Rui Car
30/06/2017 12h30 - Atualizado em 30/06/2017 09h00

Saiba como foi a preleção de Felipão no dia do penta

Nem para todos a preleção foi marcante

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Blog Ponta de Lança por Roger Garcia

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“Para jogar hoje a final contra a Alemanha, decisão do Mundial, nós temos que ter a alegria de jogar futebol”. Foi com essas palavras, numa área reservada do Hotel Prince onde a Seleção Brasileira estava concentrada, que Luiz Felipe Scolari deu início à preleção para os 23 jogadores, momentos antes de se aboletarem com seus fones de ouvido e instrumentos de percussão no ônibus que seguiria rumo ao Estádio de Yokohama, Japão, palco da disputa do título da Copa do Mundo de 2002, para o jogo de suas vidas.

 

Quinze anos depois da conquista da quinta estrela no escudo da camisa verde-amarela, o blog PONTA DE LANÇA republica o post – de 2014 – com relatos do conteúdo exclusivo a que teve acesso sobre a conferência do treinador – gravada em áudio. Somada à exibição de um vídeo motivacional, teve duração de cerca de 40 minutos. A confiança na vitória foi transmitida em tom sereno, não houve arroubo nem rompante, como o estilo Felipão poderia sugerir.

 

O adversário foi tratado à altura de sua tradição: “O alemão é um povo determinado. Eles são objetivos naquilo que eles querem, eles têm a visão de buscar objetivos. Em todos os campeonatos mundiais que disputaram, e já foram a várias finais, eles vão vida ou morte”, chamou a atenção. “Se vocês imaginam que a Alemanha vai jogar contra vocês para apenas vocês participarem do espetáculo, estão enganados: eles querem ser o espetáculo”, prosseguiu Felipão.

 

Em seguida, fez um pedido especial aos seus comandados: “Se nós igualarmos esse espírito deles, gente. O que eu quero é que vocês façam isso: igualem! O restante quero deixar por conta de vocês. E o que é isso? É a alegria de jogar bola. A alegria de voltar a ser aquelas equipes como a de 82, de 70, de 58, de 62. Eles faziam gols, jogavam bonito. Tudo aquilo que se necessitava, naquela época, e que hoje ainda é preciso, mas com mais orientação tática e vontade”, discursou em nome da arte, usando como exemplo a forma de jogar da Seleção Brasileira nas Copas citadas.

 

Durante a projeção de imagens da Alemanha em ação, Felipão foi discorrendo sobre cada setor e características do adversário, ao mesmo tempo em que apontava a melhor forma de neutralizar os pontos fortes. Dirigiu sua atenção a cada um dos seus titulares, todos citados nominalmente. E fez questão de destacar a importância de Juninho Paulista na campanha, mesmo este tendo perdido a posição para Kleberson.

 

Quando se referia aos Ronaldinhos, não os tratava como tais. Um, chamava de Ronaldo Gaúcho e o outro, de Ronaldo Nazário. Como se pudesse prever, num insight, o que ocorreria logo mais, orientou o Fenômeno a abrir espaço para os arremates de Rivaldo – e assim sairia o primeiro gol, quando Oliver Kahn ‘bate roupa’ e o Fenômeno aproveita o rebote.

 

Com a suspensão de Michael Ballack – o principal jogador alemão -, por cartões amarelos, as atenções de Felipão se voltaram principalmente para o meia-atacante Marco Bode, que atuava no Werder Bremen. Volta e meia associava o nome do jogador às perigosas investidas ofensivas do adversário. Ao perceber que em dado momento a descontração já tomava conta do ambiente, passou a repetir para o capitão: “Cafu, olha o Bode!”.

 

Se havia uma preocupação de fato, era a de que o Brasil deveria evitar a todo custo sofrer o gol de abertura do marcador. Carlos Alberto Parreira foi lembrado por Felipão. “Os alemães costumam ter quatro ou cinco chances de gol, geralmente fazem um. Vou usar uma frase do Parreira: ‘zero a um é foda’. Fica difícil se eles saem na frente. Nós já viramos dois jogos, não vamos tentar virar o terceiro”, advertiu.

 

Lá pelas tantas, o gaúcho de Passo Fundo recorreu à própria cultura alemã para dar um recado ao time: “Se não quiseres conquistar o mundo de novo a cada dia, hás de perdê-lo cada dia mais”, recitou a frase do poeta e escritor alemão Christian Morgenstern (1871-1914).

 

A cultura nacional não ficou atrás. Um dito popular, comum no Nordeste e no interior do país, foi evocado por Felipão para mostrar que cada conquista vinha à custa de muita ralação e sacrifício: “Quem é da roça conhece o ditado: ‘O tatu está gordo, a unha é que sabe’.” Nesse momento, a imagem do tatu sebáceo surge no telão, arrancando gargalhadas dos jogadores. “Fizemos tudo com muito esforço, cavamos muito para chegar até a final”, complementou.

 

Observador-técnico em oito edições de Copa do Mundo, Jairo dos Santos, gravador à mão, teve o tino de registrar a preleção numa fita cassete, prestando relevante serviço à história e à memória do futebol.

 

Já nos ‘acréscimos’ da preleção, os jogadores foram apresentados a um vídeo contendo lances dos jogos da Seleção, ao som de “Deixa a Vida Me Levar”, de Zeca Pagodinho, frequentemente entoada pelos próprios na concentração. Foi um pedido de Felipão, que a considerava uma narrativa da vida deles. A ‘prorrogação’ teve cenas dos festejos dos torcedores nos mais variados estados brasileiros.

 

“Era como se dissesse: olha como vocês são heróis, olha o que estão fazendo por todo o Brasil. Eram imagens da alegria que a Seleção provocava nos operários das fábricas em São Bernardo do Campo, nas ruas, nas escolas, em trios elétricos, isso poucas horas antes de a Seleção entrar em campo na decisão”, conta o jornalista Décio Lopes, responsável pela edição. Ele, no entanto, não teve acesso à reunião.

 

Mensagens gravadas por familiares mexeram ainda mais com a emoção dos jogadores. “Felipão soube trabalhar muito bem a cabeça do grupo”, disse Antônio Lopes, o coordenador-técnico do penta.

 

Nem para todos a preleção foi marcante. Gilberto Silva, por exemplo, diz não se lembrar direito do que foi dito por Felipão. Já para Beletti, na ocasião reserva de Cafu, as lembranças estão vivas na memória.

 

“Eu me recordo que o hotel era muito grande e que vários jogadores se perderam, tiveram dificuldade para achar a sala de encontro, muitos chegaram em cima da hora. Ficamos tirando sarro disso. Felipão tem o método dele de motivar que faz a diferença. Em vez do clima tenso de uma final, ele consegue deixar o ambiente descontraído, mas com responsabilidade”, testemunhou Beletti.

 

De todas as frases proferidas pelo treinador, pode-se dizer que uma delas resumiu bem o espírito para aquele 30 de junho: “Tudo, tudo, tudo é hoje!”. O resto da história todo mundo conhece.

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