Rui Car
06/02/2018 09h00 - Atualizado em 06/02/2018 09h02

Relato: “Abandonei minha vida extravagante para morar numa barraca na Nova Zelândia”

"A última vez em que eu me olhei no espelho foi há 29 dias"

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A última vez em que eu me olhei no espelho foi há 29 dias. Estou há quase um mês sem usar desodorante, maquiagem e xampu. Além disso, estou tomando banho de água fria, num chuveiro do lado de fora, há semanas.

 

Pode parecer loucura, mas a realidade é que o chuveiro fica diante de uma paisagem perfeita da Nova Zelândia, cercado por pinheiros e por uma praia de areia branca.

 

O local usado como vaso sanitário, infelizmente, não é abençoado com uma vista como esta.

 

Estou vagando, livremente, com meu marido e nosso filho de 16 meses desde o começo de dezembro. Trocamos nosso aluguel de 800 dólares por semana em Sydney, Austrália, por uma barraca de 250 dólares. Nós montamos a barraca onde queremos, comemos quando precisamos, e abandonamos qualquer vestígio de rotina.

 

Esta deveria ser uma viagem de carro para combater o nosso esgotamento mútuo. Em vez disso, de alguma forma a ideia se transformou numa cena retirada diretamente do filme ‘Comer, Rezar, Amar’.

 

É isso que acontece quando você mergulha de cabeça na natureza: você realmente se transforma na pessoa que diz coisas como “Eu sinto que realmente me encontrei aqui no meio do nada”. Tudo isso é muito constrangedor, mas a realidade é que simplesmente é verdade. Nós substituímos o champanhe por cidra quente na praia; refeições extravagantes em restaurantes pela busca de nossa própria comida; e um banheiro cheio de produtos por um sem paredes.

 

Nossa vida antiga era perfeita para o Instagram, mas inacreditavelmente exaustiva. Eu era uma mãe que trabalhava fora e tentava ser bem-sucedida na minha carreira, desempenhar com perfeição meu papel de mãe, manter um corpo saudável e preservar uma vida social ativa.

 

Certas vezes, eu acordava as 4 horas da manhã para que pudesse dar início à minha lista interminável de tarefas pendentes. Eu contava piadas, de forma um pouco maníaca, falando “Vamos dormir quando estivermos mortos”. Eu acreditava que, como uma mulher moderna, poderia ter tudo. Infelizmente, ninguém me alertou sobre um pequeno detalhe: é possível ter tudo, mas isso pode deixá-la acabada e exausta.

 

 

Eu trabalhava como editora num programa da televisão australiana, mas, com o tempo, meu emprego se tornou extremamente banal. Ao longo dos anos eu entrevistei Nicole Kidman, comparei meu bumbum com o de Kim Kardashian, dividi um saco de uvas numa estreia cinematográfica com Johnny Knoxville, e fiz fofocas com Geoffrey Rush numa cerimônia de premiação.

 

 

Todas as noites tinham eventos maravilhosos. Havia festas intermináveis com o objetivo de promover qualquer coisa, de produtos para o cabelo a uma nova marca de gim, com cada noite tentando superar a anterior, tornando-se monstruosamente maior e melhor.

 

Em meio a tudo isso, eu fazia aplicações de Botox no rosto a cada três meses e gastava o meu dinheiro em cremes e poções, a área escolhida por mim como a minha perdição consumista. Sapatos e roupas nunca causavam o mesmo efeito.

 

Quando me tornei mãe, em 2016, reduzi um pouco a intensidade daquele estilo de vida, mas não queria cortá-lo completamente. Eu ia conseguir equilibrar tudo e ia fazê-lo com perfeição, energizada por martínis e curtidas no Instagram. Em junho de 2017 eu estava tão cansada de ter tudo que não queria mais nada daquilo.

 

Muitos acreditam que as grandes decisões da vida são tomadas após muita reflexão, discussão, e incontáveis listas de prós e contras. No entanto, quando o seu sentimento está claro, a decisão é fácil.

 

Quando eu disse ao meu marido que queria largar esta vida, pedir demissão de nossos empregos e morar numa barraca na nova Zelândia, sabia que ele concordaria. Ele estava esperando que eu jogasse a toalha da nossa vida na cidade há algum tempo. Ele superaria o fato de não ter água quente e fazer suas necessidades num buraco cheio de serragem, se isso significasse que não precisaria mais ouvir meu pedido de café cada vez mais complexo, quando saímos para tomar um brunch nos finais de semana. No entanto, precisamos ser realistas: esta é uma decisão para os privilegiados. Nós tínhamos economias, e eu posso escrever enquanto navego para garantir que iremos continuar flutuando. Nem todos podem simplesmente abandonar suas vidas antigas.

 

 

Nossos amigos provaram isso para nós. Eles não ficaram incomodados com a nossa decisão repentina de escapar, mas expressaram sua inveja. Nós tínhamos um plano de escape. Nós estávamos indo embora. Nós não pagaríamos mais aluguéis caríssimos.

 

Chegamos à Nova Zelândia no início de dezembro, e não houve um único momento, desde que estamos aqui, em que a dúvida tenha mostrado sua cara feia. Na verdade, cada dia que passa é uma confirmação de que tomamos a decisão certa. Não apenas para nós, mas também para o nosso filho, que está se divertindo muito com a aventura. Ele finalmente está se conectando com seus pais, num nível que era impossível quando estávamos trabalhando incansavelmente, ambos desesperados para manter um resquício da vida que tínhamos, antes da sua chegada.

 

 

Agora, nós acordamos quando dormimos o suficiente; comemos quando sentimos fome; e passamos nossas noites apreciando o pôr do sol, sem tentar implantar uma rotina rígida para que tudo funcione. Longe daquele dia a dia, manter este estilo de vida em meio à natureza significa que as coisas que antes eram importantes para mim – como beber apenas uma marca específica de leite de soja – parecem absurdas.

 

É isso que fazemos quando estamos ocupados: nós nos recompensamos com coisas. Nós colecionamos uma infinidade de coisas para enfiar em cada espaço do nosso mundo lotado. Mas quando você tem muito pouco, percebe que precisa de muito pouco. Ver nosso filho se sentir livre, correndo sem roupa pela praia, definitivamente é mais enriquecedor e gratificante do que ter tudo aquilo.

 

 

Amy Nelmes Bissett

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