Rui Car
03/04/2019 16h55 - Atualizado em 03/04/2019 17h01

Não é só Tifanny: ainda longe da Superliga, clubes consultam CBV sobre inscrições de atletas trans

Equipes de circuitos estaduais consultam Confederação sobre a inscrição de três atletas transexuai

Assistência Familiar Alto Vale
Globo Esporte

Globo Esporte

Delta Ativa

De novo no centro das atenções após polêmica com Bernardinho, Tifanny abriu portas para que outros casos de atletas transexuais aparecessem no Brasil. Os passos, porém, ainda são dados longe da Superliga. Nas últimas semanas, clubes da Bahia e do Paraná procuraram a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) para consultar sobre os requisitos para que atletas transexuais pudessem entrar em quadra em competições nacionais. Mas, ao contrário da oposta do Sesi-Bauru, em disputa na semifinal da principal competição do país, todas ainda estão bem longe da elite do vôlei nacional.

 

Em todos os casos, nada foi feito além de consultas. Não há em vista nenhum caso como o de Tifanny, com chances de estar em um clube das principais divisões do vôlei nacional. Aos poucos, porém, surgem histórias parecidas. Na Bahia, o time de Simões Filho conta com duas atletas transexuais. Cláudia Andrade, uma veterana de 38 anos, tem passagens pelo vôlei da Itália e joga na equipe baiana desde o ano passado. Em competições pelo estado, se destacou e virou referência do clube, ainda semiprofissional.

 

 

– Eu comecei a jogar no feminino até antes da Tifanny. Tive algumas lutas na Justiça por isso. Mas consegui me federar em janeiro de 2017. Lógico que a entrada da Tifanny me ajudou sim, pois jogo nos estados, e a Tifanny aparece na televisão. Então ajudou com a visibilidade dela para as pessoas aceitarem um pouco mais – disse Cláudia.

 

 

Após se se tornar uma das principais jogadoras no grupo baiano, Cláudia apresentou Dandara Ferreira, também atleta trans, a Paulo Henrique Reis, técnico do time masculino e auxiliar do feminino. A nova jogadora agradou nos treinos e logo foi integrada à equipe nas competições. Mas, ao também se destacar, motivou reclamações das rivais. O caso, então, chegou à Federação Baiana de Voleibol, que consultou a CBV sobre as normas seguidas por Tifanny para poder jogar. A partir disso, então, tanto Cláudia quanto Dandara vão precisar começar a apresentar seus exames hormonais para jogar.

 

– A Cláudia é muito forte, muito boa tecnicamente, se sobrepõe às outras. No início desse ano, me chamou e apresentou a Dandara. Nós a inscrevemos, e ela foi destaque na Copa Salvador. Mas já houve contestação de meninas de outros times, querem que haja o exame periódico. E a Federação disse que só vai jogar o Campeonato Baiano com o exame em mãos. E é muito caro. Mas há contestação. No caso, se ela jogasse em outro time, eu não tenho esse problema. Mas as outras equipes contestam. Eu acho que o vôlei é um esporte agregador. Mas vai continuar isso, vai ter negativa, com certeza. Mas acho que as mulheres vão abraçar em algum momento. Vai ter a aceitação se tivermos mais casos – disse Paulo.

 

 

Time de Simões Filho na Copa Salvador — Foto: DivulgaçãoTime de Simões Filho na Copa Salvador — Foto: Divulgação

Time de Simões Filho na Copa Salvador — Foto: Divulgação

 

A terceira consulta à CBV foi no Paraná. O clube Studio Life conta com Priscila Fogaça, de 36 anos, também atleta trans. O time, que disputa o circuito amador paranaense e de Santa Catarina, sonha com a participação no campeonato estadual. E, por isso, consultou a federação local para poder contar com a jogadora.

 

– Estou correndo atrás dessa documentação. Ela já fez o processo de transição há alguns anos, tem o apoio psicológico para poder realizar o sonho dela que é jogar. No masculino, era meio complicado. Sei que temos outras meninas no Paraná na mesma situação – afirmou Wladimir Panes, responsável pelo projeto.

 

Priscila começou o processo de transição no fim da adolescência, aos 16 anos. À época, não se sentia bem jogando entre os homens na cidade onde nasceu, em Cascavel. Depois de conseguir ser reconhecida como mulher, teve a primeira chance de jogar por um time só de mulheres e foi descoberta por Wladimir. Agora, tenta dar novos passos na carreira tendo Tifanny como inspiração.

 

 

Priscila, segurando a medalha no meio da foto, e o time do Studio Life — Foto: Arquivo pessoalPriscila, segurando a medalha no meio da foto, e o time do Studio Life — Foto: Arquivo pessoal

Priscila, segurando a medalha no meio da foto, e o time do Studio Life — Foto: Arquivo pessoal

 

– Após toda a legalização dos meus documentos e reconhecimento oficial como mulher, minha técnica Simone Souza me deu a primeira oportunidade de participar em uma equipe feminina. O Wladimir me conheceu e me convidou a fazer parte da equipe Studio Life. Houve jogos que fui bem vaiada e criticada, tanto em Cascavel quanto aqui em Curitiba, como também houve bons momentos em quadra, com as colegas me incentivando a continuar a lutar pelos meus sonhos. Sempre amei jogar vôlei e admiro muito a Tifanny pela garra e coragem em fazer o que ela ama e a motivar muitas outras atletas em um país tão preconceituoso, o país que mais mata pessoas trans – diz a jogadora.

 

No Paraná, também houve outro caso recente de uma jogadora trans. Em 2017, mesmo antes de Tifanny jogar no Brasil, Isabelle Neris foi autorizada a jogar por clubes no país. Fora do Brasil, na Espanha, Omy Perdomo se tornou a primeira atleta transexual a jogar no campeonato nacional, mas afastou as comparações com Tifanny.

 

Polêmica volta à tona

Tifanny ficou conhecida ao se tornar a primeira transexual brasileira a conseguir autorização da Federação Internacional de Vôlei (FIVB) para jogar entre as mulheres. Em 2017, a oposta fez sua estreia na segunda divisão do Campeonato Italiano. Na temporada passada, foi contratada pelo Bauru, onde se destacou como uma das principais atacantes da competição brasileira.

 

 

À época, se viu em meio a críticas e elogios. Chegou a ser cogitada na seleção brasileira, mas a CBV seguiu a orientação da FIVB, que criou uma comissão para estudar melhor a questão – ainda sem posição definida. Nesta temporada, Tifanny fez seu melhor jogo diante do Sesc-RJ, quando fez 28 pontos e ajudou o Sesi-Bauru a eliminar a equipe carioca nas quartas de final da competição. Uma declaração de Bernardinho, porém, retomou a polêmica em torno do nome da jogadora.

 

Após Tifanny marcar ponto explorando o bloqueio adversário, Bernardinho se irritou na lateral da quadra e disparou: “Um homem, é f*”. A reação do técnico foi flagrada pela transmissão do SporTV 2. Após o comentário, o técnico pediu desculpas e viu a jogadora relativizar a declaração.

 

Nas redes sociais, porém, Ana Paula Henkel entrou na polêmica. A medalhista de bronze nos Jogos de Atlanta afirmou que a militância LBGTI atacou Bernardinho “por dizer a verdade”. Segundo a atleta, que hoje mora nos Estados Unidos, uma “minoria barulhenta que quer empurrar a todo custo que sentimentos são mais importantes que fatos e biologia”. Tifanny, então, rebateu a ex-jogadora, a chamando de oportunista.

 

Tifanny tem o respaldo do Comitê Olímpico Internacional (COI) por cumprir os requisitos estabelecidos em novembro de 2015. A entidade pede que mulheres trans se declarem do gênero feminino (reconhecimento civil) e tenham nível de testosterona inferior a 10 nmol/L por pelo menos 12 meses antes da estreia em competições femininas. Tifanny nasceu Rodrigo e jogou em competições masculinas de vôlei até os 29 anos, quando iniciou a transição de gênero. Aos 31 anos, começou a jogar em ligas femininas na Itália, já dentro dos padrões recomendados pelo COI.

 

 

Tifanny comemora um de seus 28 pontos contra o Sesc-RJ — Foto: Erbs Jr.Tifanny comemora um de seus 28 pontos contra o Sesc-RJ — Foto: Erbs Jr.

Tifanny comemora um de seus 28 pontos contra o Sesc-RJ — Foto: Erbs Jr.

Justen Celulares