Rui Car
05/05/2017 11h37 - Atualizado em 05/05/2017 09h32

Jornalista britânico conta como uma tragédia uniu ainda mais a sua família

"O acidente ocorreu a menos de 200 metros da nossa casa"

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Conforme você fica mais velho, percebe que a forma como responde aos eventos inesperados da vida, definem o indivíduo que você se torna, para o bem ou para o mal.

 

Há dez anos, minha esposa e minha filha se envolveram numa tragédia que poderia ter derrubado algumas pessoas e acabado com relacionamentos. Hoje, eu acredito que ela uniu a minha família.

 

Minha esposa, Sarah, estava empurrando Pollyanna, que na época tinha dois anos, no seu carrinho, numa rua de Mortlake, sudoeste de Londres, com sua mãe, Elizabeth. De repente, um motorista de ônibus subiu na calçada onde elas estavam e atingiu as três.

 

Tragicamente, Elizabeth faleceu, Pollyanna teve sua perna amputada logo abaixo do joelho, e Sarah sofreu danos severos na perna e no quadril esquerdo.

 

O acidente ocorreu a menos de 200 metros da nossa casa. Eu estava no trabalho, no Telegraph, quando um dos nossos vizinhos, que ouviu o barulho da batida da sua cozinha, me ligou para contar o que havia acontecido.

 

Sarah Hope e seus filhos um ano após o acidente. Crédito: Martin Pope
 

As três estavam a caminho do hospital Chelsea and Westminster para visitar a irmã gêmea de Sarah, Victoria, que havia dado à luz dois dias antes.

 

Enquanto ela esperava pela chegada da família, ficando cada vez mais ansiosa por causa do atraso, as enfermeiras retiraram a televisão do quarto para que ela não pudesse assistir à notícia, deitada em sua cama no hospital. Naquele momento, Pollyanna estava alguns andares abaixo dela, sendo operada.

 

Embora a sua perna direita parecesse ter apenas sofrido um corte profundo, a lesão foi, na verdade, muito mais séria; o membro estava sendo sustentado apenas por uma faixa de pele. Acima da linha do corte, a pele de Pollyanna estava cor-de-rosa. Abaixo dela, a canela, panturrilha, tornozelo e pé já apresentavam uma cor cinza.

 

“Vocês não podem simplesmente reconectar a perna?” perguntei às enfermeiras ainda com esperança. Mesmo depois de oito horas de cirurgia, não foi possível salvá-la.

 

Ir pegar nossos outros filhos na escola e ter que dar a eles a notícia daquele dia terrível, irá me assombrar para sempre.

 

“Houve um acidente,” eu disse a Barnaby, que tinha seis anos, e Sapphire, de quatro anos. “Mamãe e Pollyanna estão no hospital”.

 

Eu fiz uma pausa, e depois tentei parecer otimista: “Talvez Pollyanna tenha que usar uma perna de plástico – o que vai ser divertido…”

 

Como família, como você começa a superar algo assim? Sendo jornalista, eu decidi escrever. Minhas palavras pareciam cruas, mas eu não reprimi nada.

 

Quando minhas anotações apareceram como um artigo de 5 mil palavras no Telegraph, a reação dos leitores foi simplesmente extraordinária.

 

Os leitores do Telegraph arrecadaram milhares de libras para patrocinar a meia maratona de Sarah Hope. Crédito: Julian Simmonds
 
 

Eu mencionei como Sarah – cuja perna havia sofrido uma lesão por ‘desenluvamento’, na qual a pele e os músculos são cortados para fora, deixando um corte enorme – havia se recuperado suficientemente bem para começar a correr, como uma forma de aumentar sua força. Apesar da imensa dor que isso lhe causou, ela se inscreveu para uma meia maratona e convidou os leitores a patrocinar o evento para arrecadar recursos para crianças amputadas em todo o mundo.

 

Dois dias depois, cheques que somavam centenas de libras começaram a chegar pelo correio. Com mais um dia, já tínhamos milhares de libras. Isso continuou por semanas. Não conseguíamos acreditar.

 

Tanto dinheiro foi arrecadado com o artigo que decidimos, juntamente com a irmã gêmea de Sarah, Victoria, e alguns amigos incríveis, criar uma instituição de caridade em memória de Elizabeth, uma pessoa calma, amável e corajosa, que sempre dedicava o seu tempo e a sua energia aos outros. Parecia fazer sentido que ela continuasse a ajudar as pessoas após a sua morte. Fundada em 2011, a instituição Elizabeth’s Legacy of Hope oferece apoio a crianças amputadas em países em desenvolvimento.

 

O projeto se tornou um novo foco para nós, nossa família e amigos. Até agora ele já arrecadou quase 500 mil libras esterlinas (aproximadamente 2 milhões de reais), apoiando mais de 240 crianças amputadas em Serra Leoa, Libéria e, recentemente, Índia.

 

As lesões sofridas por Sarah e Pollyanna são lembretes diários do que aconteceu há uma década. Pollyanna, que hoje tem 12 anos, passou por muitas cirurgias em sua perna amputada, para aparar o osso que empurra a pele enquanto ela cresce.

 

Pollyanna cresceu usando uma prótese. Crédito: Clara Molden
 

Durante anos após o acidente, ela gostava de fazer aulas de balé com suas amigas, mas parou quando avaliadores reduziram sua nota por causa da prótese. Foi aí que ela começou a fazer equitação, e saiu vencedora na sua categoria no campeonato nacional anual Riding for the Disabled, enquanto lidava com suas consultas frequentes no hospital.

 

O espírito dela é incrível. No ano passado, ela precisou fazer mais cirurgias e não pôde usar sua perna protética por quase cinco meses. No entanto, ela não deixou que isso a abalasse. Ela aperfeiçoou a habilidade de dançar com uma única perna, e voltou a dançar e fazer balé.

 

Quanto a Sarah, sua perna dói até hoje; ela coça e parece estar comprimida. Seu pé também parece estar inchado, mas ela diz que as cicatrizes emocionais são piores. Seus ataques de pânico ocasionais podem ser assustadores, debilitantes e exaustivos.

 

Embora as lesões físicas de Sarah tenham se curado, suas cicatrizes internas continuam a causar dor. Crédito: Geoff Pugh
 
 

Apesar de tudo isso, ela se tornou uma ativista incansável. Ela fez uma campanha de sucesso para que os motoristas de ônibus de Londres aprendessem a respeito da carnificina que pode ocorrer devido aos seus erros ao volante, e participou de um vídeo que agora é mostrado aos trainees. (No nosso caso, o motorista foi preso pela direção perigosa que causou a morte de uma pessoa e lesões corporais graves em outras duas).

 

Por todos os seus esforços, Sarah recebeu um prêmio Points of Light do antigo primeiro-ministro, David Cameron.

 

Sarah fez uma campanha de sucesso para melhorar o treinamento dos motoristas de ônibus, e lançou sua própria linha telefônica de apoio para as vítimas.
 
 

No ano passado, ela iniciou a Sarah Hope Line, uma linha telefônica gerenciada pelo Transport for London oferecendo uma “voz amável” para pessoas envolvidas ou afetadas por incidentes graves que presenciaram ou sofreram no sistema de transporte de Londres.

 

Outra de suas campanhas arrecadou 1,5 milhão de libras para o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, com o objetivo de comprar próteses de corrida e natação que permitam que 500 crianças amputadas participem de práticas esportivas, além de investir no desenvolvimento de tecnologia protética.

 

Pollyanna nunca deixou que sua lesão a abalasse. Crédito: Julian Simmonds
 

Foi através do compartilhamento da nossa experiência com as pessoas inspiradores que conhecemos ao longo dos últimos 10 anos – de crianças amputadas a veteranos feridos, além de alguns profissionais de saúde habilidosos e carinhosos que hoje estão entre os nossos amigos mais próximos – que conseguimos lidar com esta situação.

 

Para nós, os desafios continuarão, ao longo dos próximos 10 anos. Eles podem se tornar menores quando Pollyanna parar de crescer, mas nunca saberemos por que nossas vidas sofreram uma mudança tão drástica naquele dia ensolarado, na primavera de 2007. Apesar disso, Sarah e Pollyanna se recusam a deixar que isso as afete.

 

Christopher Hope
The Telegraph

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