Rui Car
02/07/2019 09h01

‘Teremos personagens de todas as linhas, inclusive homossexual’, diz Mauricio de Sousa sobre Turma da Mônica

"Eu e os nossos roteiristas sentimos e intuímos o que está acontecendo na sociedade"

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Aos 83 anos, Mauricio de Sousa vive mais um momento marcante em sua carreira. Seis décadas depois de surgir nos quadrinhos, a Turma da Mônica finalmente ganhou sua versão em live-action, com ‘Laços’, em cartaz nos cinemas desde a última quinta-feira (27).

 

Ao ver os personagens ganhando vida na telona, sendo interpretado por um elenco infantil que parece ter nascido para serem Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali, o veterano quadrinista não conteve a emoção. Um registro de Mauricio emocionado, derramando lágrimas de orgulho, ao final da pré-estreia do filme em São Paulo, viralizou nas redes sociais.

 

“Naquele momento todas as minhas dúvidas foram jogadas no esquecimento”, explica, em entrevista exclusiva ao Yahoo!. “Não havia nenhuma dúvida mais que era possível crianças representarem tão bem os personagens. Que o filme seria tão bem dirigido, que a parte cinematográfica fosse tão bem representada, que as mensagens estivessem claras. Que a trilha sonora estivesse tão bem executada.”

 

Mauricio é só elogios para o longa-metragem. “A direção do Daniel Rezende é sensacional”, empolga-se. “Houve uma série de pontos que se somaram e deram num filme que estou achando maravilhoso, bonito, gostoso de assistir. Recomendável para qualquer idade e para a família brasileira”.

 

Conversas sobre personagem LGBT

Família é uma palavra-chave no trabalho de Mauricio de Sousa. Suas filhas Mônica e Magali, que inspiraram as famosas personagens, trabalham com ele até hoje. É o caso também de Mauro, que recentemente disse que está nos planos da Turma a criação de uma figura homossexual – recebendo reações de apoio na internet, mas também ataques homofóbicos.

 

O pai prefere acalmar os ânimos, taxando a repercussão da notícia como “exagero”. Mas confirma que as conversas no sentido de introduzir ou não um personagem gay nas páginas dos quadrinhos do grupo existem. “Não se sabe ‘se’ e ‘quando’”, afirma.

 

“Eu escuto a voz do povo, a voz dos costumes, das coisas que estão acontecendo”, justifica. “E nós temos realmente uma preocupação de retratar o que está acontecendo na sociedade. Quando for o tempo e o momento, nós vamos ter personagens de todas as linhas, inclusive um homossexual. Mas eu não sei ainda como, nem quando, nem onde. A nossa filosofia é seguir a sociedade, o que ela está aceitando”, reforça.

 

“Uma coisa posso adiantar: nunca usaria qualquer coisa de gênero nas histórias infantis. Isso é fora de cogitação”, dando a entender que, na eventualidade de tal personagem virar realidade, deverá fazer parte de uma linha paralela, como a Turma da Mônica Jovem ou as graphic novels que partem do universo criado por Mauricio para desenvolver narrativas mais complexas, voltadas ao público mais crescido.

 

“Eu e os nossos roteiristas sentimos e intuímos o que está acontecendo na sociedade, e vamos seguindo o que a gente sente que é de bom tom, que é necessário para se comunicar, para não ficar atrasado em algumas coisas”, complementa, dando como exemplo mudanças que já foram feitas, como o fato de recentemente Chico Bento passar a não aparecer nos gibis soltando balões, ou do Cebolinha ter deixado de pichar muros xingando a Mônica.

 

Explicar histórias para a ditadura era “desaforo”

É de fato um mundo novo que vai sendo construído, cheio de desafios, e também cheio de possibilidades. Mas Mauricio segue entusiasmado, com a força de quem já teve problemas maiores para enfrentar na carreira. Entre o final dos anos 70 e começo dos anos 80, por exemplo, o material físico para fazer filmes era caro e precisava ser importado. E até mesmo as histórias da Turma da Mônica precisavam ser averiguadas antes pela ditadura.

 

“Depois de algum tempo íamos à Brasília para submeter [os filmes] ao pessoal do governo ditatorial, para ver se o roteiro da história da Mônica passava pela censura”, lembra. “Não corria o risco de censura porque a gente era muito cuidadoso, a gente sabia onde estava, naquele Estado policialesco. Mas eu tinha obrigação de ir até Brasília para explicar cada história. Para qualquer artista e qualquer criativo isso era um desaforo.”

 

“Fizemos bons filmes naquele tempo, com boas bilheterias, mas se continuasse fazendo, com esses problemas que a gente enfrentava, quebrava naquela época. Então dei um tempo de fazer cinema”, diz.

 

Agora, a boa aceitação de ‘Laços’ pode representar a abertura de um novo caminho na tela grande. Nas próximas semanas Mauricio já tem reuniões para definir os próximos passos de seus personagens nos cinemas. “Vai depender só da nossa criatividade”, garante. E isso nós sabemos que ele tem de sobra.

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