Rui Car
10/04/2018 12h30 - Atualizado em 10/04/2018 08h48

Corra, Mohamed Salah! A história por trás do egípcio que virou Rei em Liverpool

Salah pôs educação de lado e enfrentou nove horas diárias de viagem para virar jogador

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Mohamed Salah, quando garoto, queria ser jogador de futebol. E não havia quem fosse capaz de convencê-lo a desistir da ideia. Fã de Ronaldo, Totti e Zidane, seus três principais ídolos, ele era irredutível. Mas almejar isso no Egito é como querer viver de críquete no Brasil, de surfe na Noruega ou de qualquer outro esporte num país sem tradição para tal. Para estar entre os melhores, ele tinha em mente que o caminho seria tudo, menos fácil – teria que desbravá-lo. E não viu outra saída senão correr.

 

A princípio, no sentido figurativo: Salah correu atrás do sonho, mesmo com percalços aos montes. O primeiro contrato profissional foi assinado aos 14 anos, no Al Mokawloon. O centro de treinamento do clube, situado na capital Cairo, ficava a quatro horas e meia de viagem de Nagrig, sua cidade-natal. Portanto, ele peregrinava por nove horas, cinco dias na semana, para ir e voltar dos treinos.

 

É óbvio que a educação ficou em segundo plano. Diante da exaustiva maratona, Salah obteve uma carta que o autorizava a ficar apenas duas horas no colégio. Do contrário, não chegaria a tempo para treinar.

 

– Não foi fácil, eu sofri muito por isso – recordou à “ESPN” certa vez.

Em campo, Salah corria – agora no sentido literal. Era um velocista desde pequeno. A exemplo de Gareth Bale, do Real Madrid, começou na lateral-esquerda. Mas Said El-Shishini, seu treinador ainda na base, conta que teve motivos para acreditar que o jovem renderia melhor no ataque, principalmente depois de uma partida em que perdeu cinco oportunidades claras, de frente para o goleiro. Havia demasiado desperdício de energia, ele argumentara. O resultado após a mudança de posição lhe deu razão: Salah terminou o campeonato com 35 gols.

 

Continuou correndo, porém cada vez mais na direção do gol. Por consequência, balançar as redes virou rotina. O lateral que virou atacante, aos 16 anos, recebeu o convite para fazer parte do elenco profissional do Al Mokawloon. Ali caíra a ficha de que o sonho de se tornar jogador era palpável, como declarou em entrevistas ao longo da carreira. Toda aquela romaria valera a pena.

 

Na temporada seguinte, 2009/10, Salah era titular e destaque. O menino de 17 anos evidentemente tinha algo que o sobressaltava em meio aos outros egípcios. Ganhou confiança – guarde bem essa palavra. A equipe terminou o campeonato daquele ano em 11º e, do ano seguinte, em último. Mas a aventura do nosso personagem na segunda divisão foi curta graças a um episódio que marcou a história do futebol do Egito.

 

Da tragédia, a esperança

O massacre no Estádio Port Said em fevereiro de 2012, que ocasionou a morte de 74 pessoas, é uma mancha. Naquele dia, um equívoco de quem era responsável pela segurança transformou o palco da partida entre Al Masry e Al Ahly numa praça de guerra. Os campeonatos do país foram suspensos por dois anos em decorrência da tragédia, deixando jogadores de futebol sem calendário. Salah entre eles.

 

Salah em ação pelo Egito contra o Brasil de Coutinho em 2011. Coincidentemente, os dois jogariam juntos no Liverpool (Foto: LUIS ACOSTA / AFP)Salah em ação pelo Egito contra o Brasil de Coutinho em 2011. Coincidentemente, os dois jogariam juntos no Liverpool (Foto: LUIS ACOSTA / AFP)

Salah em ação pelo Egito contra o Brasil de Coutinho em 2011. Coincidentemente, os dois jogariam juntos no Liverpool (Foto: LUIS ACOSTA / AFP)

 

Àquela altura, as boas atuações por sua equipe haviam rendido prestígio. Ele passou, por exemplo, a ser chamado para as categorias de base da seleção nacional. E um clube ou outro demonstrava interesse. Mas precisava jogar para dar sequência a tudo isso. Foi então que, em março, o Basel marcou um amistoso contra a seleção sub-23 do Egito. As palavras são de Bernhard Heusler, presidente do clube suíço na ocasião:

 

– A única razão de querermos aquela partida era a chance de ver Mohamed Salah in loco. Nunca vou esquecer o que eu vi naquele campo, ficamos tão impressionados. Ele foi incrível – contou ao site britânico “Sky Sports”.

 

– Eu nunca havia visto um jogador com tanta velocidade na minha vida inteira – completou.

Dizem que Salah correu tanto naquele dia que só parou quando assinou o contrato de quatro anos com o Basel. A porta de entrada para a Europa estava aberta, e o clube que escolhera fornecia o ambiente perfeito: uma liga de pouca expressão onde ele poderia se destacar; e frequência assídua nas duas principais competições europeias.

 

– Quando você sai do Egito para a Europa, você não fala a língua, sua família está no Egito, e viajar para vê-la é difícil. Mas o que estava claro desde o início é que eu não queria voltar até ser um jogador de alto nível… ou aposentado (risos). Eu sabia que não tinha opção de retornar, não me via jogando alguns meses na Europa e voltando. Isso nunca passou pela minha cabeça – declarou em entrevista ao espanhol “Marca”.

 

No Basel, Salah atuou por pouco mais de uma temporada e marcou 20 gols em 79 partidas. Sob o comando do técnico Murat Yakin, brilhou principalmente na Liga Europa ao marcar um dos gols que ajudou a eliminar o Tottenham nas quartas de final. Depois, nas semis, também fez contra o Chelsea, mas a equipe foi eliminada com duas derrotas (2 a 1 e 3 a 1).

 

Contra o Tottenham:

 

 (Foto: Reprodução) (Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

Contra o Chelsea:

 

 (Foto: Reprodução) (Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

 

Transferiu-se justamente para o Chelsea na temporada seguinte. Definitivamente sua pior passagem por um clube. Nos Blues, Salah não dispunha da confiança de José Mourinho, que, por sua vez, pouco colocava o egípcio para jogar. Quando deu por si, estava sendo usado como moeda de troca com a Fiorentina no negócio que levou o colombiano Cuadrado para o clube de Londres.

 

O período na Fiorentina foi como começar de novo. Contido, o egípcio não costuma falar sobre a frustração no Chelsea, mas havia uma motivação particular que o fazia querer provar o seu valor – desde o princípio, nas peladas descalço em Nagrig. Os gols voltaram no ano em que a equipe terminou em quarto lugar no Campeonato Italiano (foram nove em 26 partidas). Depois, na Roma, mais 34 gols.

 
 

 (Foto: infoesporte) (Foto: infoesporte)

(Foto: infoesporte)

Quando menos esperava, a chance de voltar à Premier League apareceu. Desta vez, pelo Liverpool.

 

Salah, o Rei Egípcio

Jürgen Klopp tem papel de extrema importância no momento vivido por Mohamed Salah, autor de 38 gols até aqui na temporada e artilheiro isolado da Premier League, com 29 – mais três, e ele se torna o maior goleador desde que o campeonato passou a ser disputado por 20 clubes. A contratação do egípcio, a quarta mais cara da história do Liverpool (€42 mihões), passou pelo crivo pessoal do treinador.

 

– Ele mudou algo em mim. Estou jogando mais perto do gol do que jogava nos outros clubes – reconhece o jogador, atualmente com 25 anos.

 

Com Klopp, a confiança estava definitivamente de volta. Salah tornou-se peça-chave de uma equipe que tem por essência jogar para frente, e que por isso se acostumou a acabar com as partidas em intervalos muito curto de tempo. O primeiro jogo das quartas de final da Liga dos Campeões, contra o Manchester City, foi um exemplo disso – com um gol do atacante, inclusive. Na vitória por 5 a 0 sobre o Watford, pelo Inglês, ele marcou quatro vezes. Um feito inédito na carreira.

 
 

Não demorou para o carismático jogador egípcio, eleito o melhor do continente africano em janeiro, ser abraçado pela torcida do Liverpool. Nas arquibancadas, os gritos ecoam:

 

“Mo Salah, Mo Salah, Mo Salah

Correndo pela ponta

Salah lah lah lah lah lah

O Rei Egípcio”

 

 

Paralelamente à fase sem precedentes no Liverpool, Salah assumiu o protagonismo de sua seleção. O camisa 10 comandou a campanha que levou o Egito de volta à Copa do Mundo 28 anos depois. Foi dele o gol de pênalti aos 50 minutos do segundo tempo na vitória por 2 a 1 sobre o Congo, que carimbou o passaporte para a Rússia. Oito minutos antes, os egípcios haviam sofrido o empate, e a imagem que é uma mistura de decepção e incentivo na reação de Salah rodou o mundo.

 

Relembre:

Mas não foram as atuações com a camisa da seleção, sozinhas, que transformaram Salah em uma espécie de ícone no Egito. O jogador jamais negou suas origens. Pelo contrário, faz uso da sua imagem e principalmente do dinheiro para ajudar o povo egípcio com frequência.

 

Eis alguns fatos sobre Mohamed Salah:

  • Salah faz doações frequentes a hospitais, centros de reabilitação, escolas e casas religiosas de Nagrig.
  • Ele fundou um instituto de caridade na comunidade de Basyoun que ajuda moradores de extrema pobreza.
  • A escola onde ele estudou foi rebatizada e recebeu o nome de “Mohamed Salah Industrial High School”. E o Ministério de Educação do estado de Gharbia informou que vai fazer o mesmo com outras instituições de ensino.
  • Salah visita sua cidade-natal sempre que pode, principalmente durante o Ramadã.
  • Mamdouh Abbas, famoso empresário egípcio, ofereceu a Salah uma casa de luxo como prêmio pelo gol que levou o Egito para a Copa. Ele recusou e disse que ficaria mais feliz se uma doação fosse feita para Nagrig.
  • No dia do jogo contra o Congo, a casa onde mora a família de Salah foi roubada. O ladrão foi encontrado, mas Salah pediu para que ele não fosse preso. Em vez disso, deu dinheiro a ele e o ajudou a reconstruir a vida.
 

Salah tem sete gols marcados na Liga dos Campeões, é o artilheiro do Liverpool ao lado de Roberto Firmino e Mané. Mas é dúvida para o jogo contra o Manchester City nesta terça por conta de um desconforto muscular – a bola rola às 15h45 (de Brasília), em Manchester, e o GloboEsporte.com acompanha todos os lances em tempo real. Klopp se disse esperançoso, mas o jogador terá que correr para se mostrar 100% até o momento do duelo.

 

Um momento… alguém disse correr?

 

Salah no treino do Liverpool (Foto: Carl Recine / Reuters)Salah no treino do Liverpool (Foto: Carl Recine / Reuters)

Salah no treino do Liverpool (Foto: Carl Recine / Reuters)

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