Rui Car
21/09/2021 11h24

Tesouro escondido: Locomotiva rara no Brasil começa a ser restaurada em SC

Etapa inicial de recuperação está sendo executada com recursos do próprio Museu Ferroviário

Assistência Familiar Alto Vale
Delta Ativa

RECEBA NOTÍCIAS NO SEU WHATSAPP

CLIQUE AQUI

 

Um trabalho minucioso, como se fosse o de um ourives que vai burilando a joia valiosa, promete recuperar uma raridade histórica. Há poucos dias, voluntários que atuam no Museu Ferroviário de Tubarão deram início ao processo de restauração da locomotiva Mallet 203 – um dos únicos exemplares deste modelo existentes em todo o Brasil. É um retrato e um documento de nosso passado, e que agora trava a batalha inglória contra os ataques da ação do tempo.

 

Enquanto esteve em atividade, a Mallet 203 serviu ao transporte de carvão, cuja carga escoava pelos trilhos e dormentes da rede ferroviária federal. Trata-se de uma locomotiva articulada e de grande porte, por isso mesmo ideal para o trajeto entre Imbituba e as minas de Lauro Müller, com poucas retas e muita sinuosidade.

 

De origem americana, foi fabricada pela Baldwin Locomotive Works em 1950. Aqui, foi uma das engrenagens do auge do carregamento de carvão extraído em Lauro Müller entre 1960 e 1970. Até que veio a enchente de 1974 e destruiu este ramal, acelerando os planos logísticos do governo federal de desativá-lo. A partir de então, a Mallet 203 foi sendo preterida por outros modelos de locomotiva, como a Santa Fe e Texas, que eram mais adequadas aos ramais menos curvilíneos.

 

Hoje no Brasil existem três locomotivas do modelo Mallet, que operaram aqui na Ferrovia Tereza Cristina: a 203, que está sendo restaurada, a 205, que fica na Praça Tereza Cristina, no Centro de Tubarão, e a 204, a qual foi transferida para Rio Negrinho“, comenta a museóloga Silvana Silva de Souza, do Museu Ferroviário de Tubarão.

 

A restauração

 

Por se tratar de um modelo raro no país, a restauração da Mallet 203 é urgente. Iniciado no dia 10 deste mês pelos próprios voluntários, o trabalho está sendo executado com recursos próprios do museu. Esta etapa inicial consiste em uma fase de higienização, com a lavagem e a retirada da oxidação das chapas de metal. Está começando também o teste de ultrassom na caldeira, a parte considerada o coração da locomotiva a vapor.

 

Como explica a museóloga, se não for viável uma reforma que literalmente possa colocar a antiga Mallet em atividade nos trilhos de novo, a outra opção será um restauro que a reabilite para exposição no museu, na Avenida Pedro Zapelini. Ainda é cedo para falar em valores, mas, a julgar por outros processos de restauração, o orçamento pode variar de R$ 300 mil a R$ 400 mil. Mas tudo depende do diagnóstico e outros fatores mais externos, como as oscilações do dólar, por exemplo. Afinal, muito da locomotiva é feito em metal.

 

Por ter um vasto acervo à disposição para pesquisas, muitas das peças que poderão ter de ser refundidas contam com projetos e moldes armazenados no próprio museu. Para as próximas etapas do restauro, os voluntários terão de ir atrás de apoio e recursos. “A Mallet está em condição muito desgastada. Para não agravar, começamos o restauro para estabilizar“, diz Silvana.

 

Funcionário da Ferrovia Tereza Cristina (FTC), há três anos Joel Correa Pires é um dos voluntários da Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor (SALV) – órgão que administra o Museu Ferroviário – e dedica parte de seu tempo à restauração da Mallet 203. “É um longo caminho. A gente ainda tem muito o que fazer. Mas a gente vai conseguir“, comenta.

 

São cerca de oito pessoas envolvidas no restauro da locomotiva. Mas a tarefa é mais desafiadora ainda porque se dá com recursos próprios, os quais também precisam ser divididos com os demais custos operacionais do museu. “Estamos buscando meios de fazer com que as pessoas venham nos ajudar a fazer a restauração desse bem, que é histórico“, diz Joel.

 

A museóloga Silvana Silva de Souza também cita a limitação dos recursos financeiros para aplicação no museu. “São vários investimentos que estamos fazendo. E os nossos recursos são poucos. Não temos uma reserva que possa dar conta de toda a necessidade do museu. A gente foca no prioritário”, relata.

 

O restauro é feito no próprio museu, em um de seus galpões, na área de oficina. Cada peça da parte mecânica será analisada e restaurada. Apesar do trabalho minucioso, é considerada a fase mais simples quando comparada com as intervenções na caldeira – o momento mais complexo.

 

Há muito tempo estávamos querendo restaurar a Mallet. Com incentivo de um e outro, a gente deu o início. Quando a gente vai concluir, é difícil dizer porque depende de recurso“, declara o diretor-presidente da SALV, Everaldo Barreto da Silva.

 

O museu

 

Quem mantém o Museu Ferroviário e todo o seu rico acervo é a SALV. Para angariar recursos, a entidade, fundada em 1997, conta com uma loja de souvenir, colaboração espontânea de visitantes do museu e passeios de trem. Em sua coleção, há 24 locomotivas, das quais 14 estão em exposição no museu da Avenida Pedro Zapelini. O restante está em áreas de pátios cedidas por meio de uma parceria com a FTC.

 

É um acervo público e federal. A gente cuida e investe, mas o dono é o governo federal, através do Dnit e IPHAN“, explica museóloga Silvana Silva de Souza. Pelo menos outras quatro locomotivas também precisariam de restauro, porém, devido ao alto custo do investimento, impraticável para a SALV, elas podem ser cedidas a outros municípios, após avaliação dos órgãos federais. São também duplicatas de outras locomotivas já restauradas e em exibição no museu, o que não causaria desfalque no acervo local. Uma dessas transferências pode ser para o museu da vizinha Pedras Grandes, mas ainda carece de aprovação. “Como todo processo público, é um pouco demorado“, diz.

 

O conjunto, com exceção das locomotivas disponíveis para transferência, está tombado pelo município, e provisoriamente pelo Estado. “Aqui em Tubarão temos um Museu Ferroviário que guarda a memória nacional ferroviária, com ênfase na história da Estrada de Ferro Donna Thereza Christina, desde 1884. E o acervo de locomotivas é parte do grande conjunto de mais de 40 mil itens que preservam esta memória”, ensina a museóloga.

 

Deste conjunto de locomotivas, a mais antiga é um Locobreque de 1900, que não operou na região, mas foi trazido do Distrito de Paranapiacaba, em Santo André (SP). Neste momento, o museu está também remodelando as exposições de sua pinacoteca, onde mantém o seu conjunto de artes visuais. Entre locomotivas e demais objetos (só de fotografias são 15 mil exemplares), há um dos maiores acervos da América Latina, quase no quintal de casa.


POR: WILLIAN REIS – FOLHA REGIONAL

SIGA AS REDES SOCIAIS DA RÁDIO EDUCADORA: INSTAGRAMFACEBOOK YOUTUBE.
Justen Celulares