Rui Car
09/11/2017 10h45 - Atualizado em 09/11/2017 08h15

Como a psicoterapia pode ajudar nas suas dores mais íntimas?

Por Juliana Damasceno

Assistência Familiar Alto Vale
Yahoo!

Yahoo!

Delta Ativa

Quantas vezes você já ouviu, ao longo da vida, a seguinte frase: “Já pensou em fazer terapia?”. E por algum momento imaginou que a pessoa que recomendou o serviço estaria, mesmo que discretamente, te chamando de louco ou desequilibrado?

 

Sim, acontece muito mais do que se imagina, mesmo entre pessoas bastante esclarecidas. O que nem todo mundo sabe é que a ajuda psicoterapêutica não é nenhum bicho de sete cabeças e, na maioria dos casos, pode ser de suma importância – não só em casos mais crônicos, como também na procura de respostas e vazios que incomodam, mas nem sempre são totalmente manifestados pelo corpo e pela mente.

 

Antigamente, existia aquele medo, um certo preconceito com as práticas terapêuticas de consultório. Apenas casos agudos e casais em crise procuravam auxílio e meio que em segredo. Não era um assunto comum nas rodas de conversa, nem parecia ser algo positivo.

 

Com o passar do tempo, a técnica e o método foi sendo reconhecido não só pelo senso comum, mas também pela medicina tradicional: hoje, psicólogos e psiquiatras reconhecem que o trabalho conjunto traz melhores resultados em menos tempo para os pacientes.

 

Mas mesmo com as mudanças da sociedade e da mentalidade coletiva em relação à análise, a dúvida agora é “por onde começar ou quando devo procurar?”. De fato, faz sentido: nem tudo é a psicanálise de Freud e nem todos se adequam, logo num primeiro encontro. É difícil até mesmo para os profissionais escolherem o seu caminho, quando formados na graduação.

 

“Para mim, não foi uma escolha propriamente dita. Na faculdade, a fenomenologia era matéria obrigatória e tive contato com as ideias de Fritz e depois de toda a Daseinsanalyse. Quanto mais eu lia a respeito, mais parecia que eu estava lendo algo que eu já sabia. As ideias eram lógicas e eu concordava com os textos. Eu não escolhi a Feno porque nunca tive dúvida. A não certeza sempre foi algo que eu tinha para mim e o que os estudos me fizeram entender é como fazer isso ajudando outras pessoas, dentro do contexto clínico. Uma prática das ideias que sempre acreditei, e agora ganhavam um nome e seus “pais”, conta Pedro del Picchia, psicólogo mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP.

 

Para ele, a fenomenologia, sua abordagem de trabalho, não quer obrigar goela a baixo uma verdade para o paciente. E isso a diferencia dos demais tratamentos. “Eu não tento dizer algo que eles não sabem, e sim ajudá-los com os pensamentos e, principalmente, os sentimentos que eles já sentem. A sessão são grandes conversas para entender e levar luz para aquilo que, de alguma forma, já está querendo aparecer”, explica.

 

Já para Aline Magalhães, psicóloga que atua com ênfase em Psicanálise, o encontro com a teoria “certa” foi apaixonante. “Meu primeiro contato aconteceu durante a faculdade de psicologia, onde tive a oportunidade de atender pacientes na clinica-escola. Naquele momento, tive muita afinidade com o atendimento que tem como base estudos relacionados à psicanálise”, conta.

 

“Minha escolha foi por tentar trazer ao paciente formas de lidar com os sofrimentos/dificuldades por meio da fala, possibilitando o contato com os conteúdos inconscientes (base do estudo psicanalítico), e buscar caminhos para que haja um bem-estar do paciente, ou até mesmo diferentes formas de lidar, em relação ao seu sofrimento. Além da minha análise pessoal, que me trouxe, e ainda traz, diferentes formas de manejos com as minhas próprias questões. Quanto mais me envolvo com a psicanálise, mais me encanto”, ela explica.

 

O momento certo é o seu momento
Não há exatamente um marcador definitivo de quando a pessoa deve procurar uma terapia. Quem afirma é Guilherme Scandiucci, psicólogo pela Universidade de São Paulo (2002), mestrado e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (2005/2014) e MA em Jungian and Post-Jungian Studies pela University of Essex (2007), Reino Unido.

 

O especialista diz que tudo vai depender de um incômodo, de uma sensação, de um sintoma ou qualquer coisa dessa ordem. “Qualquer coisa que perturbe, algo que está incomodando. Isso é óbvio que é o norte inicial para uma terapia, embora você possa ter pessoas que vão em busca de terapia para autoconhecimento. Existe essa modalidade, inclusive. E aparecer com essa ideia de autoconhecimento acho genérico, vago. Uma terapia deve começar pelo lugar onde dói alguma coisa, isso é fundamental”, ele explica.

 

Já para Del Picchia, a grande demanda para sua abordagem, a fenomenologia, é o autoconhecimento, disfarçado de diversas roupagens. “Ultimamente tenho recebido muitos pacientes perdidos com emprego e desiludidos com as escolhas profissionais. O mercado afeta, obviamente, a vida das pessoas deixando-as mais perdidas. A incerteza do ‘mundo lá fora’ provoca as incertezas ‘daqui de dentro”’.

 

Aline relata que a busca nunca é um momento fácil, seja qual for a queixa aparente do novo paciente. “A procura por uma psicóloga, ou psicanalista, não costuma ser um tema fácil para ninguém. Nem mesmo para quem já é da área. Pois temos que ter confiança no profissional a quem vamos falar sobre questões que tanto nos incomodam. Não há regra para isto, apenas é necessário que a pessoa se sinta confortável e tenha confiança no profissional que irá ajudá-lo”.

 

Há algumas maneiras de se chegar à terapia e, é possível, que a dor inicial acabe ficando para trás, quando o tratamento se aprofunda. Para Scandiucci, o tempo pode fazer com que a pessoa se abra para outras frentes na sua vida que não estão funcionando do melhor modo. “A dor, a angústia ou mesmo o sintoma físico que a pessoa acha que pode ter fundo no estresse ou psicológico, acaba como gancho para o início da terapia. Às vezes, pode ser por recomendação médica, e isso tem acontecido com muita frequência. Clínicos têm indicado a terapia quando suspeitam que há algo mais do que fisiológico nos sintomas que a pessoa está apresentando”, ele diz.

 

A psicanalista Aline, inclusive, dá as dicas para este primeiro e esperado encontro. “No primeiro atendimento, via de regra, é o momento em que o paciente poderá conhecer o profissional, tirar suas dúvidas, receber orientações sobre a forma como o profissional trabalha e optar por dar inicio ou não ao tratamento. Sempre que me perguntam sobre este tema, oriento para que a pessoa busque por indicações, ao menos já existirá um laço de confiança”.

 

Del Picchia diz que as pessoas não conhecem a fenomenologia, então dificilmente buscam pela linha. “Ela é relativamente recente no Brasil e poucas faculdades já a têm uma grade como uma linha completa e independente. Mas a aceitação é muito boa, ainda mais para aqueles que nunca fizeram terapia, uma vez que por ter um setting [modo como ocorre o tratamento] diferente, permite uma sessão mais interativa. Bate papo, piadas, risadas são comuns, porque é importante dentro da clinica que o paciente deixe sair os sentimentos que estão presos, e dar nome e familiaridade a cada um deles é fundamental no trabalho do autoconhecimento”.

 

Um caminho para cada um
São vários tipos de terapias, das alternativas às científicas, num campo muito amplo. “Às vezes parece que os psicoterapeutas em geral não entendem, com tantas teorias, que implicam em modos diferentes de conceber a terapia e até mesmo o ser humano”, conta o analista Scandiucci.

 

“Se uma pessoa, de qualquer idade, busca atingir uma coisa muito específica e conseguir resultados de performance, como compulsões, e é muito crente em resultados pragmáticos, ela provavelmente será melhor atendida por um profissional comportamental. Mas se quer se abrir para as questões da vida geral, se acredita que por trás daquilo, ela tem outras coisas das quais ela não teria consciência – onde haveria uma espécie de símbolo nessa perturbação – e está mais disposta a investigar inclusive aspectos inconscientes, ela se beneficiaria com uma terapia que abranja o que chamamos de mundo inconsciente, seja freudiana, lacaniana, freudiana. Temos outras, como Gestalt, fenomenologia. Mas há uma separação clara: quem está disposta a um processo de análise, não pode estar afoita por resultados pragmáticos e precisa tentar entrar neste modelo de experiência, que se distancia bastante de um modelo médico”.

 

Ainda segundo ele, a cura, como transformação e não como retirada do sintoma, depende do paciente e daquele encontro que vai produzir uma coisa única. Não há nenhuma pretensão de se fazer algo objetivo. São formas diferentes de caminhar e isso é parte do modo, da práxis desse tipo de análise.
Sobre qual linha buscar para tratamento, eles dão as dicas fundamentais. As pessoas precisam procurar uma terapia nas quais sintam-se confortáveis, segundo o fenomenólogo. “Ela precisa confiar e sentir que o terapeuta está lá para entendê-la. O início da terapia é um momento de conforto, tudo parte de um lugar conhecido, afinal a terapia é sempre um convite do paciente para dentro da sua vida. E então conhecer, dos eventos e “coisas” para saber os sentimentos e sensações. Procurar a terapia é acreditar que a vida pode ser melhor, mais repleta, mais cheia e mais própria. Você deve procurar quando se sente longe de si, um pouco perdido, um pouco sem saber o que está sentindo, pensando. E nós, terapeutas, vamos poder jogar uma luz nessa escuridão, mas para que você encontre o teu caminho”, ele aconselha.

 

Já Scandiucci diz que não gosta do termo “fazer a vida funcionar melhor”, por parecer um tanto utilitarista. “Às vezes, ela precisa ‘piorar’, no sentido de dar menos de si aos outros, por exemplo. E isso pode ser um avanço para a vida dela”. Mas, o principal, muito mais do que escolher um caminho teórico, é ter uma conexão real com o terapeuta. De maneira geral, salvo algumas exceções, importa menos a abordagem, mais que aquele terapeuta se conecte com o paciente e vice-versa. A preocupação deve ser com aquilo que parece que fez sentido, quando na primeira entrevista, o terapeuta cutucou em bons pontos, que despertou algum tipo de empatia, fez a pessoa pensar. Ela sente que tem jogo e isso é mais importante que qualquer coisa”, conclui.

Justen Celulares