Rui Car
04/02/2020 10h45 - Atualizado em 04/02/2020 08h29

O alcoolismo também afeta quem está ao seu redor, diz estudo

Isso não quer dizer que a cerveja ou vinho devam ser banidos do dia a dia das pessoas

Assistência Familiar Alto Vale
Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein - Foto: Getty Creative

Por Fábio de Oliveira, da Agência Einstein - Foto: Getty Creative

Delta Ativa

Agressão, assédio, problemas de relacionamento e financeiros. Consumir bebidas alcoólicas em excesso afeta o indivíduo e também as pessoas de sua convivência. Foi o que mostrou um estudo recém-publicado no periódico científico Journal of Studies on Alcohol and Drugs.

 

O trabalho obteve dados de duas pesquisas nacionais realizadas nos Estados Unidos. Ao todo, foram ouvidas por volta de nove mil adultos. Os resultados revelaram que 21% das mulheres e 23% dos homens sofreram algum tipo de dano causado pela bebedeira de alguém. Ao todo, estima-se que um em cada cinco americanos, ou 53 milhões de pessoas, passam por esse tipo de situação. 

 

“O interessante deste estudo é colocar em foco justamente as pessoas que sofrem com a ingestão alcoólica de terceiros, ao invés do grande consumidor”, comenta o psiquiatra André Felipe Castro Ferreira Martins, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. É possível assim ter uma ideia de que os problemas relacionados à ingestão excessiva vão muito além da esfera individual. Comportamentos de risco, como dirigir embriagado e violência doméstica, atingem outras vítimas, por exemplo. “Sem falar que um paciente com dependência de álcool frequentemente terá problemas no trabalho, como baixo desempenho e necessidade de afastamentos.” 

 

Apesar de a pesquisa ter sido feita nos Estados Unidos, o quadro é parecido entre a população brasileira. “No Brasil, cerca de 70% dos homens declaram consumir álcool. Quase 25% declaram que bebem e dirigem”, revela Castro. “Os estudos que focam especificamente nos transtornos da substância a terceiros ainda são poucos, mas podemos estimar que esse número é muito grande.”

 

As consequências variam de acordo com o gênero. Entre os homens, por exemplo, houve mais registro de agressão física. Entre as mulheres, problemas familiares e financeiros. Por que ocorre esse corte por gênero? “Sabemos que os homens em geral têm mais problemas com álcool do que as mulheres”, diz o psiquiatra. Muitos deles, por sua vez, moram com mulheres, esposas e mães que lidam e sofrem diariamente com essa questão. 

 

Homens também são mais propensos a praticar binge drinking, fenômeno caracterizado pela ingestão de grande quantidade de álcool em pouco tempo. O comportamento está ligado ao envolvimento em situações de risco, como dirigir embriagado e prática sexual sem proteção.

 

Consequências no trânsito

“Estudos recentes apontam o Brasil como quinto país no mundo com mais mortes relacionadas a acidentes de trânsito”, diz Castro. São 40 mil mortes por ano e 150 mil pessoas seriamente feridas. “Se pensarmos que muitos desses acidentes possuem relação com o consumo indevido de álcool e direção, temos um problema de saúde pública.” 

 

Pesa também o fato de o álcool não ser visto como uma substância que leva à dependência. “Muitas pessoas ainda o enxergam como uma droga menos danosa pelo fato de ser legalizado”, diz André Felipe. Ele cita um estudo publicado recentemente no periódico científico The Lancet que classifica o álcool como a droga mais perigosa de todas, justamente porque, além de causar muitos problemas de saúde para os usuários, está envolvida em transtornos para terceiros e a comunidade como um todo. 

 

“Sabemos que intervenções precoces são necessárias”, diz Castro. “Quanto mais cedo uma pessoa começa a beber, mais risco vai ter tanto de desenvolver uma dependência de álcool, como de se envolver em padrões de consumo nocivos para a saúde.” Segundo o psiquiatra, é importante que seja feita fiscalização adequada para inibir o consumo de bebidas alcoólicas entre menores de idade e, desde cedo, abordar esse assunto em casa e nas escolas. 

 

Isso não quer dizer que a cerveja ou vinho devam ser banidos do dia a dia das pessoas. “É possível regulamentar sem proibir”, fala Castro. “Existem festas hoje em dia que fazem acordos com empresas de táxi ou Uber para incentivar as pessoas a não irem de carro. Outra saída que vem sendo muito discutida, conta o psiquiatra, é a proibição de festas open bar, que estimulam o consumo em binge. Isso aumenta o risco de confrontos físicos e de dirigir embriagado. “Não há solução perfeita, o importante é adequar estratégias à realidade de cada população”, finaliza.

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