Rui Car
29/06/2018 17h00 - Atualizado em 29/06/2018 13h50

Relato: Eu era melhor no meu trabalho quando era alcoólatra

"Sem os óculos da bebida, estou tentando encontrar meu “eu” verdadeiro"

Assistência Familiar Alto Vale
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Na minha área de atuação, os recrutadores se orgulham das suas táticas agressivas. Ser agressivo simplesmente significa ser persistente – muito persistente.

 

Como headhunter, sou um profissional de vendas 100% motivado pelas comissões. Eu recruto pessoas para vagas difíceis de preencher no setor de negócios. Encontrar o “esquilo roxo”, nome que damos ao candidato perfeito, que pode nem existir, não é fácil. É preciso fazer muita pesquisa, ter persistência e força de vontade para ligar para diversas pessoas em busca daquele único candidato dos sonhos. Eu vivo e morro pelo meu trabalho. As pessoas na minha posição tendem a não comer a menos que consigam emprego para alguém – e não somos considerados bem-sucedidos, a não ser que consigamos multiplicar este alguém por 30, todos os anos.

 

Eu bebia muito e de forma regular, e consegui manter este hábito em segredo diante da minha família e amigos por quase uma década antes de decidir buscar ajuda para enfrentar o meu vício. Em um dado momento, eu senti que a bebida – e a recuperação diária após o seu consumo – me motivava. Eu conseguia ficar sóbrio com uma caneca de café e um ibuprofeno. A promessa de mais álcool no almoço ou no final do experiente me motivava a fazer as ligações necessárias e alcançar meus objetivos. A ideia de terminar logo meu o dia no trabalho para que eu pudesse tomar meu próximo drinque, ou seis, era como uma cenoura presa num galho com um barbante balançando na minha frente. Só que em vez de uma cenoura, era uma garrafa de Skol.

 

No passado, eu fazia chamadas sem parar. 100 por dia? Sem problemas. Eu conseguia focar mais porque era motivado pela vitória – e pela forma como eu me recompensava com álcool quando a alcançava. Quando eu estava bebendo, ficava menos preocupado com o meu comportamento e os meus métodos para encontrar o candidato certo, mesmo que aquilo significasse alienar algumas pessoas por causa da minha conduta. Eu era menos minucioso com o meu tempo e os meus esforços, e isso se traduzia em sucesso, mesmo que a minha vida pessoal estivesse, ao mesmo tempo, desmoronando.

 

Depois de duas semanas sem beber, voltei ao escritório sóbrio, sem estar de ressaca, pela primeira vez em anos.

 

Finalmente me convenci de que precisava mudar, depois de ter passado um dia inteiro bebendo garrafas de vodca barata. Estava a ponto de desmaiar quando percebi que não conseguia mais falar. Eu senti que o meu cérebro havia se fechado completamente, como se eu tivesse apagado, com os olhos ainda abertos.

 

Minha esposa me encontrou, chocada e preocupada pensando que eu estava tendo um derrame ou uma convulsão. Ela estava prestes a chamar a emergência, mas eu consegui impedi-la. Quando consegui recuperar a habilidade de falar, me abri e contei a ela tudo sobre o vício que eu havia escondido durante todos aqueles anos. Eu havia escondido cada gota, garrafa, nota fiscal, compra no cartão de crédito, dia de folga por “doença” no trabalho, sessões de vômito no banheiro, olhos vermelhos, ressacas, perda de memória, objetos perdidos, sessões de direção embriagada, noites sem sono e apagões de todas as pessoas presentes na minha vida.

 

Eu sabia que, para parar de beber, precisava entrar num programa de desintoxicação imediatamente. Com o apoio da minha esposa, planejei me internar no Central DuPage Medical Center, em Illinois, para iniciar meu tratamento. Deixar meus filhos foi difícil. Eu chorei. Sou homem suficiente para admitir isso. Eu nunca havia passado mais de 17 horas longe deles desde que haviam nascido. Deixar minha esposa – que não estava nada feliz comigo naquele momento – também foi difícil. Eu a amo imensamente, e saber que o meu vício havia criado uma barreira entre nós e estava ameaçando a minha família, me deixou destruído.

 

Quando contei aos meus chefes na pequena empresa familiar de headhunting em que trabalhava que estava iniciando um programa de reabilitação, eles me apoiaram muito e simplesmente disseram: “Você provavelmente não é o único que precisa disso aqui, rapaz. Boa sorte. Melhore, e seu posto estará aqui quando você voltar”.

 

A desintoxicação foi difícil – mas de uma certa forma, foi fácil, ao mesmo tempo. Eu acho que quando você está dopado com a quantidade de Valium que eu recebi na clínica, tudo parece viável. Eles me deram o medicamento para que eu não tivesse uma convulsão quando passei quatro longos dias suando e fedendo com o cheiro da bebida que saía do meu corpo e da minha pele. Meu cérebro parecia derreter na minha mente, como uma mistura de ovo frito e sorvete.

 

Depois de uma semana de desintoxicação, passei outra semana frequentando a clínica de reabilitação durante o dia. Poder ir para casa no fim da tarde era uma bênção para mim. Eu conseguia ver pelo que estava lutando todas as noites, e lembrava a mim mesmo por que estava indo até a clínica, todos os dias, para finalmente vencer o alcoolismo.

 

Após a desintoxicação e a reabilitação, escolhi o caminho dos Alcoólicos Anônimos e continuei minha recuperação frequentando as reuniões e enfrentando meus problemas com a ajuda daqueles que melhor entendiam o que eu estava passando. Depois de duas semanas sem beber, voltei ao escritório sóbrio, sem estar de ressaca, pela primeira vez em anos. Eu mantenho a minha sobriedade até hoje por meio de uma combinação de reuniões e de uma forte rede de apoio composta por familiares e amigos que se mantiveram ao meu lado o tempo todo.

 

Passei meu primeiro mês de volta ao trabalho tentando me familiarizar novamente com a minha vida profissional. Antes da reabilitação, eu fazia parte do “Partners Club,” algo que apenas os headhunters com melhor performance alcançam quando atingem um certo número de vendas a cada ano. Na maioria dos anos eu havia sido relativamente bem-sucedido e consistente, em termos da receita que estava gerando. Geralmente os candidatos surgiam com uma certa facilidade, meus clientes estavam satisfeitos, e meus chefes estavam felizes com o meu trabalho. No entanto, nenhum deles sabia que, na maioria dos dias, ou eu estava de ressaca ou estava levemente embriagado após tomar alguns drinques no almoço.

 

Depois de ficar sóbrio, os primeiros meses se passaram sem que eu gerasse receita alguma. Minha motivação havia desaparecido, e o pior de tudo, eu não me importava – com o trabalho, pelo menos.

 

Meu conflito inicial estava centrado no fato de que eu estava tentando imitar o antigo “eu” que tinha feito reabilitação. A sobriedade mudou completamente a minha atitude em relação ao mundo. Eu estava vivendo numa interminável roda viva de trabalho, sono e bebida, e quando me afastei daquilo e observei o que estava acontecendo ao meu redor, não consegui mais me concentrar nos meus objetivos.

 

Sem o álcool na minha vida, estou numa estranha encruzilhada em que sou melhor na minha vida pessoal, mas pior na que paga as contas.

 

Aprendi que há muitas coisas nas quais eu sou melhor depois de ter ficado sóbrio. Consigo devorar um livro em apenas alguns dias. Consigo me relacionar melhor com os meus filhos em vez de ficar frustrado com eles. Consigo manter uma conversa com alguém e não estar constantemente tentando inventar uma desculpa para voltar para casa e tomar uma dose na garagem. Mas meu trabalho não é mais uma das coisas que consigo fazer direito. A verdade é que eu era um vendedor melhor quando era alcoólatra.

 

Agora que estou sóbrio, estou mais empenhado em encontrar o candidato “certo”, não apenas alguém para sentar o traseiro na cadeira do escritório. Eu passo mais tempo – talvez tempo demais – tentando preencher uma vaga para encontrar alguém realmente adequado aos critérios necessários, em vez de jogar qualquer candidato no gerente de seleção e esperar que aquilo funcione de alguma forma. Eu também sou mais meticuloso na forma como completo projetos. Você pode pensar que todas estas coisas me tornam um funcionário melhor, mas como o meu trabalho é essencialmente baseado em números, esta abordagem acabou sendo menos lucrativa do que a que eu mantinha quando bebia. Sem o álcool na minha vida, estou numa estranha encruzilhada estranha em que sou melhor na minha vida pessoal, mas pior na que paga as contas.

 

Mesmo assim, eu não me importo. Eu reconquistei a mulher dos meus sonhos, minha esposa há 13 anos, e estou construindo um relacionamento duradouro e saudável com meus filhos, que felizmente nunca saberão como é ter um pai que bebe. Estes presentes são uma recompensa suficiente para me manter sóbrio, mesmo que isso signifique ganhar menos dinheiro. Saber se a minha carreira poderá ser tão bem-sucedida quanto já foi um dia, simplesmente não é uma prioridade para mim. Eu posso conseguir um novo emprego, mas não posso substituir o amor da minha família e as lembranças que estou construindo com os meus filhos.

 

Depois de passar por esta jornada, percebi que viver uma vida sóbria não envolve encontrar um novo “eu”, bonito e brilhante, no final do túnel. Na verdade, é o contrário. Sem os óculos da bebida, estou tentando encontrar meu “eu” verdadeiro – embora imperfeito. E não é fácil. Às vezes sinto falta daquele antigo cara incrivelmente bem-sucedido que eu fui. Estaria mentindo se dissesse que não. Mas o caminho que estou trilhando agora me permite ser – e me manter – consciente, honesto e presente, com a minha família. Se eu tenho tudo isso, realmente não posso pedir mais nada.

 

Alan Jabczynski

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