Rui Car
16/11/2017 17h30 - Atualizado em 16/11/2017 17h34

Follmann treina com bola pela primeira vez após acidente com voo da Chapecoense

Goleiro da Chape perdeu a perna direita em acidente que vitimou 71 pessoas

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A firmeza com as mãos continua a mesma, o reflexo em dia, mas o sorriso… O sorriso de Jakson Follmann foi diferente na manhã desta quinta-feira. Praticamente um ano após o acidente de 29 de novembro, o sobrevivente voltou a se sentir goleiro. Se antes do amistoso contra o Barcelona já tinha vestido uniforme e luvas, chegou a vez de “voltar a sentir o cheiro da grama”. E com a desenvoltura e o talento que lhe são peculiares reforçou algo que a amputação da perna direita não o tirou: a capacidade.

 

Voltar a treinar e, principalmente, pisar na Arena Condá para desempenhar as funções de um atleta por si só fazem com que um filme passe pela cabeça. Follmann, por sua vez, manteve o foco, a concentração e, acima de tudo, a coragem. Não se esquivou de nenhum dos exercícios propostos pelos preparadores Rogério Maia e Marcelo a convite do GloboEsporte.com, pediu para que chutassem mais forte, defendeu, se jogou no chão e deixou o campo com novas perspectivas para o futuro.

 

– É igual a andar de bicicleta. Depois que aprende, vai embora. É uma emoção grande. Fico feliz por retornar aos gramados, relembrar um pouco o tempo que passou tão rápido. A saudade é grande, mas é boa. Acho que estou no caminho certo. Se treinar mais um pouquinho, acho que consigo voltar em uma oitava, nona divisão (risos). Brincadeira à parte, isso não tem preço.

 

 

Follmann voltou ao gol da Chape a pedido do Globoesporte.com (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)Follmann voltou ao gol da Chape a pedido do Globoesporte.com (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)

Follmann voltou ao gol da Chape a pedido do Globoesporte.com (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)

 

Do resgate na madrugada fria e chuvosa de Medellín até encarar o calor escaldante desta quinta na Arena Condá, Follmann passou por muito mais do que um processo de recuperação física. De volta à rotina normal com a prótese, era necessário encarar os medos, a saudade da bola, o nervosismo de reencontrar a maior paixão. Passado tudo isso, o próprio descreve a sensação de se sentir atleta novamente.

 

– Confesso que no começo estava meio com receio. Será que eu ia gostar, que ia ser bacana? Mas foi tudo de bom, tudo de melhor. Voltar a sentir o cheiro da grama, botar a luva, fazer uma pegada. Vou guardar isso para o resto da minha vida e quero continuar fazendo quando der. Senti que me fez bem. E o que me faz bem, vou fazer. Vou sempre praticar feliz da vida.

 

O prazer de passar aqueles pouco mais de 30 minutos debaixo das traves vai ao encontro de valores que passaram a determinar a trajetória do sobrevivente. Nestes 12 meses, cada conquista foi tratada como uma vitória pessoal por Follmann. Mesmo as mais simples, como defender bolas:

 

– Valorizo as coisas muito simples da vida hoje, coisas que passam despercebidas no dia a dia. O simples fato de ir ao banheiro, beijar as pessoas que você ama… Fiquei um período de cadeira de rodas e foi difícil, meu sonho era ficar bem pé, dar os passos, abraçar. Valorizo muito isso, o dia de hoje. Esse treino eu valorizo muito. Ganhei o dia, a semana, o mês. Sou um deficiente físico com orgulho e voltar a praticar um esporte é prazeroso demais.

 

Atualmente embaixador da Chapecoense, o goleiro (sem usar mais o prefixo ex) tem consciência da importância de suas atitudes também para deficientes físicos em todo o país. Mostrar capacidade onde muitos enxergam um problema:

 

– Sei da importância e do exemplo que sou para as pessoas. É a frase que eu falo e mais uma vez se encaixa nesta situação: “Vejo que com uma perna eu consigo chegar mais longe do que com as duas”. Em casa, ia ficar pensando se ia dar certo ou não. Vim e me senti bem para caramba. A amputação só tirou minha perna, mais nada. Faço muitas coisas, me desafio todos os dias e vejo que a complicação está na sua cabeça.

 

Por fim, Follmann falou da percepção que do acidente que mudou sua vida um ano depois. A felicidade desta quinta-feira, ele multiplica por 71, assim como a expectativa por Justiça.

 

– É difícil falar em aceitar, mas são coisas de Deus. Poderia ser evitado, só que não cabe a nós julgar. Queremos que a verdade apareça. O milagre que tive em minha vida eu queria para todos. Passou um ano, parece muito tempo, mas passa voando. A saudade vai ficar eternamente. O que faço hoje, quando pisei na Arena, pensei em todo mundo.

 

E todo mundo lembrará de Follmann. O sobrevivente, o embaixador e, mais do que nunca, o goleiro.

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