Rui Car
01/10/2018 09h17

Como foi voltar a dividir apartamento com estranhos depois do meu divórcio

"O pior de tudo, entretanto, é a sensação de que, de alguma forma, eu fracassei"

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Se eu tivesse que descrever o momento em que percebi que morar em comunidade não é para mim, poderia contar sobre a noite em que cheguei em casa depois do trabalho e descobri que meu colega havia jogado fora o meu tênis de corrida (novo, caro e nem um pouco gasto) em meio a um surto de organização e limpeza. Ou a vez em que me vi no chão da cozinha, com um pano em uma mão e um Dettol na outra, limpando o cocô de um gato que não é minha responsabilidade e do qual eu nem gosto muito. Ou o dia em que uma colega sugeriu que eu “parasse de usar óculos e começasse a usar maquiagem, caso quisesse encontrar um homem um dia”. Ou a vez em que enfiei meu braço no vaso sanitário para tentar desentupi-lo e encontrei pedaços enormes de bacon…

 

Eu sei, todo mundo já passou por algo assim. Morar com um monte de gente estranha – o tipo de pessoa de quem você manteria distância num ônibus, à noite – é parte da vida aos 20 e poucos anos. Se você teve a sorte de fazer faculdade, pode relembrar a experiência com carinho e tratá-la como um rito de passagem, uma primeira mordida na cereja da vida adulta, um momento em que amizades para a vida inteira foram formadas e no qual você aprendeu que empanados de peixe parcialmente descongelados não são um bom lanche depois da balada.

 

No entanto, essa visão muda muito quando você chega aos 30 anos e experimenta as maravilhas de morar sozinho ou de compartilhar uma casa com alguém que você ama.

 

O divórcio pode ser terrível, por várias razões, e uma delas é a agitação – emocional, física e financeira – de fechar a porta de uma casa que você pode ter passado anos construindo. Eu deixei o meu marido no começo de 2015, e embora nunca tenha me arrependido do fim do nosso relacionamento, de tempos em tempos sinto falta da nossa minúscula casinha. Não é que eu amasse aquela casa: o banheiro tinha cheiro de esgoto e havia uma madeira escura e opressiva por todos os lados; nós encontramos um pombo morto atrás da lareira e a propriedade em que ela ficava despertou o interesse da mídia quando o corpo de uma menina de 12 anos foi encontrado, escondido no local, por um membro da família. Bela localização, não?

 

Não, muito mais do que a casa em si, sinto falta do que ela me proporcionava. A liberdade de andar pelada. Uma geladeira inteira só para mim. Café da manhã na cama como um luxo, e não como uma estratégia para evitar encontrar os outros. Quando nos lembramos dos nossos dias de estudantes, esquecemos do quanto éramos jovens; o quanto adorávamos não ter um adulto por perto para pedir que diminuíssemos o volume ou que lavássemos aquela pilha de pratos sujos, e como não tínhamos nem ideia do que fazer com nós mesmos, corríamos por aí como Kevin McCallister em ‘Esqueceram de Mim’, tomando muito sorvete e bagunçando os quartos uns dos outros.

 

Mas acabamos crescendo e encontrando uma maneira de fazer as coisas ao nosso gosto. Inevitavelmente, nossas casas ficaram um pouco mais calmas e limpas. A nova rotina pode envolver uma refeição caseira, servida em uma mesa que não está cheia de latas vazias de cerveja e frascos de esmalte. Ela também pode envolver uma travessa de frango frito, consumido na banheira depois de um longo e exaustivo dia. Seja o que for, quando descobrimos as coisas que mais nos agradam, é incrivelmente frustrante – e até prejudicial para a nossa saúde psíquica – não poder mais curtir isso.

 

Eu costumava ficar ansiosa para voltar para casa depois do trabalho à noite; atualmente, nem tanto. Uso de desculpas para parar no supermercado no caminho, noto que diminuo a velocidade dos meus passos quando estou me aproximando da porta da frente, com a esperança de conseguir entrar e chegar até o meu quarto sem ser notada. Embora eu tenha dificuldade para amar o meu novo ambiente, é ainda mais difícil amar os meus novos colegas de apartamento.

 

Para uma mulher solteira com 30 e poucos anos, o cenário da casa é parecido com o Tinder – a maioria das pessoas está feliz, morando com seus parceiros e parceiras, e aqueles que não estão, provavelmente não são parecidos com você. Atualmente, eu estou morando com uma representante da direita alternativa canadense, disfarçada de professora do ensino fundamental com cachos saltitantes no cabelo e um sorriso angelical. Talvez, se eu fosse mais nova, apreciasse o desafio à minha visão de mundo, mas eu já sei o que se adapta a mim e isso não envolve explicações repetitivas sobre por que a English Defence League é racista e Tommy Robinson não é “incompreendido”.

 

O pior de tudo, entretanto, é a sensação de que, de alguma forma, eu fracassei; de que estou andando para trás, e não para a frente. Nesse país, é fundamental ter a “casa própria”, de forma que ela se tornou um sinônimo de sucesso. Quando eu digo às pessoas que já tive uma casa, elas me olham com uma mistura de pena e incredulidade – e quem pode culpá-las? Um terço da nossa geração nunca terá esta oportunidade. Parece irresponsável tê-la jogado fora.

 

Aceitei o fato de que provavelmente nunca serei dona de uma casa novamente. Tudo que eu quero atualmente é a solitude, e um lugar para colocar a fruteira que comprei por impulso e que está acumulando pó na garagem do meu padrasto, juntamente com todas as minhas outras posses. Meu sonho é encontrar um studio pequeno, que não coma metade do meu salário mensal. Alguém tem alguma indicação?

 

Katy Thompsett

Refinery 29 UK

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