Rui Car
28/05/2019 12h10 - Atualizado em 28/05/2019 10h36

Checamos os argumentos apresentados pelo Cruzeiro para se defender de denúncias

Dirigentes cruzeirenses convocaram a imprensa para uma entrevista coletiva, no dia seguinte à reportagem do Fantástico, e falaram sobre os casos de Cristiano Richard e Messinho

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Wagner Pires de Sá e Itair Machado convocaram a imprensa para dar explicações, numa entrevista coletiva, sobre denúncias apresentadas pelo Fantástico no último domingo. Ambos falaram principalmente sobre os casos de Cristiano Richard, Messinho e Arrascaeta, acompanhados do diretor financeiro Flávio Pena e do advogado Edson Travassos. É importante analisar algumas das respostas dadas pelos dirigentes.

1. Cristiano Richard

O ponto mais sensível da entrevista tocou no caso de Cristiano Richard, empresário que recebeu do Cruzeiro, segundo documento lavrado em cartório, parte dos direitos econômicos de dez jogadores, entre eles um menor de 12 anos, para quitar um empréstimo no valor de R$ 2 milhões.

Os dirigentes usaram dois argumentos para dizer que o Cruzeiro não havia cedido direitos econômicos para quitar o empréstimo. O primeiro foi que haveria um documento mais recente – que a reportagem não teria encontrado. Este documento é um “termo de retificação sobre o contrato de mútuo”, no qual as disposições dos contratos anteriores são alteradas para desfazer a entrega dos direitos econômicos dos atletas e fazer uma repactuação (em português claro, a renegociação da dívida).

O documento era realmente recente. Foi assinado em… 27 de maio de 2019. Ou seja, na segunda-feira, ontem, data da entrevista coletiva – um dia depois da reportagem exibida no Fantástico . E a sua redação contém um erro. Na cláusula em que o clube menciona ter pago R$ 200 mil a Cristiano Richard em 14 de fevereiro de 2019, a quantia que aparece entre parênteses, por extenso, é a de “seiscentos mil reais”.

Documento à parte, o maior problema da argumentação dos dirigentes está em confundir dois termos juridicamente distintos: garantia e dação. Segundo os dirigentes na coletiva, o clube não cedeu percentual dos jogadores, e sim deu esses percentuais como garantia de empréstimo. Neste caso, eles apenas seriam usados para quitar o valor inicial caso os pagamentos não fossem honrados no prazo. Mas no contrato entre Cruzeiro e Cristiano Richard registrado em cartório os termos usados são somente “dação” e “quitação do empréstimo”.

De acordo com o Código Civil, a dação acontece quando um acordo entre credor e devedor é quitado com uma prestação diferente da que é devida. De maneira mais clara, a dação é a substituição de um tipo de pagamento por outro. Quando o Cruzeiro promete ao empresário pagar os R$ 2 milhões emprestados em dinheiro, mas decide que quitará a dívida com jogadores, houve uma dação. O vice de futebol Itair Machado falou que seria possível haver dupla interpretação. Segundo advogados consultados pelo blog, não há como confundir garantia e dação.

2. Messinho

Os dirigentes também argumentaram que não houve ilegalidade na venda de 20% dos direitos econômicos de Estevão William, o Messinho, garoto de 12 anos que foi incluído na “cesta de direitos”.

– Não é ilegal. Se você tiver o documento da CBF que fala que é ilegal, você me mostra. Não vendemos. Enquanto ele estiver vestindo o manto sagrado, ele, queira ou não, é patrimônio do Cruzeiro. Não ter contrato ainda é questão da lei. O Cruzeiro pode dar como garantia qualquer patrimônio dele. Nós não vendemos. É ilegal vender jogador para particular ou terceiro. Dar como garantia é outra coisa. Enquanto o jogador estiver no Cruzeiro, ele é nosso – disse Itair Machado.

A ilegalidade neste caso não é definida pela CBF, e sim pela legislação brasileira. O Código Civil estipula que não existe contrato entre duas partes quando o objeto ilícito, impossível ou indeterminável. A Lei Pelé sustenta no artigo 29 que apenas depois dos 16 anos de idade é possível a assinatura de um contrato de trabalho desportivo. No entendimento dos dois textos, segundo Marcelo Jucá, presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/RJ, não há como entender que o menino seja um patrimônio. Logo, não poderia ser dado nem como garantia.

3. Arrascaeta

Em relação à contabilização de Arrascaeta no exercício de 2018, embora tenha sido vendido apenas em 2019, o diretor financeiro Flávio Pena voltou a defender a inclusão do atleta da maneira como o balanço foi apresentado – ainda que nem mesmo a auditoria externa contratada pelo clube em abril tenha concordado, pois fez ressalva a respeito dela.

– Eu já expliquei isso uma vez e me parece que as pessoas não conseguem compreender. Nós tivemos não só uma [proposta pela venda de Arrascaeta], nós comentamos na imprensa que tivemos uma só, mas foram três. Tivemos uma proposta desta que falei, firme, em dezembro, com valor, tá certo? Com datas de pagamento e com pedido de indisponibilidade do atleta para que ele pudesse treinar. Em função do CPC 47, alínea 9, eu poderia fazer – disse Pena.

Segundo contadores consultados pelo blog, no entanto, a alínea 9 do Código de Pronunciamento Contábil (CPC) trata da identificação do contrato no balanço, e não da “satisfação de obrigação de performance” – termo que, em português mais claro, corresponde à obrigação de o Cruzeiro entregar Arrascaeta ao comprador, ou seja, à execução do negócio. A assinatura do contrato ocorreu só em 2019.

Eis a transcrição do que diz a linha 31. “A entidade deve reconhecer receitas quando (ou à medida que) a entidade satisfizer à obrigação de performance ao transferir o bem ou o serviço (ou seja, um ativo) prometido ao cliente. O ativo é considerado transferido quando (ou à medida que) o cliente obtiver o controle desse ativo.” O blog já tratou do assunto de maneira detalhada há um mês, quando o dirigente apresentou a versão a uma rádio mineira.

 

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