Rui Car
20/12/2017 17h40 - Atualizado em 20/12/2017 13h48

Redução na verba paga pela F1 é o que pode de fato fazer Ferrari ir embora

"Pois saiba que estão brincando com o fogo"

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É sempre assim: basta a Ferrari não ser campeã, como este ano, não disputar uma grande temporada, como a de 2016, ou sentir seu poder sobrenatural na F1 ameaçado para seu presidente vir a público e dizer que a equipe pode deixar a competição. Foi assim no longo período de Luca di Montezemolo na presidência, de 1991 a 2014, e mais ainda, agora, com Sergio Marchionne, seu sucessor.

 

Na tradicional festa de fim de ano da escuderia italiana em Maranello, segunda-feira, Marchionne inovou. Foi além na ameaça, ao afirmar: “Algumas pessoas dizem que estou blefando. Pois saiba que estão brincando com o fogo”.

 

O atual presidente da Fiat e da Ferrari está, na realidade, enviando mensagens a Chase Carey, diretor do Liberty Media, dono dos direitos comerciais da F1, e Jean Todt, presidente da FIA. Alega que as novas regras técnicas e esportivas em estudos, para ser implantadas a partir de 2021, “ferem o DNA da F1”.

 

Os recentes discursos de Ross Brawn, o engenheiro contratado para conduzir o processo de transição entre a era liderada pelo inglês Bernie Ecclestone, terminada em janeiro deste ano, e a agora iniciada pelos norte-americanos do Liberty Media, têm até mesmo irritado Marchionne. Brawn defende os interesses de quem o contratou, o Liberty Media.

 

A cultura norte-americana não tem nada a ver com a europeia. Por essa razão Brawn quer menos tecnologia na F1, notadamente no projeto da unidade motriz, e substancial redução de custos, a fim de dar alguma possibilidade de mais times pensarem em chegar no pódio, prerrogativa exclusiva, hoje, de Mercedes, Ferrari e RBR. A F1 tem dez equipes. Em outras palavras, quer privilegiar o espetáculo em detrimento da corrida tecnológica, mais possível aos ricos.

 

Brawn e Carey estão alinhados em seus discursos (Foto: Getty Images)Brawn e Carey estão alinhados em seus discursos (Foto: Getty Images)

Brawn e Carey estão alinhados em seus discursos (Foto: Getty Images)

 

Grande negócio

Mas será que Marchionne seria mesmo capaz de tomar a mais radical decisão da história da Ferrari, abandonar a F1, eleger outra competição para exibir os dotes de excelência da escuderia para manter vivo o mito Ferrari, seguir comercializando 8 mil carros exclusivos de alta performance e faturar mais de 3 bilhões de euros (R$ 12 bilhões), como em 2016?

 

É muito pouco provável. A Ferrari precisa mais da F1 do que a F1 da Ferrari. O golpe da perda da escuderia de maior sucesso de todos os tempos, com 15 títulos mundiais de pilotos e 16 de construtores, seria duríssimo para a F1. Seus efeitos nocivos seriam sentidos por temporadas. É grande o universo de fãs da Ferrari no mundo todo. Mas bem possivelmente a F1 sobreviveria.

 

E com o dinheiro que é repassado pelos donos dos direitos comerciais ao time hoje de Sebastian Vettel e Kimi Raikkonen daria para transformar dois ou três deles em potenciais vencedores. A F1 sofreria um choque de grande proporções, porém ao mesmo tempo a saída da Ferrari criaria uma condição importante para tornar a competição mais disputada.

 

Se a ameaça de Marchionne é, segundo ele próprio, séria, qual não será sua reação a hora que Carey começar a discutir um novo critério de distribuição dos recursos gerados pela F1.

 

Sebastian Vettel Ferrari (Foto: Getty Images)Sebastian Vettel Ferrari (Foto: Getty Images)

Sebastian Vettel Ferrari (Foto: Getty Images)

 

Existe um contrato assinado em 2013 entre os dez times, o então detentor dos direitos comerciais, o grupo de investimento de capital britânico CVC, e a FIA. Ele termina no fim de 2020. É conhecido como Acordo da Concórdia.

 

Determina, por exemplo, como o total de 1,1 bilhão de euros (R$ 4,4 bilhões) arrecadado por ano pela Formula One Management (FOM) é repassado às escuderias, segundo vários critérios, à FIA e quanto fica com os donos dos direitos comerciais.

 

Esse contrato garante a Ferrari, por conta de sua história e importância para a F1, nada menos de 70 milhões de euros (R$ 280 milhões) por ano. Como dispõe de grandes profissionais e tem um dos melhores orçamentos da F1, raramente não está dentre os três primeiros entre os construtores, um dos critérios adotados para distribuir o dinheiro. Assim, a Ferrari recebe outros cerca de 70 milhões de euros, em média. Há outras fontes de receita menores para os times descritas no Acordo da Concórdia.

 

Já deu para imaginar o que o vai acontecer quando Carey se sentar com Marchionne para, de fato, discutir uma mudança nesse critério? Qual será a reação do italiano ao ouvir que a Ferrari terá de se contentar com menos, talvez bem menos?

 

O presidente da Ferrari, Sergio Marchionne, fez diversos elogios a Sebastian Vettel e à equipe (Foto: Getty Images)O presidente da Ferrari, Sergio Marchionne, fez diversos elogios a Sebastian Vettel e à equipe (Foto: Getty Images)

O presidente da Ferrari, Sergio Marchionne, fez diversos elogios a Sebastian Vettel e à equipe (Foto: Getty Images)

 

Não acabou: a Ferrari tem um poder de veto a alguma mudança no regulamento que não seja do seu interesse. Os norte-americanos entendem essa autorização única como uma ofensa ao esporte. Como tal, tem de ser eliminada. Novo foco de atrito explosivo.

 

Voltando ao discurso financeiro, será que Marchionne e outros líderes das grandes equipes, como Toto Wolff, da Mercedes, e Christian Horner, da RBR, vão aceitar que Force India, Williams, Haas, Sauber recebam uma fatia maior do bolo a fim de terem a perspectiva de pensar em lutar pelo pódio?

 

Distribuição de recursos

Essa, sim, é uma ameaça real para a F1. Os times podem se unir como fizeram em 2008 quando criaram a Formula One Teams Association (Fota), para lutar, em grupo, contra o então presidente da FIA, o inglês Max Mosley. Ele havia imposto um limite orçamentário de 60 milhões de euros (R$ 240 milhões) por escuderia por ano, ou seja, 20% apenas do que investiam as mais ricas.

 

Os norte-americanos vão fazer de tudo para evitar um racha entre eles e os representantes das equipes. Estas poderiam partir para a promoção e organização de um campeonato próprio, sem usar o nome F1, propriedade do Liberty Media, como ameaçaram fazer em 2008. O projeto não foi para a frente porque Bernie Ecclestone convenceu Mosley a não concorrer à releição em 2009. O fato gerou, também, o fim da Fota.

 

A ideia poderia, agora, ser reativada, mas com uma diferença fundamental: não teria a unanimidade, como em 2008, pois os times médios e pequenos estão entusiasmados com o objetivo do Liberty Media de tornar a F1 mais justa, igual, acessível também a novos interessados. Isso pode obrigar os grandes a repensar se vale mesmo a pena partir para um projeto de campeonato próprio. Com quem?

 

Todos conhecem sua política de priorizar eles mesmos. Os eventuais novos interessados saberiam que seriam apenas coadjuvantes do espetáculo, como hoje.

 

Faltariam ídolos

Do outro lado, é provável que o Liberty Media não tivesse dificuldade alguma para receber propostas de novos times, mas seu campeonato teria um grande problema: a falta de apelo para a torcida, pela pouca expressão de seus representantes, sem histórico de conquistas, sem pilotos com quem os fãs da F1 mais se identificam.

 

Esse quadro mostra que o desafio que o Liberty Media, as escuderias mais ricas e as de menores recursos têm pela frente é imenso. Os norte-americanos já descobriram uma coisa: negociar com as lideranças da F1 é infinitamente mais complexo do que pensavam. Talvez até já estejam pensando se foi mesmo um bom negócio comprar os direitos comerciais pela fortuna de 8 bilhões de dólares (R$ 26 bilhões).

 

O que está claro é que para Marchionne levar adiante a ameaça de deixar a F1 será preciso avaliar, com precisão, cada passo a ser seguido. Existe o risco de atingir, em cheio, o que a Ferrari construiu em 70 anos de riquíssima história e, obviamente, a própria F1.

 

 

Ferrari 70 anos (Foto: Reprodução)Ferrari 70 anos (Foto: Reprodução)

Ferrari 70 anos (Foto: Reprodução)

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