Rui Car
14/02/2020 11h24

Sobrevivente do voo da Chape: “Descobri que não sou escalado por piedade”

Jogador convive com cicatrizes "no corpo e na alma"

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Foto/Fonte: UOL

Foto/Fonte: UOL

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Pouco mais de três anos depois do acidente aéreo que matou 71 pessoas, incluindo grande parte do seu elenco profissional, a Chapecoense está de novo em reconstrução. Rebaixada no Campeonato Brasileiro e em delicada situação financeira, a equipe de Santa Catarina confiou a dois velhos ídolos, sobreviventes daquela tragédia, o seu novo processo de reconstrução. Enquanto o recém-aposentado Neto é o novo superintendente de futebol do clube, o lateral-esquerdo Alan Ruschel voltou ao elenco para ser o capitão do time.

 

Com cicatrizes “no corpo e na alma”, o jogador de 30 anos passou o segundo semestre do ano passado no Goiás, onde reencontrou a confiança de que segue no futebol por talento, não por piedade. Agora, ele sente que é sua função ajudar mais uma vez a Chapecoense a se reconstruir.

 

Na primeira vez que esse recomeço foi necessário, após a tragédia com o voo da LaMia, a Chapecoense foi premiada no Laureus, o Oscar do esporte mundial, como “Momento Esportivo do Ano”. Agora, ao comemorar 20 anos, o Laureus recuperou as histórias inspiradoras dessas últimas duas décadas e abriu nova votação online para eleger o momento esportivo desse período. A Chape está entre as cinco finalistas.

 

Depois de três anos, as marcas da tragédia seguem no seu corpo, porque você vai carregar os oito parafusos na coluna. Mas elas começam a aparecer menos na sua mente?

 

“Eu falo que essa cicatriz no corpo ela não desaparece, mas ela cura. Chega um ponto que não dói mais, o que dói é a cicatriz da alma. Essa não cura nunca. O que mais dói é a lembrança do que a gente tem. Vir aqui todos os dias, treinar aqui todos os dias… Claro que eu preciso disso aqui para sobreviver, minha família depende disso, eu dependo do futebol. O resquício que fica é essa dor da alma.”

 

Você também falou que não queria achar que estava no futebol por piedade. Hoje você sabe que joga pelo seu talento?

 

Hoje sim. A minha saída para o Goiás me fez bem, me fez ser um outro atleta. Acho que eu precisava disso. O pessoal não me enxerga mais como sobrevivente, não me trata com piedade.

 

E como é voltar com o time na segunda divisão?

 

Achei que era melhor minha permanência para ajudar o clube a se reconstruir. Dos titulares do ano passado, acho que só o João continua. Mudou muita peça, o clube ia passar por mais uma reconstrução e eu queria passar por isso. Ficar foi uma escolha minha. Um dos motivos de ter saído foi pelas coisas que estavam acontecendo aqui extracampo, mas hoje essas coisas me parecem ser bem diferentes, bem mais organizadas. Quis fazer parte dessa reconstrução mais uma vez.

 

O Ministério Público recentemente pediu uma indenização de R$ 300 milhões à Chapecoense pelo acidente. Como você tem visto essa questão?

 

Esse negócio de valores eu to procurando não conversar muito. Converso mais com meus advogados, pessoal que tá por dentro. Não procuro conversar muito disso aí.

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