobia e como conseguiu lidar com a sua gravidez.

 

“Tenho 35 anos e acabei de ter meu primeiro filho. Pode parecer que me tornei mãe muito velha, mas eu nunca quis ter filhos. Fui para a universidade, viajei, fiz tudo para evitar ter filhos. Quando o assunto surgia, em relacionamentos anteriores, com alguém querendo uma família, eu sempre inventava desculpas. ‘Nós acabamos de programar uma viagem’ ou ‘A casa ainda não está pronta’ eram as minhas preferidas.

 

Eu tomei pílula por 20 anos, sem pausa. Eu também insistia que meus parceiros usassem preservativo, então era uma proteção dupla. Mesmo assim, se eu pensasse que havia alguma chance de engravidar, eu tomava a pílula do dia seguinte. Fiz isso em várias ocasiões, para garantir uma proteção tripla contra a gravidez.

 

Foi então que conheci meu marido, e ele queria muito ter uma família. Nós havíamos conversado sobre a possibilidade de adoção, porque eu simplesmente não conseguia lidar com a ideia do parto. Há muitos tipos diferentes de tocofobia, mas para mim o medo estava centrado no parto, e não em não querer ter filhos. Eu queria muito ter filhos. Eu ficaria muito feliz em adotar uma criança.

 

Quando eu vi o teste de gravidez positivo, uma parte de mim ficou aterrorizada.

 

Ele perguntou se nós poderíamos tentar naturalmente primeiro, propondo uma espécie de meio-termo. Nós começamos a tentar, e eu engravidei de uma menina em menos de um ano. Para ser honesta, a tocofobia me dominou quase instantaneamente. Quando vi o teste de gravidez positivo, uma parte de mim estava feliz, mas a outra estava completamente aterrorizada. Tudo foi piorando com o passar do tempo, por causa da minha ansiedade e dos meus medos.

 

Eu chorava em todas as consultas durante o pré-natal. Eu não conseguia entender como poderia fazer aquele bebê sair de dentro de mim. Eu não conseguia imaginar – eu tinha certeza de que nós duas íamos morrer.

 

Quando estava com 16 semanas de gravidez, tive uma consulta pré-natal, um procedimento padrão. Naquele momento eu já pedi uma cesárea. Eu não conseguia aceitar a ideia do parto normal e acreditava que eu não conseguiria passar por isso. Eu disse a eles que morro de medo de hospitais, de pessoas me tocando, de sangue, de agulhas. ‘Tirem esse bebê de mim’. Foi aí que eles disseram que eu poderia ter uma doença chamada tocofobia. Eles me fizeram várias perguntas e me encaminharam para uma consulta com um especialista. Eu nunca havia ouvido falar em tocofobia. Eu ainda estava pensando ‘Não sei se esse realmente é o meu caso’, mas quando conheci a equipe e eles me explicaram o que era a tocofobia, pensei ‘Nossa, eu sou exatamente assim’.

 

Tive que lutar muito para tratar a minha tocofobia. Comecei a fazer sessões de terapia cognitivo-comportamental quando estava com 20 semanas. Também fiz terapia de exposição, então aprendi a caminhar pela ala hospitalar, entrei na sala de parto, entrei na sala de cirurgia onde eles fariam a cesárea. Eu realmente acredito que eu e minha filha não estaríamos aqui, não fosse pelo apoio especializado que recebemos. Eles também permitiram que eu fizesse uma cesárea por causa da tocofobia, porque meu medo era muito extremo. Até hoje acredito que esta foi a melhor decisão que tomei.

 

Sou abençoada e incrivelmente afortunada por ter minha filha, e eu a amo muito. No entanto, o período de gestação foi o pior da minha vida, e não digo isso da boca para fora. Cheguei a um ponto em que não conseguia sair da cama, tomar banho e ir trabalhar. Era tudo muito assustador e aterrorizante, e eu tinha pesadelos constantes em que sangrava ou perdia o bebê. Tudo estava centrado na minha ansiedade em relação ao parto.

 

Um dos maiores problemas da tocofobia é o estigma. Todo mundo espera que você esteja muito feliz quando está grávida, planejando partos incríveis na banheira, com velas e aromaterapia. Você fica com um brilho especial e é um período tão fantástico. Eu não senti nada disso. Eu me sentia um fracasso. Eu não me sentia como uma mulher capaz. Eu não quis um chá de bebê, e isso causou muitos problemas. Muitas pessoas não conseguiam entender o porquê. Eu não queria fazer nenhum dos rituais normais de uma gravidez, e este foi um grande problema, o fato de que as pessoas não conseguiam compreender por que eu não estava nas nuvens.

 

Muitas coisas podem desencadear a minha tocofobia. Tenho 35 anos, tenho uma filha, mas juro que nunca, em toda a minha vida, assisti um episódio de ‘One Born Every Minute’ ou ‘Call the Midwife’. Se eu estiver vendo televisão e um personagem de um filme for ter um bebê, imediatamente desligo a TV ou saio da sala. Outra coisa que desperta meu medo são as histórias de parto de outras pessoas. Parece existir uma cultura em que as mulheres sentem a necessidade de competir para decidir quem tem a história de parto mais aterrorizante. Você nunca ouve alguém dizer: ‘Eu tive um parto muito bom. Foi muito positivo, foi da forma como eu queria que fosse’. São sempre histórias de terror, que me fazem pensar ‘Nossa, isso parece tão bárbaro e primitivo’.

 

Eu não quero ter mais filhos. Para ser honesta, pedi uma histerectomia completa. Não havia nada de errado com meu útero, então o hospital não pôde fazer o procedimento como uma cirurgia eletiva. Eu entendo o posicionamento deles; nós somos privilegiados com o NHS [sistema de saúde pública britânico], mas não é possível ter tudo que você quer. Eu gostaria que meu marido fizesse uma vasectomia. Preciso pensar numa forma mais permanente de contracepção.

 

Meu conselho para mulheres que estejam sentindo sintomas de tocofobia é falar – falar mesmo

 

Meu conselho para mulheres que estejam sentindo sintomas de tocofobia é falar – falar mesmo. Converse com alguém, seja seu médico, um assistente social especializado ou um terapeuta. As piores 17 semanas da minha vida foram as 17 semanas antes de obter ajuda. Quando eu conheci a equipe e eles disseram que trabalhariam comigo, a solidão foi atenuada e eu senti um alívio, porque finalmente alguém me entendia. Eu sentia que havia alguém ao meu lado, em vez de me sentir como uma louca.

 

Agora, depois de ter minha filha, quero oferecer meu apoio a outras mulheres, porque minha maior dificuldade foi a solidão. Nunca conheci outra pessoa com tocofobia. Recentemente tive a chance de falar sobre tocofobia numa campanha de saúde mental com alunos de enfermagem e parteiras. Muitas pessoas não sabem nada sobre o assunto. Eu não sabia nada sobre o assunto. Eu nunca havia falado sobre a minha tocofobia com ninguém, já que sentia muita vergonha, mas recentemente fui muito corajosa e publiquei um post no Facebook falando sobre a minha palestra e recebi 70 mensagens de pessoas dizendo ‘Meu Deus. Essa sou eu. Eu sei o que é isso.’”

 

 

Erin Donnelly

Refinery 29 UK

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