Para os ucranianos, especialmente os torcedores do Shakhtar Donetsk, Paulo Fonseca é o português que ocupa os trending topics na sede da final da Liga dos Campeões – entre o Real Madrid, de Cristiano Ronaldo, e o Liverpool. Além do bicampeonato da Copa e da Liga Ucraniana, o Shakhtar treinado por Fonseca deixou boa impressão no torneio europeu, a ponto do português ser cobiçado por times ingleses como West Ham e Everton. Aconteceu, então, algo que geralmente se passa só com atletas: os comentários do Instagram de Fonseca, que usa a rede social de forma muito mais ativa que outros colegas de área técnica, foram dominados por pedidos de torcedores.
Os ucranianos queriam que ficasse; os ingleses, claro, que saísse. Alguns aproveitavam o embalo para elogiar a elegância do treinador, de 44 anos, que costuma publicar fotos de terno e com pose de galã — daquelas que fariam você, internauta comum, ser chamado de “caça-like”. No caso de Fonseca, há uma diferença: em Kiev, ele é um pop-star — embora seus 13 mil seguidores na rede social não façam frente aos 126 milhões que acompanham seu compatriota Cristiano Ronaldo. No fim das contas, o treinador renovou por mais dois anos com o Shakhtar.
Depois de uma década sob o comando do romeno Mircea Lucescu, treinador veterano e de estilo explosivo, o Shakhtar resolveu se renovar em 2016. Apostou em Fonseca, que havia levado o Braga ao título da Copa de Portugal e, mais impressionante, feito o nanico Paços de Ferreira terminar o campeonato em terceiro e disputar a pré-Liga dos Campeões. Quando teve sua chance no Porto, porém, foi demitido antes de completar uma temporada.
— Minha ascensão foi muito rápida, e talvez eu não estivesse preparado (em 2013) para dar este salto até o Porto. Eu gosto de considerar este momento como de aprendizagem — afirmou Fonseca ao EXTRA.
Quando teve a chance de um novo salto, no entanto, o português não fugiu ao seu estilo: trouxe para o Shakhtar seu apreço por um futebol ofensivo e pela posse de bola. Suas referências são Maurizio Sarri, do Napoli, e Pep Guardiola, do Manchester City. Os dois foram seus adversários na fase de grupos da Liga dos Campeões deste ano. Fonseca derrotou ambos, e o Shakhtar avançou às oitavas de final, quando caiu para a Roma.
Sem renegar seu próprio DNA, o treinador português usou seu Instagram para publicar fotos dos encontros com Sarri e Guardiola, sob a legenda “grande prazer e grande desafio jogar contra os melhores”. E mostrando que é tão descolado quanto as redes sociais pensam, cumpriu uma promessa feita dentro do Shakhtar e comemorou a classificação vestindo uma fantasia de Zorro diante dos jornalistas. Para Fonseca, a busca por um ambiente harmônico é parte indissociável de sua visão de futebol.
— Qual é o jogador que não se sente bem ao ter a bola? Quem não se sente valorizado quando participa mais do jogo? Eu não abdico daquilo em que acredito, e para mim o jogo deve ser jogado com a bola. Até para defender a melhor forma é com a bola, porque aí você controla o jogo — reflete Fonseca, numa profissão de fé pelo “guadiolismo” ou “sarrismo”. — Mas para isso é preciso ter coragem. Não se pode ter receio de arriscar, seja contra quem for. E meus jogadores são assim.
A título de exemplo, Fonseca lembra as estatísticas de seu Shakhtar nos jogos contra o Manchester City, um time que costuma subjugar seus adversários. Na derrota por 2 a 0 na Inglaterra, o time ucraniano quase emparelhou a posse de bola com o time de Guardiola: teve 44%, contra 56% dos anfitriões. Já na vitória por 2 a 1 em Kiev, decidida com gols antes da metade do primeiro tempo, o time de Fonseca viu o City tomar mais a iniciativa no restante do jogo e ter a bola por dois terços do tempo. Mesmo assim, o Shakhtar finalizou 13 vezes, sendo seis na direção do gol, contra dez chutes do City (dois no gol).
— Com o Lucescu não costumávamos jogar no contra-ataque, sempre saindo para o ataque de forma aguda, com jogadores muito rápidos — analisa o meia Marlos, brasileiro naturalizado ucraniano e um dos líderes do Shakhtar atual. — Hoje nós temos mais a bola. O Paulo é mais cadenciado. Acho que a gente conseguiu com ele achar um meio termo entre o processo ofensivo e o defensivo.
— Minha adaptação foi relativamente fácil. Só foi difícil mudar um bocadinho a cabeça dos jogadores — pondera Fonseca. — Eles tiveram um treinador por 12 anos que tinha uma maneira totalmente diferente de pensar e executar o jogo. Mas o fato de ter tantos brasileiros me ajudou neste ponto. Não só pela língua, mas pela forma como entendem esse tipo de coisa.
Em retaliação à presença de separatistas pró-Rússia no leste do país, o governo da Ucrânia decidiu boicotar a Copa do Mundo. Os canais de TV estatais não vão transmitir a competição, e até jornalistas do país tiveram dificuldade de se credenciar via federação nacional. Com bom humor, Fonseca conta que tem aprendido a falar russo, e não ucraniano, desde que chegou ao Shakhtar. São idiomas similares, mas a língua do país da Copa ainda é mais falada no dia a dia na Ucrânia, que foi república soviética por quase sete décadas. O aprendizado de russo não trouxe qualquer problema ao treinador. Pelo contrário: para alguém de Portugal, país em que é disseminado o nome “Rui”, o perigo é justamente não falar russo.
— Isto é um palavrão! — diverte-se Fonseca. — Tive uma história curiosa por conta disso aqui na Ucrânia. Eu tenho um amigo com esse nome, e vinha a conversar com ele por telefone no carro, sempre chamando-o pelo nome. Percebi que o motorista ficava muito admirado cada vez que eu falava aquilo. Só depois me explicou que era um palavrão — ri o treinador, referindo-se à palavra russa “khui”, de pronúncia idêntica e tradução impublicável.
Apesar das armadilhas do idioma — que devem causar problemas especialmente ao goleiro Rui Patrício, titular de Portugal —, Fonseca acredita que a seleção de Cristiano Ronaldo tem condições de fazer uma boa campanha na Rússia. Ele ressalta, no entanto, que a cobrança sobre Portugal não pode ser tão alta quanto sobre seleções como Brasil e Alemanha. Para Fonseca, o mais importante para seu país no momento é descobrir novos talentos e prepará-los para o futuro. Mesmo sendo um símbolo de renovação no Shakhtar, ele não se vê como alguém ideal para uma eventual aventura na seleção portuguesa.
— Não, não, não, não. Não ambiciono treinar seleções. Claro que algum dia pode acontecer… mas prefiro trabalhar em clubes. Isto que acontece nas seleções, de não vir todos os dias para o treino, não perceber a evolução diária dos jogadores, estar afastado, isto não é para mim. Quero o dia a dia, a convivência com os atletas e o cheiro da relva.