Rui Car
24/04/2017 16h10 - Atualizado em 24/04/2017 13h50

Estas mães de jovens suicidas não acham que a maconha seja inofensiva

“Eu sei que sou uma das mães que teve sorte”

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Sally Schindel não conseguia se lembrar da última vez em que havia passado tanto tempo na chuva — chuva forte — nada comum no meio do deserto do Arizona, nos Estados Unidos.

 

A polícia havia proibido Schindel de entrar na casa onde seu filho, Andy, morava, então ela esperou por horas na calçada, ao lado de policiais e do psiquiatra enviado pelo tribunal, pedindo a eles que a deixassem entrar e ver se seu filho, de 31 anos, estava bem.

 

Mais cedo naquele mesmo dia, em março de 2014, Andy enviou mensagens de texto muito perturbadoras a um amigo, avisando que era um perigo para si mesmo e para os outros. Ele vinha lutando contra a depressão e crises psicóticas há anos, mas quando o amigo avisou Schindel a respeito das mensagens, a polícia as classificou como ameaçadoras e impediu a mãe de entrar na casa.

 

Os cinco anos anteriores a aquele dia na calçada, haviam sido uma espiral terrível, digna de pesadelos, “algo pelo qual nenhum pai deveria passar,” disse ela. Schindel descreveu como Andy começou a fumar maconha regularmente e rapidamente começou a conviver com a depressão, psicose, “incontáveis” ameaças de suicídio, cinco hospitalizações psiquiátricas, e duas ordens judiciais exigindo que ele passasse por tratamentos de saúde mental.

 

“De certa forma foi um choque, mas de certa forma, não foi,” disse a mãe sobre seu ex-marido ter encontrado seu filho morto no quintal, após ele ter se suicidado naquela noite. Quando o ex-marido lhe deu a notícia, ela notou a lama acumulada em sua calça jeans, uma lembrança do esforço inútil para ressuscitar Andy no solo encharcado.

 

Sally Schindel mostra a carta que seu filho deixou antes de se suicidar. Foto: Patrick Breen for Yahoo News
 

Enquanto lobistas e governos de alguns estados trabalham para legalizar a maconha para uso medicinal e recreativo nos Estados Unidos, Schindel se tornou uma crítica voraz da potencial legislação, convencida de que a maconha de alta potência levou seu filho a um caminho caótico de graves problemas de saúde mental, que culminou com o suicídio.

 

Atualmente o número de usuários de maconha nos Estados Unidos é maior do que jamais foi. Uma pesquisa exclusiva, realizada pelo Yahoo News/Marist, mostrou que a maioria dos norte-americanos acredita que o uso da maconha é socialmente aceitável. No entanto, os cidadãos estão divididos no que diz respeito a legalizar a maconha para uso recreativo. Entre os entrevistados, 49% afirmam que apoiam o uso para propósitos recreativos, enquanto 47% são contra. 30% afirmam que sua maior preocupação em relação a usar maconha é o fato da mesma ser ilegal. 18% se preocupam com o fato de que ela pode afetar a capacidade de julgamento e decisão das pessoas, 14% têm medo de que ela leve ao uso de outras drogas, e 13% afirmam que, a longo prazo, a maconha tem efeitos negativos para a saúde.

 

Em meio ao sofrimento e ao luto, Schindel conheceu Lori Robinson, outra mãe que acredita que o vício em maconha foi responsável pelo suicídio de seu filho. Robinson contou que seu filho Shane era alegre e bem-sucedido antes de começar a fumar maconha regularmente, no início de seus 20 anos. Ele rapidamente desenvolveu diversos problemas psiquiátricos, incluindo múltiplas crises psicóticas e alucinações, embora não tivesse histórico de doenças mentais. Segundo Robinson, ele chegou a ser internado e “trancafiado em um hospital psiquiátrico” no auge da sua psicose.

 

“Todos nós sentíamos que estávamos revivendo cenas de ‘Um Estranho no Ninho,’” disse Robinson. Em 13 de janeiro de 2009, Shane, então com 25 anos, cometeu suicídio na cabana de seus pais próxima ao Parque Nacional de Yosemite.

 

Embora Robinson ressalte que nem todos os jovens irão desenvolver problemas graves de saúde mental em decorrência da maconha, ela “garante” que há jovens “em todo o mundo” que estão lutando contra o vício. Na pesquisa do Yahoo News/Marist, 54% dos pais concordam que a maconha leva ao vício – 31% acreditam que ela é viciante, enquanto 23% creem que, além de ser viciante, ela também leva ao uso de outras drogas.

 

Juntas, Schindel e Robinson criaram o Moms Strong, um grupo de apoio, que tem como objetivo “resolver a charada da maconha”. Elas costumam dar palestras em escolas, centros de detenção de jovens, e grupos da comunidade, para prosseguir com a missão do grupo de “informar e educar as pessoas sobre aqueles que se prejudicaram por causa da maconha”. O grupo de mães se une a diversas outras forças contra a maconha, incluindo as organizações Citizens Against Legalization of Marijuana (CALM), Save Our Society From Drugs (S.O.S.), e Parents Opposed to Pot.

 

Embora o uso recreativo da maconha continue sendo ilegal a nível federal nos Estados Unidos, oito estados – Alasca, Califórnia, Colorado, Maine, Massachusets, Nevada, Oregon e Washington, juntamente com D.C. – votaram para legalizar o seu uso recreativo, além do medicinal. Os defensores argumentam que a legalização aumentaria as receitas decorrentes de impostos, criaria empregos e fortaleceria o turismo.

 

A maconha ou os produtos derivados dela, são usados há décadas como parte do tratamento de diversas doenças, incluindo AIDS, epilepsia, dor neuropática, esclerose múltipla e câncer. Além destes benefícios no tratamento de sintomas de doenças, pesquisas também mostram que a cannabis pode reduzir a progressão do mal de Alzheimer, e alguns estudos indicaram que ela está associada a uma redução nos níveis de ansiedade e depressão.

 

Ainda assim, outras pesquisas mostram um lado mais obscuro da maconha e seus potenciais efeitos. Diversos estudos mostraram uma correlação entre o uso de maconha e a esquizofrenia e a psicose, mas a maioria dos cientistas concorda que não é capaz de dizer se uma pessoa com esquizofrenia tem uma probabilidade maior de se automedicar com maconha, ou se alguém que a fume regularmente tem um risco maior de desenvolver esquizofrenia.

 

Outros estudos analisaram o uso de maconha e o aumento do risco de suicídio. Entre as muitas pesquisas que encontraram uma conexão para isso, um estudo de 2014, publicado na revista científica Lancet Psychiatry, descobriu que adolescentes que fumavam maconha diariamente tinham um risco sete vezes maior de cometer suicídio, e apresentaram uma probabilidade oito vezes maior de usar outras drogas ilegais entre os 20 e os 30 anos. O mesmo estudo descobriu que adolescentes que fumavam diariamente tinham uma chance 60% menor de se formar no ensino médio.

 

Pesquisas mostram que cerca de 9% dos usuários de maconha se tornarão dependentes da droga. Este número chega aos 17% no caso daqueles que começam a fumar na adolescência, de acordo com o National Institute on Drug Abuse.

 

Os especialistas afirmam que o vício em maconha é raro, mas real. “Eu tenho pacientes que perderam seus empregos, ou não conseguiram encontrar um trabalho significativo, como resultado do uso,” diz Josh Smith, médico especialista em dor crônica da Carolina do Norte. “Eu já dispensei pacientes da minha clínica por continuarem a usar maconha, apesar dos meus conselhos. Isso condiz com a descrição geral de um vício – os pacientes continuam a usar a substância, apesar das consequências que ela pode trazer”.

 

Aubree Adams, de Pueblo, Colorado, disse que seu filho começou a fumar maconha aos 13 anos, antes de se viciar e passar a usar drogas mais pesadas, incluindo cocaína e, finalmente, heroína, aos 15 anos.

 

Aubrey Adams segura uma fotografia de seus dois filhos. Foto: Greg Smith for Yahoo News
 

“Ele era paranoico, delirante, irracional e violento,” ela comentou, acrescentando que ele tentou cometer suicídio e foi hospitalizado numa clínica psiquiátrica por um tempo, antes de voltar para casa, onde o ciclo se repetiu.

 

Adams diz que conversou com os médicos sobre as suas preocupações a respeito do uso de maconha do filho, mas eles não pareceram se importar. “É apenas maconha,” eles diziam. Finalmente, após alguns anos “infernais”, Adams encontrou uma clínica de reabilitação fora do estado, onde seu filho está “se recuperando de forma notável”.

 

“Eu sei que sou uma das mães que teve sorte”.

 

Ela acrescentou que a maconha de hoje é muito diferente da que era usada antigamente. “Hoje em dia, nós temos uma erva de alta potência em todos os lugares. Esta droga roubou de mim os anos da adolescência do meu filho”.

 

A potência da maconha realmente aumentou vertiginosamente nas últimas décadas. É o que afirma Randi Schuster, que se dedica a pesquisar a maconha na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. “A erva que as pessoas fumavam nos anos 60 e 70 não é o mesmo produto que os jovens estão usando hoje”.

 

Como a maconha ainda é ilegal a nível federal, os estados – e não o FDA – regulam a venda da droga. De acordo com Rob Goulding, da divisão relacionada à maconha do Departamento de Receitas do Colorado, não há uma potência máxima definida para a maconha comercializada no estado, embora o departamento requeira que informações sobre a potência estejam presentes na embalagem do produto.

 

Como o cérebro do adolescente está em desenvolvimento e as regiões cerebrais que estão passando pelas maiores mudanças são repletas de receptores de THC, “é imperativo que nós não subestimemos o impacto da droga atual no funcionamento cognitivo, acadêmico e psicológico,” continuou Schuster.

 

Ainda assim, os defensores da maconha argumentam que a potência não é diferente da força de vários tipos de álcool. Muitos expressam sua frustração com aqueles que lutam contra a legalização da cannabis.

 

“Assim como há uma diferença na potência do uísque e da cerveja, e uma diferença no comportamento do consumidor de cada uma das bebidas, há diferenças entre os produtos de maconha,” disse Aaron Smith, diretor executivo da Associação Nacional da Indústria de Cannabis. “Isso não faz com que um deles seja naturalmente mais perigoso do que o outro”.

 

Embora Schuster seja a favor da descriminalização da maconha, ela afirma que não existem dados científicos suficientes que a convençam de que a legalização para uso recreativo faça sentido agora.

 

Josh Smith concordou: “Minha principal preocupação é com o desconhecido”.

 

A comercialização, provavelmente virá acompanhada de uma publicidade direcionada à venda não apenas de maconha, mas também de produtos de alta potência como óleos, balas, e outros itens para crianças, explicou Schuster.

 

“Isso é alarmante porque uma grande quantidade de evidências científicas sugerem que os jovens podem ser particularmente suscetíveis às consequências adversas decorrentes do uso regular de maconha,” disse Schuster.

 

“Ao definir políticas antes de conduzir os estudos científicos apropriados, eu me preocupo que estejamos colocando a carroça na frente dos bois, e podemos estar no caminho para repetir os mesmos erros cometidos com as Big Tobacco décadas atrás,” ela continuou.

 

Segundo os especialistas, é importante ressaltar que a maconha é uma planta muito complexa, com diversos compostos. Embora alguns destes compostos, como o canabidiol, possam ter benefícios terapêuticos no tratamento de certas condições, ainda não há evidências convincentes, e como ocorre com qualquer novo tratamento farmacêutico, os anunciantes da cannabis devem ser cautelosos ao fazer alegações antes de minuciosas pesquisas científicas terem sido conduzidas.

 

Schindel diz que a coisa mais difícil de lidar em sua missão contra a maconha, é o quanto ela é ridicularizada por pessoas pró-erva. “Nós somos chamadas de ‘proibicionistas loucas’”. Ela “não consegue contar quantas vezes” as pessoas já disseram que Andy deve “ter usado um lote ruim” na noite do seu suicídio.

 

Apesar disso, Schindel, Robinson, Adams e outras mães, pretendem seguir em frente em sua jornada, obtendo inspiração dos outros: “Nós temos mães que contam que o Moms Strong foi importante para a recuperação de seus filhos viciados em maconha,” disse Schindel.

 

“Se nós conseguirmos ajudar a salvar a vida do filho de outra mãe”, disse ela, “já teremos feito tudo o que agora podemos fazer pelos nossos próprios filhos”.

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