Rui Car
02/03/2018 14h11

Minhas filhas não me chamam mais de ‘pai’. Devo me preocupar?

O fato de que suas filhas começaram a chamá-lo pelo nome é um problema?

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Há três semanas, ouvi uma voz dizer: “Rhymer, você pode me passar o sal?” Eu fiquei surpreso. Aquela não era a entonação estridente e cada vez mais autoconfiante da minha filha de 10 anos, e sim a voz doce e levemente infantil da sua irmã mais nova. Polly, de dez anos, já me chama de “Rhymer” há mais de um ano, mas para Claudia, minha filha de sete anos, esta é uma novidade.

 

Eu admito que a situação é um pouco desconcertante. Três semanas mais tarde, agora as duas me chamam de “Rhymer” regularmente. O mais estranho é quando elas se referem a mim na terceira pessoa. “Mãe,” elas dizem, “o Rhymer vai vir nadar com a gente?” Meu primeiro pensamento é: “Minha vida se transformou em um episódio de ‘Os Simpsons’ e eu sou o Homer”. É verdade que às vezes elas também chamam a mãe de Jane, mas não parecem sentir a mesma satisfação ao fazer isso em comparação com quando me chamam pelo meu primeiro nome.

 

Eu sei que as crianças crescem. No caso de Polly, eu já estava aguardando o fim do “papai” há algum tempo, mas eu também esperava que fosse uma transição suave e gradual, de “papai” para “pai”. Eu ainda chamo meu próprio pai de “pai”. Mas não, a escolha foi Rhymer.

 

Alguns amigos me disseram que esta é apenas uma fase e que elas vão mudar de ideia, mas eu não acho que este seja o caso. Já faz um ano e eu tenho certeza de que “Rhymer” está totalmente instalado no cérebro da minha filha de dez anos. Como a minha filha de sete anos baseia boa parte de seus comportamentos na de dez anos, eu provavelmente também a perdi.

 

Rhymer Rigby com suas filhas, Polly e Claudia. Crédito: Rii Schroer
 
 

Esta não é uma questão tão importante no sentido de que não me incomoda tanto. Na verdade, chega a ser engraçado. Mas será que eu deveria me importar? Este comportamento é uma falta de respeito? Eu deveria assumir uma postura mais vitoriana e exigir que, por causa da deferência filial, elas me chamem de pai ou papai? Ou quem sabe eu deva mergulhar mais fundo e me preocupar com o fato de que não estou preocupado?

 

Comecei analisando o meu próprio passado. Eu nunca havia chamado meu pai pelo seu primeiro nome, mas nós temos o mesmo nome, então isso seria muito confuso. Na verdade, depois do meu nascimento, as pessoas passaram a se referir a meu pai usando seu apelido, Rig. Meus irmãos também nunca chamaram meu pai de “Rhymer”. Na maioria das vezes, meus pais ainda são papai e mamãe para nós. Eu não acho que o respeito ou a falta dele tem relação com o tema; minha família é muito tranquila e descontraída, mas as coisas simplesmente são assim.

 

Durante a minha infância e adolescência, alguns poucos amigos passaram a chamar seus pais pelo primeiro nome. No entanto, não acredito que este fato me ofereça informações verdadeiramente relevantes. Era só uma “moda” e não algo de muita importância, e não era indicativo de que os pais em questão fossem hippies dos anos 70 ou individualistas dos anos 80.

 

Foi então que eu decidi fazer uma pesquisa no Twitter. Eu perguntei se os filhos das pessoas as chamavam de pai ou mãe ou usavam seus nomes. Incríveis 100% (de cerca de 50 votos) afirmaram que a dupla “pai” e “mãe” ainda reina em suas casas. Buscando mais preocupações online, eu mergulhei no pântano da paternidade do site Mumsnet, que parecida promissor. O Mumsnet é a ferramenta perfeita para encontrar a opinião mais preocupante ou carregada de julgamento a respeito de um assunto. No entanto, honestamente, os usuários também não pareciam estar incomodados com a situação.

 

No Reino Unido há muitos aspectos atrelados à ideia de que, como pai, você deve exigir respeito.

 

Mais tarde, eu conversei com alguns especialistas em paternidade. Uma delas, Sue Atkins, que gerencia um clube de pais e mães online, disse que ser chamado pelo primeiro nome pelo seu filho ou filha mais velho não é um problema em si. “Você precisa estar confortável com isso, e se não estiver, deve dizer isso à criança”. Ela acrescentou que a prática só é um problema se for feita de forma grosseira ou proposital somente para incomodar. “Deve haver respeito e dignidade, e você precisa ser um pai, não um amigo”. Nesse sentido eu acho que estou bem; Polly sabe que há limites e é relativamente bem-comportada.

 
Sarah Ockwell-Smith, autora de ‘The Gentle Discipline Book’, diz que esta escolha pode até ser positiva. “Normalmente este é um sinal de que você tem um bom relacionamento com a criança”. Em relação à possibilidade de que a prática seja interpretada como uma falta de respeito, ela sugere que não vale a pena ficar preocupado: “No Reino Unido há muitos aspectos atrelados à ideia de que, como pai, você deve exigir respeito. A disciplina neste país é muito antiquada”.
 
 
Isso fez com que eu me perguntasse se o hábito de chamar os pais pelo primeiro nome é comum em outras culturas, mas não encontrei casos afirmativos. A jornalista política francesa Marie Le Conte, que mora no Reino Unido, me disse que a sua teoria é de que na França esta questão tem um ângulo relacionado às classes sociais. Apenas os mais ricos e as pessoas da classe trabalhadora chamam seus pais pelo primeiro nome rotineiramente. O meio-termo só conhece maman et papa.
 

Na minha infância, passei quatro anos morando fora do país. Quando nos mudamos para os Estados Unidos descobri que (na Pensilvânia dos anos 80) você deveria chamar os pais de todos os seus amigos de “Sr. e Sra. Smith” em vez de “David e Sue”. Aquilo parecia estranhamente formal e incômodo. No entanto, quando eles descobriram o costume britânico, alguns dos pais dos meus amigos americanos decidiram que seria divertido se tratássemos uns aos outros pelo primeiro nome. Embora isso parecesse mais natural para mim, também me tornava diferente dos meus amigos, a última coisa que um menino de dez anos quer. Tudo parecia uma espécie de comédia de etiqueta transatlântica, e eventualmente eu passei a chamar todos os pais de Sr. e Sra. para me encaixar.

 

Eu fui lembrado disso recentemente quando uma das amigas da minha filha mais velha me disse: “Olá Sr. Rigby” na escola. Ela explicou que estava me chamando de “Sr. Rigby” porque não sabia qual era o meu primeiro nome e estava um pouco velha para me chamar de “pai da Polly”. Eu disse que ela podia me chamar de “Rhymer”.

 

“Sim,” disse a minha mais velha. “Todas nós o chamamos de Rhymer”.

 

Sim, isso é verdade, mas por quê? Uma amiga pode ter matado a charada quando me perguntou: “Como você e a sua esposa chamam um ao outro?” A resposta é “Rhymer” e “Jane”, na maioria das vezes. “Ahá!” ela respondeu – esta pode ser a raiz das coisas: provavelmente as mães e os pais das amigas da minha filha não se chamam pelo nome na frente das crianças.

 

“Oi Homer”: Bart Simpson também chama seu pai pelo primeiro nome
 

Ockwell-Smith diz que muito do que as crianças fazem é uma imitação do comportamento dos outros: “As crianças aprendem principalmente a partir do que nos observam fazer, então se todo mundo costuma chamá-lo de ‘Rhymer’, elas vão repetir o padrão”. Nós também sempre fomos muito adultos na forma como falamos com as meninas – nossa casa não é um lugar onde se fala uma linguagem excessivamente fofa – e talvez este tenha sido outro fator de influência.

 

Suspeito que possa haver um aspecto final que se aplica particularmente a mim. Quando sou apresentado a outras pessoas (como pais e mães da escola), as meninas ouvem os outros adultos pedirem para que eu repita meu nome, expressando surpresa e dizendo coisas como “Este é um nome tão incomum. Eu nunca o ouvi antes”. Então há uma certa novidade em “Rhymer” que não é encontrada em nomes como John e Sarah. Talvez elas tenham internalizado este fato, e ele pode ter contribuído para a decisão atípica de me chamar de Rhymer.

 

No fim das contas, enquanto esta escolha não estiver enraizada em uma falta de respeito, não tenho problema com ela. Se as meninas fizerem a lição de casa, arrumarem o quarto e alimentarem o gato, eu posso conviver com o fato de ser chamado de Rhymer. Talvez, com o tempo, eu até pare de pensar em Bart Simpson dizendo “Oi Homer!” sempre que elas fazem isso.

 

Rhymer Rigby

The Telegraph

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