Um clube que desceu ladeira abaixo: assim é possível descrever os últimos anos do JEC. Em um intervalo de sete anos, o time conquistou o acesso à Série A do Campeonato Brasileiro, sofreu três rebaixamentos e ficou de fora de todas as competições nacionais. A história recente aponta falhas que precisam ser discutidas para entender como se chegou à atual situação.
Quem sofre diretamente com essa fase ruim é o torcedor. Atualmente, o time de futebol recebe o apoio de aproximadamente 2,4 mil sócios, um deles é o aposentado Almir Mazzoto, que acompanha o time desde a fundação em 1976. A paixão começou após a família receber o acolhimento de Joinville quando vieram de São João Batista. Na época, eles assistiam aos jogos dos times da região da Grande Florianópolis, onde desenvolveram o amor pelo futebol.
Apesar do momento crítico, Almir compreende que a turbulência é normal para qualquer clube, e que mesmo assim, não vai abandonar o Tricolor.
“Muitos torcedores tiveram o sentimento de revolta, o nosso sentimento é de angústia, porque a gente ama esse clube e não queria vê-lo nessa situação. Mas a gente até entende, porque todo clube passa por situações boas e momentos ruins. O JEC pode estar sem série nenhuma que a gente vai estar sempre aí. Sempre acompanhando e sempre juntos”, declara.
Para sair dessa situação dramática, Almir acredita que uma parceria com empresas privadas seria o melhor caminho para o time voltar aos dias de glória.
“Buscar parceiros, conversar com os ex-presidentes, buscar uma melhor solução, tentar entrar em sintonia e unir um pouco essa classe empresarial. Mesmo os pequenos empresários ajudando um pouquinho. Acho que a única saída do clube seria essa“, opina.
JEC pode vender até 90% das ações
No caminho para tentar sair do buraco, a mudança na gestão do clube é vista atualmente como uma das esperanças. No dia 30 de novembro, uma comissão formada por conselheiros do JEC apresentou um cronograma de ações para implementar a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). A SAF é uma lei que permite que os times se enquadrem como clube-empresa e possam, por exemplo, pedir recuperação judicial e negociar suas dívidas por meio da Justiça.
Ficou definido que o JEC SAF poderá ter até 90% de suas ações vendidas para investidores, enquanto 10% ficam com o clube associativo, como forma de segurança do JEC para proteger sua marca, cores, símbolos e história. Agora com a decisão tomada, o que falta para a implementação do SAF é ir ao mercado em busca de pessoas que queiram investir no futebol de Joinville.
As ações do futebol poderão ser compradas por grandes grupos empresariais e também por investidores menores. De acordo com a comissão que analisou o assunto por quatro meses, o clube classificou como “investidores qualificados” aqueles que têm experiência no futebol e já investem em ligas europeias de ponta ou em franquias esportivas nos Estados Unidos. Além dos qualificados, investidores minoritários também poderão aportar recursos no clube. Isso abre espaço para que a comunidade joinvilense, com empresários e torcedores, também possam ser acionistas e fazer parte da administração do time.
O diretor-financeiro do clube, Genivaldo Karpanno acredita que essa transformação vai demorar para acontecer.
“É uma coisa que precisa ser feita em conjunto, não dá pra fazer isso da noite pro dia. Não acredito que vai ser a nossa gestão que vai implantar isso“, declara.
Já o conselheiro do Joinville e especializado em Gestão do Esporte, Geraldo Campestrini, tem uma visão mais otimista. Em entrevista para a CBN Joinville, disse que a implementação da SAF e da profissionalização dos processos pode ser realizada em 2022:
“A gente tem um desenho que até abril ou maio o JEC já está apto, possivelmente, a se converter em sociedade empresarial no modelo da SAF“.
Quase 50 milhões em dívida; SAF não é garantia de melhora
Apesar do SAF permitir a participação de investidores na gestão, Karpanno alega que a parceria com empresários dificilmente vai resolver todas as pendências financeiras do tricolor.
“Muita gente acha que é só trocar o CNPJ e vai morrer as dívidas, não é assim que funciona. Isso é uma coisa que precisa ser muito bem estudada. Claro que é um paliativo, uma saída, mas não vai resolver os problemas, a dívida continua“, explica.
De acordo com o diretor-financeiro, o clube enfrenta um fluxo de -60% no caixa e uma dívida que gira em torno de R$ 47 milhões, sendo formada por R$ 16 milhões em ações trabalhistas, R$ 25 milhões em impostos e R$ 6 milhões em fornecedores.
Atualmente, as fontes de renda são patrocínios, sócios e bilheteria. Em 2021, o faturamento mensal foi de R$ 400 mil, mas em 2022 a receita deve ser de R$ 350 mil. Karpanno explica que o valor é menor pois o Tricolor perdeu dois patrocinadores.
Entretanto, esses valores não serão suficientes para abater a dívida milionária. Além da implementação do SAF, o caminho mais lógico para quitar esse déficit seria o sucesso dentro das quatro linhas.
“Para o clube pagar e sanar essa dívida precisava subir de divisão. O erro não foi não subir esse ano, porque fizemos uma excelente Série D, o grande erro foi não se classificar no Estadual [para a disputa da série D de 2022]“, declara.
O dirigente revela que o mal desempenho da equipe reflete diretamente no tratamento da sociedade com a diretoria.
“Quando cai fora [das competições], fica complicado até pra ir no mercado ou numa padaria. Eu e o Charles Fischer [presidente do clube] somos metralhados em todas as esquinas da cidade“, conta.
A última vez que o Coelho ficou sem calendário nacional foi em 2009, quando jogou apenas o Campeonato Catarinense e a Copa Santa Catarina, torneios que serão o foco em 2022. Será necessário fazer uma boa campanha no Catarinense, pois a vaga da Série D de 2023 é conquistada pela classificação no estadual.
Aposta no comando técnico e retorno de um velho conhecido
Para conquistar esses objetivos, um novo treinador comandará o time: Paulo Massaro. Um ex-jogador de 39 anos que antes do Coelho, só teve duas experiências como técnico em seu currículo.
Com apenas a disputa do estadual e da Copa SC, o Coelho vai precisar de uma reformulação. Massaro disse que a montagem do elenco terá que ser feita com o objetivo de ser mais precisa possível.
“Vamos procurar atletas, primeiro, pelo número de jogos feito no ano porque o campeonato é um tiro curto. Se for pra fazer aposta, a gente faz na base. Se tem base, tem que usar. Se não, não precisa ter. A gente não vai fechar os olhos para o que é formado na nossa própria casa. Quem a gente trouxer, vai ser relacionado a solução dos problemas“, explica.
O discurso do técnico vai de encontro com as intenções do presidente. Em entrevista à CBN Joinville, Charles Fischer revelou que o orçamento mensal previsto para o ano que vem é de – no máximo – R$ 120 mil mensais.
“Nós vamos ter que trabalhar nessa realidade aí […]. Vamos ter que usar muito a nossa criatividade, o aprendizado que tivemos em 2021 foi muito importante. Vamos ter que ser criativos, inteligentes e muito assertivos“, aponta.
Além de Massaro, o JEC também contratou o uruguaio Sérgio Ramirez, um velho conhecido que assumiu os cargos de gerente de futebol e coordenador técnico. Ramirez já foi treinador do Joinville em duas oportunidades entre 2006 e 2010, já em 2015 foi coordenador técnico. Agora, o uruguaio vai ter o papel de estreitar os laços entre vestiário e diretoria.
Ramirez fez parte do time que esteve na Série A, quando conquistou o acesso depois de uma conquista inédita, o título da Série B de 2014. Daquele momento em diante, o JEC caiu em uma profunda decadência.
Da elite para o deserto de competições nacionais
2015
A volta para a elite do futebol brasileiro estava sacramentada após 28 anos, quando participou do campeonato de 1986. Porém, a disputa da elite durou até a 36ª rodada. O clube foi rebaixado após sete vitórias, 10 empates e 21 derrotas, o que resultou na lanterna da competição. Desse ano em diante, o Coelho desceu ladeira a baixo.
No mesmo ano, se encerrou o mandato do presidente Nereu Martinelli, que estava no clube desde 2012 e atuou ativamente nas outras campanhas de acesso do Joinville.
2016
A equipe voltou para a segunda divisão com Jony Stassun na presidência, um mandatário que iria enfrentar problemas políticos no futuro.
Na Série B, havia a expectativa de lutar pelo acesso novamente, mas foi rebaixado mais uma vez. O Tricolor caiu para a Série C e terminou a Segundona com 9 vitórias, 13 empates e 16 derrotas.
2017
O ano era de disputa de um torneio com novo formato, mas mesmo assim a equipe não teve sucesso. O Joinville não se classificou nem para a fase de mata-mata da Série C e viu o calendário acabar mais cedo. Foram seis vitórias, sete empates e cinco derrotas.
Aquela temporada foi conturbada não só dentro de campo, mas também na política. Em novembro daquele ano, 17 conselheiros pediram o impeachment do presidente Jony Stassun. A principal alegação é que Jony aumentou demais a dívida do clube.
Entretanto, depois de alguns conflitos, tanto parte do Conselho Deliberativo quanto a diretoria esfriaram os ânimos e resolveram atuar juntos para entender a situação do Coelho.
2018
Vilfred Schapitz passou a presidir o JEC em mais um ano de fracasso. Dessa vez, pior do que anterior, quando permaneceu na divisão. Em 2018, o JEC desceu mais um degrau e foi rebaixado para a Série D. O Tricolor teve três vitórias, um empate e 12 derrotas.
2019
Na nova competição nacional, o Joinville foi eliminado de forma precoce na primeira fase e terminou a competição com duas vitórias, um empate e três derrotas. Entretanto, ele não ficou de fora da divisão em 2020, pois garantiu vaga para a Série D através do bom desempenho no Campeonato Catarinense.
2020
Em um ano atípico em virtude da pandemia, o Coelho não pode contar com a presença da torcida. Não foi possível saber se a presença do joinvilense nas arquibancadas poderia mudar a disputa de mais uma Série D, mas o fato é que o JEC fez mais um campeonato abaixo das expectativas. Foram cinco vitórias, cinco empates e quatro derrotas, e assim como no ano anterior, caiu fora na primeira fase. Mais uma vez pelo rendimento regular no estadual, a equipe confirmou vaga na quarta divisão nacional em 2021.
Além de ser eliminado, a política do clube ganhou um fato novo. Em dezembro, Charles Fischer assumiu a presidência, onde irá permanecer até 2022, quando acaba o mandato.
2021
A temporada em que o tricolor voltou à estaca zero no cenário nacional. Apesar da campanha promissora na Série D, o Joinville foi eliminado nas oitavas de final e deu adeus à chance de subir para a terceira divisão. Foram oito vitórias, oito empates e duas derrotas. Não bastasse o fracasso da eliminação, o time também ficou de fora da mesma divisão nacional em 2022, pois não se classificou pelo Campeonato Catarinense.