Rui Car
19/05/2017 10h37 - Atualizado em 19/05/2017 10h39

Por que cada vez mais mulheres estão escolhendo casar consigo mesmas?

Talvez a sologamia seja simplesmente o próximo passo inevitável da Geração Y

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Quando Sophie Turner, de 38 anos, celebrou seu segundo aniversário de casamento na última terça-feira, não houve flores, jantar romântico a dois ou cartão com palavras bonitas.

 

Não que seu parceiro tenha esquecido a data, mas porque no dia 16 de maio de 2015, quando a consultora de relações públicas se casou nos degraus de uma igreja em Brighton, na Inglaterra, a pessoa a quem ela jurou lealdade eterna foi ela mesma.

 

“Eu literalmente tive a ideia quando estava deitada na cama, me recuperando de uma gripe e de um relacionamento ruim,” lembra Sophie. “Todos celebram aniversários de namoro e de casamento, mas não há uma data comemorativa na sociedade para quem escapa de algo terrível, ou reencontra a sua própria felicidade e satisfação”.

 

Inicialmente a ideia de Sophie era escrever um livro no qual uma mulher se casava consigo mesma, mas depois de dois anos escrevendo e pesquisando a sologamia – pessoas que se comprometem consigo mesmas – para a obra, ela decidiu dar um passo a mais.

 

O pai de Sophie, Malcolm, a levou até o altar. Crédito: Sophie Tanner
 

“No final daquela jornada eu era uma defensora tão convicta daquela ideia como conceito, que pensei que deveria colocá-la em prática,” ela diz. “Parecia ser um passo óbvio, e todos os meus amigos e familiares passaram a se interessar por isso. Quando eu disse que queria meu próprio casamento, eles me apoiaram”.

 

A cerimônia foi 2 coisas: sagrada e muito especial; seus votos foram adaptados de suas origens bíblicas, ela usou um vestido branco de £60 (cerca de R$ 250), e seu pai Malcolm, um pintor e decorador de 69 anos, a levou ao altar.

 

Todos celebram aniversários de namoro e de casamento, mas não há uma data comemorativa na sociedade para quem escapa de algo terrível, ou reencontra a sua própria felicidade e satisfação

 

Após a cerimônia, o grupo de 50 convidados dançou pelas ruas de Brighton até chegar à praia, ao som da música ‘I Love Myself’, de Kendrick Lamar.

 

É tentador classificar a ideia como o ápice do narcisismo da Geração Selfie, principalmente considerando que a cerimônia não é reconhecida legalmente (o pedido de Sophie ao cartório de Brighton foi respondido com a alegação de que o casamento é “exclusivo” para duas pessoas). Mas para ela, a importância da ocasião – uma celebração por ser solteira e curtir isso – ainda se mantém.

 

Comemorando com os cerca de 50 convidados do seu casamento. Crédito: Sophie Tanner
 
 

“Inicialmente eu pensei no casamento como algo leve, e o celebrei durante o festival Brighton Fringe para que os transeuntes pudessem fazer parte dele,” explica ela. “Mas fiquei muito nervosa no dia anterior à cerimônia: parecia que eu estava fazendo algo extremamente importante, especialmente porque foi um dos primeiros [casamentos sologâmicos] que muitas tinham visto. Alguns me disseram que foi o melhor casamento ao qual já compareceram. A atmosfera foi maravilhosa e havia uma energia poderosa no ar”.

 

Embora seja improvável que as cerimônias ‘solo’ como a de Sophie possam se tornar mais comuns do que as uniões tradicionais, elas parecem estar em alta. Trata-se de parte de uma tendência social muito maior de mulheres rejeitando a “linha do tempo” tradicional de suas mães e avós e traçando um caminho independente, muito longe do estereótipo de “solteirona”.

 

É difícil não adotar as mensagens da sociedade … e eu certamente acredito que uma destas mensagens é: “Você não é suficiente se não está com outra pessoa”.

Erika Anderson

 

“Eu acho que é difícil não adotar as mensagens da sociedade … e eu certamente acredito que uma destas mensagens é: ‘Você não é suficiente se não está com outra pessoa,’” disse Erika Anderson sobre sua decisão de se casar consigo mesma. A moradora de Nova Iorque, de 37 anos, se casou com seu namorado da faculdade quando tinha 20 e poucos anos, mas o casal se separou aos 30, após escolherem caminhos diferentes. Segundo ela, comprometer-se consigo mesma foi “um ato de resistência”.

 

A noção do casamento consigo mesmo chegou à consciência popular num episódio de 2003 da série Sex and the City, onde Carrie Bradshaw, a protagonista, anunciou que estava cansada de celebrar as escolhas de vida dos amigos, mas nunca as suas próprias.

 

Em 2010, uma das personagens da comédia musical ‘Glee’ teve uma cerimônia solitária de casamento. Agora, com 42% dos casamentos britânicos terminando em divórcio (o número de mulheres solteiras superou o de mulheres casadas na última década), casar consigo mesmo é, talvez, a única aposta segura.

 

Carrie Bradshaw trouxe à tona a ideia de se casar consigo mesma em ‘Sex and the City’. Crédito: Craig Blankenhorn
 

Os defensores da prática afirmam que trata-se de um rito de passagem moderno: “Um casamento é apenas um marco na vida,” explica Alexandra Gill, uma crítica gastronômica canadense que se casou consigo mesma em 2006, e renovou seus fotos no aniversário de casamento de 10 anos, no ano passado. “Nossas mães e avós não tinham a escolha de permanecer solteiras. O casamento consigo mesmo é uma oportunidade de celebrar a sua independência pessoal, a sua autoconfiança e a liberdade das correntes impostas pelas convenções sociais”.

 

Nossas mães e avós não tinham a escolha de permanecer solteiras. O casamento consigo mesmo é uma oportunidade de celebrar a sua independência pessoal, a sua autoconfiança e a liberdade das correntes impostas pelas convenções sociais

Alexandra Gill

 

De forma pouco surpreendente, diversos ramos de negócios identificaram oportunidades na popularidade dos casamentos sologâmicos. Ano passado, Alexandra Gill fundou a empresa Marry Yourself Vancouver, que oferece um serviço de planejamento e consultoria de casamentos. No Japão, onde uma em cada sete mulheres é solteira, a empresa Cerca Travel oferece um pacote especial de dois dias, que inclui a prova de vestido, maquiagem, cabelo, e uma sessão de fotos com preços iniciais de £2.500 (cerca de R$ 10.200).

 

Estas empresas estão ajudando a acabar com o estigma destas declarações solitárias de amor ou, como um site publicou em resposta ao grande dia de Erika Anderson, “só querem ganhar dinheiro em cima de algumas feministas tristes”?

 

“Isso não é uma forma de substituir um parceiro, muito pelo contrário; é sobre ser um membro mais forte da sociedade e alguém mais centrado como pessoa,” disse Jeffrey Levin, joalheiro da Califórnia que criou um kit específico para os casamentos ‘solo’ chamado I Married Me, apesar de ser casado de forma convencional com sua esposa, Bonnie.

 

 

A dupla vendeu “centenas” de pacotes, que podem incluir anéis de noivado de ouro branco, instruções para os votos e para a cerimônia por cerca de £200 (R$ 816), em uma tentativa de “permitir que os indivíduos tenham uma forma tangível e física de auto reforço e positividade”.

 

É claro que nem todos olham a tendência de forma tão positiva. Quando o casamento de Sophie Tanner chegou às notícias dos principais meios de comunicação do Reino Unido, há dois anos, muitos usuários das redes sociais rapidamente a chamaram de narcisista, e até seus conhecidos não se seguraram.

 

“Alguns homens ficaram um pouco irritados,” disse ela. Ela continuou a ter encontros, desde a sua cerimônia de casamento, mas não tem planos de se casar com outra pessoa. “Um homem me disse que eu não poderia aproveitar o melhor dos dois mundos, casando-me comigo mesma e procurando outros relacionamentos, e um homem com quem eu estava saindo teve um surto quando soube”.

 

Anel de noivado
 

“Eu fiquei surpresa pela raiva das pessoas, já que não estou machucando ninguém. A maioria dos homens com quem saí apoiaram a minha decisão. Ver a reação deles à notícia tem sido um bom filtro, já que se eles ficam desconfiados repentinamente, não são a pessoa certa para mim”.

 

Sophie tem uma irmã do casamento de seus pais, e quatro meias-irmãs do segundo casamento de seu pai, com idades entre 22 e 38 anos. Até o momento, ela foi a única das seis a se casar.

 

Você pode se sentir mais solitário num relacionamento que não está funcionando do que quando está solteiro, e muitas pessoas não percebem isso. Você pode desperdiçar a sua vida esperando pela pessoa certa, quando na verdade você é a pessoa certa

 

“Eu acho que a minha mãe gostaria que eu encontrasse um homem bom e fosse feliz, mas ela sabe, por experiência própria, que as coisas nem sempre funcionam desta maneira.

 

Apesar disso, se o casamento consigo mesmo não impede os relacionamentos com outras pessoas e não oferece benefícios legais, qual é o sentido de fazê-lo?

 

“Você pode se sentir mais solitário num relacionamento que não está funcionando do que quando está solteiro, e muitas pessoas não percebem isso,” explica Sophie. “Eu espero que ver o quão empoderador pode ser o casamento consigo mesmo, ajude a libertar as pessoas e ensinar que buscar a solidão é uma coisa boa. Você pode desperdiçar a sua vida esperando pela pessoa certa, quando na verdade você é a pessoa certa”.

 

Talvez a sologamia seja simplesmente o próximo passo inevitável da Geração Y, que já substituiu os marcos tradicionais da vida adulta, como a casa própria e uma carreira de sucesso, por viagens ao redor do mundo, profissões itinerantes e mudanças de um apartamento alugado para o outro. Nestes casamentos modernos – assim como em quase tudo – a única constante parece ser o próprio indivíduo.

 

Charlotte Lytton

The Telegraph

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