Rui Car
19/02/2019 15h35 - Atualizado em 19/02/2019 14h20

Da infância na roça ao medo de avião: conheça outro lado do zagueiro Manoel, do Corinthians

Autor de gol no Majestoso, jogador já teve que provar que não era "gato" na adolescência

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A relação de Manoel com o Corinthians começou bem antes de ele ser contratado pelo clube, no mês passado.  Esta história vem do fim dos anos 1990, quando Manoel vivia no povoado de Piratininga, município de Bacabal, no Maranhão, a 240 km da capital São Luís. Na roça, o futebol logo passou a ser a principal diversão do garoto.

 

Um dos poucos lugares para jogar bola na região era a escolinha do “seu” Paulo, chamada… Corinthians. Lá, Manoel chegou como atacante, mas logo teve de mudar de posição por “ser muito grosso”, como ele mesmo conta.

 

Assistir aos jogos dos clubes profissionais não era tarefa muito fácil na época, mas Manoel não tardou a escolher o Timão para torcer. Destes tempos, ele se recorda de ter uma camisa pirata, com o patrocínio da Batavo, que vestiu Marcelinho Carioca, Ricardinho e outros craques entre 1999 e 2000. A paixão pelo clube estava no corpo e também nas paredes de casa, como mostra essa foto:

 

 

Manoel, durante a adolescência, com pôster do Corinthians na parede — Foto: Arquivo pessoalManoel, durante a adolescência, com pôster do Corinthians na parede — Foto: Arquivo pessoal

Manoel, durante a adolescência, com pôster do Corinthians na parede — Foto: Arquivo pessoal

 

 

O início da carreira, porém, não foi lá muito promissor. Após insucesso em um clube do Ceará, Manoel largou o futebol por alguns meses e passou a ajudar o pai na lavoura, plantando arroz, feijão, milho e outros alimentos para consumo da família.

 

 

O trabalho braçal o ajudou a desenvolver músculos. Se hoje o porte físico avantajado ajuda o zagueiro a roubar bolas e fazer gols, como o do último domingo, no clássico contra o São Paulo, no passado isso já foi um problema:

 

– Fiz teste no PSTC, do Paraná, e não passei porque disseram que eu era gato, não acreditaram que eu nasci em 1990. Fizeram vários exames de osso em mim. Eu trabalhava na roça desde cedo, e acabei ficando forte. Na verdade, eu era meio gordinho, mas achavam que eu era gato. Depois se arrependeram – contou Manoel, entre risadas, ao GloboEsporte.com.

 

 

Na base, por ser mais forte que os demais, Manoel teve de comprovar que não era "gato" — Foto: Mário AlbertoNa base, por ser mais forte que os demais, Manoel teve de comprovar que não era "gato" — Foto: Mário Alberto

Na base, por ser mais forte que os demais, Manoel teve de comprovar que não era “gato” — Foto: Mário Alberto

 

Esta é apenas uma das várias histórias curiosas que Manoel conta nesta entrevista, que conta com charges de Mário Alberto. Tem de tudo, do medo de viajar de avião ao primeiro namoro dele, iniciado em 2018. Leia abaixo:

 

GloboEsporte.com: Como foi o seu início no futebol?
Manoel: 
– Comecei numa escolinha chamada Corinthians. Jogava de atacante, porque era maior do que os meninos da mesma idade, mas não era legal, porque eu era muito grosso. Aí me botaram de lateral, acabou dando certo, até que tive oportunidade de ir para o Uniclinic, de Fortaleza. Fiquei quatro meses lá e me mandaram embora. Voltei pra casa e fui trabalhar com meu pai na roça. Depois, fui fazer um teste num time chamado Americano, de São Luís, time formador também, de empresários. Aí fui bem e me levaram pra fazer mais testes no PSTC, de Londrina, onde Jadson e Dagoberto foram revelados. Mas também não passei, disseram que eu era gato.

 

E aí voltou de novo para o Maranhão?
– Sim. Aí, um cara chamado Dirceu Lopes, que mora em Rolândia, a 20 minutos de Londrina, me chamou para fazer testes, e eu passei. Depois de seis meses, tive proposta para vir para a base do Corinthians, do Palmeiras e do Paraná. Foi quando um cara chamado Ticão, que levava jogadores para fazer testes, me chamou pro Athletico-PR. Ele disse assim: “Se você não passar, você vai pra onde você quiser”. Passei e fiquei nove anos no Athletico, onde fiz toda minha base. O clube me deu todo o suporte no momento mais difícil da minha vida, que foi tive o caso lá de racismo, e também na morte do meu pai. Então, agradeço muito ao Athletico.

 

Como foi trabalhar na roça?
– Eu estudava de manhã, e à tarde ajudava o meu pai na roça. Trabalhava com plantação de milho, feijão, arroz, a gente plantava e depois colhia tudo. Era pra gente mesmo, dava pra algumas pessoas que não tinham o condição também, mas era mais para a família comer mesmo.

 

Sua família precisava da sua ajuda? Você fazia falta quando estava treinando?
– Sim. Lembro bem que eu e meu irmão íamos pescar, e a gente também fazia roça em pé de cerca para ganhar 12 reais por dia, no sol quente. Aquele tempo era só trabalhar, dar (o dinheiro) para minha mãe, e só comprava biscoito. Lembro até hoje que tinha um biscoito que se chamava Niquito, que todo mundo gostava. Eu só fazia isso. Trabalhava, dava o dinheiro para minha mãe e comprava biscoito. Estava bom demais.

 

Mesmo assim, seus pais te apoiaram na carreira de jogador?
– Meu pai sempre acreditou em mim. Eu fico triste de ele não estar aqui hoje para me ver, porque foi um cara que sempre me apoiou. Alguns amigos diziam que eu ia deixar o cara da van rico. Porque eu morava a 15 minutos de Bacabal, e a passagem na época era 2 reais. Muitas vezes minha mãe dava 4 reais, só pra ir e voltar, não tinha outra coisa.

 

Como era a relação com seu pai?
– A gente era muito ligado. ele falava que jogava muito, mas os caras falavam que ele não jogava, que ele só brigava (risos). Ele me ajudava muito, me dava conselhos, mas infelizmente ele faleceu há seis anos, de câncer de próstata. Foi um momento muito difícil para mim. Neste dia que meu pai faleceu, a gente teve um jogo contra o Santos, no Pacaembu, e o Athletico acabou não me liberando, pois era um jogo muito importante e a gente estava numa situação difícil. Eu não fui no enterro do meu pai. Fui sentir falta depois de uma semana. Eu ligava todo dia lá em casa, falava com a minha mãe, e perguntava do meu pai. Até cair a ficha que meu pai tinha falecido. Depois eu fiquei muito mal, mas, com apoio da minha família, acabei superando tudo.

 

É o nome dele que está no seu braço?
– Sim. O nome do meu pai é Adeziro, minha mãe é Antônia. Foi a minha primeira tatuagem.

 
 

Sua família ainda está em Bacabal?
– Está. Quando renovei meu contrato no Athletico, eu tinha 17 pra 18 anos, eu ganhei um dinheiro bom pra fazer uma casa na cidade, mas meu pai e minha mãe não aceitaram. Porque todo mundo se conhece na roça, vai comer na casa do vizinho… Aí fiz uma casa no interior. Meu empresário até falou que não teria retorno depois, mas era pra minha mãe, não importa. Até hoje, quando tenho um tempinho, vou lá, passo férias com a minha família, com meus amigos. Acho que nunca vou deixar de ir lá, foi lá que cresci, que meu pai me ensinou várias coisas.

 

Qual o maior sonho que você realizou como jogador? Algo que tenha comprado, alguma viagem que fez…
– Não gosto muito de viajar, não. Tenho medo de avião. Mas acho a maior realização foi construir a casa da minha mãe. Meu maior sonho era esse. Onde a gente morava era casa de taipa, de barro. E um sonho que ainda gostaria de realizar seria vestir a camisa da Seleção. acho que uma coisa inesquecível na minha vida. comprar mesmo só a casa da minha mãe, só isso.

 

Explica melhor essa história de ter medo de avião.
– Rapaz, você está lá em cima, só Deus. Ainda mais nesse tempo aí, Jesus! O avião é uma tremedeira danada. É sério, se tem uma coisa que não gosto é viajar de avião.

 

Para um jogador não deve ser fácil, pois o time viaja quase toda semana…
– Quando está lá em cima e eu consigo ver alguma coisa, fico mais tranquilo. Mas quando não dá para ver nada, eu fico com muito medo. Mas fazer o que, né? Vamos ter que viajar muito ainda. Eu não consigo dormir no avião. Isso me tira do sério. Mas é trabalho, né? Eu escolhi isso, então tenho que ir.

 

Por que isso? Teve alguma situação que te deixou traumatizado?
– Passei um perrengue uma vez. Foi em uma viagem que a gente foi para Criciúma, em 2012. Nesse dia comecei a chorar, pedi perdão para minha família, perdão por tudo. Foi complicado. Todo mundo estava chorando. Era avião teco-teco para piorar. Esse foi o pior da minha vida. Foi muito sério, vocês não têm noção. A gente chegou, jogou, mas voltei de táxi. Eu e o Paulo Baier pagamos 800 reais para um taxista. Aí liguei para os meus amigos: “E aí, como foi o voo?” E disseram que tinha sido tranquilo. E eu: “Sério, então só quando eu estou no voo que fica tremendo?” (risos).

 

Como está a vida em São Paulo?
– Fiquei mais no CT. Quando cheguei, também fiquei treinando em dois períodos para estar fisicamente bem. Então, conheci pouco, mas estou gostando muito de morar em São Paulo. O clube é muito bom, é um sonho realizado jogar no Corinthians, estou muito feliz.

 

Você está sozinho em São Paulo? Ou veio com alguma namorada?
– Na verdade, comecei a namorar no ano passado, estou namorando agora (risos). Mas aqui eu comecei a morar sozinho. É a primeira vez que namoro, tomara que dê certo. Eu saí de casa muito cedo, e faz dois anos que meu primo mora comigo. Tenho dois cachorros, mas sempre morei sozinho, me virei sozinho e agora estou sozinho também em São Paulo.

 

Zagueiro Manoel começou a namorar pela primeira vez no ano passado — Foto: Mário AlbertoZagueiro Manoel começou a namorar pela primeira vez no ano passado — Foto: Mário Alberto

Zagueiro Manoel começou a namorar pela primeira vez no ano passado — Foto: Mário Alberto

 

Muito se fala do sistema defensivo do Corinthians. Tem notado diferenças no trabalho do Carille?
– Com certeza, é verdade mesmo, ele protege bastante a linha defensiva, a linha de quatro. Ele para bastante o treino, diz para nunca ficar de frente para a bola, sempre de lado. E (organiza) posicionamento, que durante o jogo faz a diferença. Ficar esperto, olhar sempre para a bola… Estou chegando agora, o Fagner e o Cássio também estão me orientando bastante.

 

Como vê essa concorrência na zaga com Marllon, Léo Santos, Bruno Méndez, que está chegando…?
É bom. Acho que um clube como o Corinthians precisa ter várias opções. Tem muito campeonato nesse ano, acho que todo mundo vai ter oportunidade de jogar. O grupo só tem a ganhar. Acredito que será uma disputa sadia, todos brigando por seu espaço

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