Rui Car
28/06/2018 17h00 - Atualizado em 28/06/2018 14h11

Norte-americano conta como é ser um homem com câncer de mama

Khevin Barnes em seu exame anual de mamografia no Arizona Radiology

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No dia 22 de maio de 2014, recebi uma mensagem no meu celular da cirurgiã que havia feito a biópsia numa pequena protuberância que havia no lado esquerdo do meu peito dias antes.

 

“Oi, Khevin, tenho más notícias…”

 

A mensagem dela foi breve e direta, e eu ainda consigo repeti-la na minha mente, mesmo quatro anos depois. Havia algumas palavras quietas, um pedido de desculpas com uma pitada de desapontamento, e de repente, minha vida mudou para sempre.

 

Eu era um homem com câncer de mama.

 

Muitos homens com quem eu converso ficam surpresos ao descobrir que homens podem ter câncer nas mamas. É uma “doença órfã,” o que significa que afeta menos de 200 mil pessoas nos Estados Unidos e, portanto, não é muito estudada no país, sendo esquecida e descaradamente ignorada pela indústria farmacêutica, pela baixa possibilidade de lucro.

 

Eu não fico bravo por causa disso – principalmente porque entendo que é assim que o mundo funciona. Estou determinado, no entanto, a ser um participante ativo do grupo de homens que geram mudanças na forma como a comunidade médica lida com a versão masculina desta rara doença.

 

Não é segredo que as pesquisas clínicas relacionadas à causa e ao tratamento do câncer de mama em homens seja amplamente subfinanciado. Afinal, estima-se que 266.120 novos casos de câncer de mama invasivo sejam diagnosticados em mulheres nos Estados Unidos este ano, e cerca de 41 mil delas irão morrer em decorrência da doença, em 2018. A chance de um homem ter câncer de mama é de 1 em 1.000. Estatisticamente, um homem tem uma probabilidade maior de se afogar acidentalmente do que de desenvolver um câncer de mama. Há apenas 2.550 novos casos anuais nos Estados Unidos, e cerca de 480 homens morrem em decorrência da doença, todos os anos.

 

O câncer de mama masculino me pegou enquanto eu estava morando no Palolo Zen Center em Honolulu, no Havaí. Minha esposa e eu vínhamos praticando a meditação Zen há vários anos, e continuar a nossa prática enquanto vivíamos no Havaí por 12 meses era um sonho que havia se tornado realidade.

 

Em 2013, eu deixei minha carreira de 50 anos trabalhando como mágico na Califórnia, guardei todas as minhas posses e embarquei para Honolulu para viver num templo budista Zen, no meio da selva, muito acima das praias de Waikiki.

 

Como você pode imaginar, a vida era simples por lá. Nossas refeições eram vegetarianas, estudávamos os ensinamentos do Zen, meditávamos todos os dias, trabalhávamos no jardim e fazíamos caminhadas na praia. Acredito que esta seja a prova de que um estilo de vida saudável no paraíso não é garantia de uma vida saudável.

 

Mas se o Zen me ensinou algo, é que as coisas simplesmente acontecem, e nós podemos escolher como reagimos aos momentos desafiadores que surgem em nossas vidas. É claro que fiquei surpreso, preocupado e assustado com este câncer que eu nem sabia que existia, mas eu também estava muito consciente de que estava vivo naquele momento, e precisava analisar o meu plano de ação com calma enquanto me preparava para a possibilidade de que meu tempo de vida na Terra pudesse sofrer um corte drástico.

 

A mamografia de Khevin, feita em maio de 2014. (Cortesia de Khevin Barnes)
 

Depois da minha mastectomia, fui diagnosticado com um câncer de mama em Estágio 1, Grau 3. O grau 3 indica uma forma agressiva e de crescimento rápido da doença, mas o estágio 1 indica que o tumor estava contido, o que é positivo. A maioria dos homens descobre o câncer em um estágio mais avançado, já que costumamos demorar para buscar ajuda pois muitos ainda pensam que se trata de uma “doença feminina”. Eu acho que é uma coisa masculina, a forma como estamos condicionados a “levantar a cabeça” e voltar às nossas atividades o mais cedo possível.

 

Falando de forma geral, os homens têm uma dificuldade maior de consultar um médico quando notam algo estranho em seus corpos. Os procedimentos de diagnóstico e tratamento são desconcertantes para muitos homens, que costumam atribuir um sintoma como um nódulo na mama a alguma outra causa. Então, quando a doença é descoberta, já está em estágio mais avançado. No meu caso, eu estava consultando meu médico por um motivo completamente diferente quando ele perguntou: “Há algo mais que você queira discutir?”

 

“Não,” eu respondi, enquanto inflava o peito orgulhoso da minha saúde perfeita. Minha esposa, que estava ao meu lado, disse: “Querido, por que você não mostra aquela pequena protuberância que encontrou?”

 

Fiz a mamografia no dia seguinte, seguida por uma ultrassonografia e uma biópsia por agulha. Menos de 30 dias depois daquela visita ao médico, eu estava na sala de cirurgia pronto para fazer uma mastectomia da minha mama esquerda, e esta rapidez provavelmente salvou a minha vida.

 

Depois de pensar muito e de ouvir opiniões de dois oncologistas no Havaí e na Califórnia, tomei a decisão de abrir mão da quimioterapia recomendada em situações como a minha. Eu baseei minha decisão, em parte, no fato de que havia cuidado da minha ex-esposa que, depois de vários anos e muitas rodadas de quimioterapia, faleceu aos 47 anos devido a um câncer no ovário.

 

É difícil encontrar informações sobre o câncer de mama masculino, e poucos médicos procuram seus sinais em exames de rotina. Quando ele é diagnosticado, o tratamento recomendado é o mesmo oferecido às mulheres, já que não há muitos dados históricos para nos guiar. Há diversos profissionais de saúde que questionam a eficácia de muitos destes tratamentos, e novas pesquisas mostraram que os homens realmente reagem de uma forma distinta a quimioterápicos tradicionais, como o tamoxifeno. Disseram-me que eu tinha uma chance de 80% de viver 10 anos se eu não fizesse nada, e esta estatística era boa o suficiente para mim.

 

O câncer é, ao mesmo tempo, um pesadelo que domina a mente em um mundo do desconhecido, e uma bênção auspiciosa que nos leva a avaliar nossas vidas, enfrentar nossas vulnerabilidades e descobrir nossas forças.

 

As escolhas que nós fazemos são, em última instância, só nossas, e elas nunca são fáceis. Afinal, um diagnóstico de câncer é uma expedição a extremos. Ele estilhaça todos os pensamentos e planos que temos para o futuro e nos deixa com muito mais perguntas do que respostas. É, ao mesmo tempo, um pesadelo que domina a mente em um mundo do desconhecido, e uma bênção auspiciosa que nos leva a avaliar nossas vidas, enfrentar nossas vulnerabilidades e descobrir nossas forças.

 

Nos primeiros meses depois do meu diagnóstico, meus pensamentos foram completamente tomados pela incerteza do meu futuro. Esta incerteza não mudou depois de quatro anos, e na verdade, nunca mudará. No entanto, a intensidade destes pensamentos e medos diminuiu bastante.

 

Uma grande parte da angústia inicial que eu senti com o meu câncer, foi que eu teria que abrir mão de partes da minha vida que tinham um significativo importante para mim. A “saúde perfeita” era uma delas. Como corredor competitivo por quase 40 anos, eu tinha orgulho do meu corpo saudável e da minha habilidade de correr diversas maratonas. O câncer tirou isso de mim. Desisti da ideia de ter um peito que parece “normal” novamente. E desisti da firme crença que tinha de que viveria até a velhice. O câncer apagou muito do que eu considerava certo na minha vida e no meu futuro.

 

Hoje eu estou livre do câncer, ou pelo menos, livre dos sintomas. Conforme me aproximo do aniversário de cinco anos da minha cirurgia inicial, continuo a monitorar a minha saúde fazendo mamografias e ultrassonografias anuais. O medo de que a doença volte é a principal preocupação dos sobreviventes de câncer (depois do medo de morrer), então vou continuar apreensivo pelo resto da minha vida. A única queixa que eu tive, ao longo dos últimos cinco anos, é o quanto a cicatriz da minha mastectomia me causou desconforto, às vezes sutil, mas às vezes bem significativo.

 

Há uma boa parte faltando no meu peito, junto com alguns nervos importantes e um ou dois linfonodos, mas não é raro sentir uma certa rigidez, que acompanha a dor de ter uma parte do corpo removida. Seguindo meu próprio conselho a todos os homens, eu analiso minha mama saudável regularmente em busca de qualquer sinal de câncer, e compartilho minhas experiências com o objetivo de ajudar outros que estejam descobrindo a doença.

 

Khevin meditando no Saguaro National Park em Arizona, Estados Unidos. (Foto de Melissa Holland)
 

Graças à minha prática diária de desacelerar, por meio da meditação Zen, agora eu sinto que posso seguir em frente, com uma capacidade renovada de mergulhar no frescor que cada momento pode trazer. E o mais importante, posso aceitar inteiramente que toda esta experiência é parte do acordo que fiz com a própria vida. Eu recebi uma segunda chance. Um novo começo. Uma extensão da viagem. Minha esperança é vivê-la com ousadia e sem hesitação, ao lado desta doença louca que veio caminhar comigo.

 

Quanto ao que outros homens podem aprender com a minha experiência, meu maior conselho é ouvir a sua esposa, parceira ou pessoa importante na sua vida. Elas querem o melhor para você, e aquela insistência extra pode ser o que vai levá-lo ao consultório médico e salvar a sua vida. Nós também precisamos assumir as rédeas da questão com as nossas próprias mãos, literalmente. Precisamos nos acostumar a sentir a região do peito e das axilas regularmente, ficando atentos a mudanças estranhas, mesmo que elas pareçam inofensivas. A detecção precoce sempre é uma coisa boa.

 

Finalmente, assim como precisamos estar confortáveis com o fato de que estamos envelhecendo – e de que, conforme envelhecemos, nos abrimos a mudanças no nosso corpo, e nem todas elas são positivas – também precisamos parar de pensar no câncer de mama como algo que apenas as mulheres enfrentam. O câncer de mama não é mais “coisa de mulher” do que ser piloto ou senador ou líder de um país é “coisa de homem”. Os tempos mudaram, a medicina, a ciência e conscientização humana também, e nós precisamos mudar junto.

 

Khevin Barnes

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