Rui Car
23/12/2019 10h45 - Atualizado em 23/12/2019 08h27

Salários de US$ 70 mil por ano não atraem caminhoneiros nos Estados Unidos

Há uma combinação de fatores que influenciam a alta demanda por trabalhadores nesse setor

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Monte Wiederhold tem 62 anos e trabalha como motorista de caminhão há 40 anos nos Estados Unidos. Ele dirige todos os dias, mas diz que “não há um dia igual ao outro” – e passa em média de três a quatro noites por semana fora de casa.

 

“Ser caminhoneiro é um trabalho árduo, sacrificado. Você precisa lidar com o trânsito, com as entregas e ficar longe da família”, relata Wiederhold, que é casado há 35 anos e tem duas filhas.

 

“Eu era caminhoneiro antes de a gente se casar, então ela sabia mais ou menos no que estava se metendo. Às vezes, é difícil. Não é um trabalho normal das 9h às 17h”, explica Wiederhold por telefone, diretamente de Cincinnati, Ohio, nos EUA.

Segundo ele, o salário médio anual de um motorista de caminhão experiente nos Estados Unidos varia de US$ 70 mil a US$ 75 mil. Esta cifra é bem superior ao salário médio de um trabalhador americano, que gira em torno de US$ 44 mil por ano.

 

Mas, embora a remuneração de um motorista de caminhão pareça tentadora, há uma escassez de 51 mil trabalhadores no setor, de acordo com dados de 2017 da American Trucking Associations (ATA).

 

Fontes do setor apontam que um dos problemas é a alta rotatividade de caminhoneiros nas grandes empresas, o que significa que sempre há vagas a serem preenchidas.

 

Por que isso acontece?

Há uma combinação de fatores que influenciam a alta demanda por trabalhadores nesse setor.

 

“Como a economia está indo bem, muitas coisas estão sendo transportadas. Mas também há uma questão demográfica. Muitas pessoas estão se aposentando, e não há jovens suficientes entrando na profissão”, afirma Chris Thropp, diretor de operações da Sages Schools, autoescola para motoristas de caminhão.

 

Para ser motorista de caminhão, você não precisa de nenhum estudo específico. Mas, para trabalhar, é necessário ter carteira de motorista e, se você quiser fazer viagens interestaduais, não poderá obter a habilitação até completar 21 anos.

 

“O que acontece é que, quando os alunos terminam o ensino médio com 18 ou 19 anos, procuram outras profissões antes de cogitarem serem motoristas de caminhão, já que não podem entrar (nessa profissão) por causa da idade. Com isso, o setor perde muita gente que nem sequer pensou na possibilidade. Embora seja um trabalho muito bom e que pode ser muito bem remunerado”, explica Thropp.

 

Segundo algumas fontes, o salário inicial de um motorista de caminhão é de cerca de US$ 45 mil por ano – e pode chegar facilmente a US$ 70 mil com alguns anos de profissão.

 

“Pode ser uma carreira muito boa”, afirma Thropp, cuja empresa é dona de 25 autoescolas nos Estados Unidos.

 

Ele conta que, recentemente, houve um aumento no número de matrículas devido ao crescente interesse em ingressar na profissão.

 

“As empresas estão pagando mais e estão oferecendo bônus e pacotes de benefícios.”

 

Mas adverte que “é difícil encontrar pessoas qualificadas”.

 

Escassez x renovação

“Está difícil como sempre foi” encontrar motoristas, declarou há alguns meses Bob Costello, economista da ATA, ao jornal americano The Washington Post.

 

“As empresas estão fazendo todo o possível para atraí-los: aumentam os salários e a frequência das folgas, mas isso significa que não estão dirigindo tantos quilômetros.”

 

A ATA confirmou que, no fim do ano passado, os Estados Unidos tinham uma escassez de 51 mil caminhoneiros, em comparação com 36 mil em 2016. Para este ano, a previsão é que esse número aumente.

 

No entanto, Todd Spencer, presidente da Associação de Proprietários e Motoristas de Caminhões Independentes (OOIDA, na sigla em inglês), não acredita que haja realmente uma escassez.

 

“Há um segmento da indústria de transporte que tem problemas para manter os caminhoneiros. São as mesmas pessoas que dizem que faltam motoristas de caminhão. Mas quando você olha quantos caminhoneiros existem, há uma rotatividade de 94%. O que acontece é que eles têm um problema enorme de retenção”, diz.

 

Para Spencer, a alta rotatividade se deve à falta de incentivos.

 

“Há uma combinação de condições de trabalho: o pagamento e os benefícios não são muito atraentes por muito tempo”, avalia.

 

“As empresas estão oferecendo bônus altos aos caminhoneiros, mas a verdade é que você só tem acesso a esse dinheiro se ficar na empresa por um longo tempo.”

 

O caminhoneiro Mike Wiederhold também é cético em relação aos números sobre a escassez de trabalhadores no setor.

 

“Se houvesse uma escassez real, o salário seria muito maior do que é agora. Atualmente, estamos vendo que algumas empresas estão aumentando em cerca de 2 ou 3 centavos por milha (dirigida). É pouco. E tampouco estão pagando benefícios extras”, afirma.

 

Estilo de vida

Um consenso entre os trabalhadores do setor é que o estilo de vida dos caminhoneiro é um fator que influencia na escolha e permanência na profissão.

 

O que atrai na profissão é a percepção de que existe um certo grau de independência e o potencial de gerar uma renda acima da média.

 

Mas o trabalho exige passar muito tempo longe de casa, dormindo no caminhão e com dificuldade de encontrar pontos de parada.

 

Alguns motoristas acham difícil demais ficar longe da família.

 

“Fui motorista de caminhão por 8 anos. Parecia uma boa maneira de ganhar a vida, mas se não há incentivos financeiros, o sacrifício fica cada vez maior. Não queria que meus filhos crescessem sem saber quem eu era”, diz Todd Spencer.

 

Monte Wiederhold afirma, por sua vez, que recomendaria a profissão a quem está pensando em entrar no setor, mas alerta sobre as desvantagens.

 

“Ser caminhoneiro é uma boa opção. É claro que há certas coisas das quais é melhor se afastar, como trabalhar para grandes companhias, porque você vai ser tratado como um número, enquanto que, se você conseguir uma vaga em uma pequena empresa, provavelmente será tratado como parte da família.”

 

“É uma profissão com desafios constantes e, às vezes, pode ser avassaladora”, conclui.

 

 

Fonte: BBC Brasil

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