Rui Car
14/01/2017 09h20

Agricultores esperam safra de fumo 40% maior no Alto Vale do Itajaí

Favorecidos pelo clima, fumicultores de Apiúna e do Alto Vale estão confiantes

Assistência Familiar Alto Vale
Delta Ativa

Pela estrada sinuosa de chão do bairro Baguaçu, em Apiúna, Sérgio Schmitt, 60 anos, chapéu de palha na cabeça, dirige lentamente o microtrator até a propriedade da família. É em uma área de 1,5 hectare, um aclive coberto por folhas verdes e já viçosas, que o filho Maicon Schmitt, 32, junto com a esposa Cristiane e mais dois vizinhos trabalham desde o amanhecer na colheita do fumo. Em pouco tempo, as 10 mãos vão carregar mais uma carga de folhas para levar à estufa.

 

Embora o fumo esteja na vida da família Schmitt há décadas, nos últimos três anos eles estiveram fora do cultivo. Maicon garante que o motivo foi a chegada de mais um filho e as outras atividades rurais. Nesse período, dedicaram-se à criação de suínos, bovinos e a culturas como milho e eucalipto que dividem os outros 34,5 hectares da família. Escaparam de uma das piores safras de tabaco dos últimos anos, em 2015/2016, quando a chuva fez cair em média 10% a produção nos três estados do Sul.

 

A lei do mercado é implacável: com o produto em escassez, as indústrias de cigarro tiveram que pagar mais. Isso empolgou outras famílias a voltar a apostar na espécie, na contramão de um movimento de saída do cultivo causada pelo êxodo rural das novas gerações. Segundo dados da Associação de Fumicultores do Brasil (Afubra), a quantidade de famílias produtoras em Apiúna e em 27 cidades do Alto Vale com plantação de tabaco aumentou de 10.796 na safra passada para 12.409 em 2016/2017 – alta de 14,9%. No Estado, o número foi de 42.530 para 45.150 (elevação de 6,1%). A área plantada também aumentou: de 84,7 mil hectares para 92,3 mil, acréscimo de 8,9%.

 

Quem plantou este ano deu sorte. Sem granizo nem chuva ou sol em excesso – um temporal atingiu Apiúna no fim do ano, mas os estragos ocorreram no Centro e livraram a área rural –, os produtores não escondem o otimismo ao falar da colheita. Meio sorriso brota até mesmo do rosto do reservado Maicon. Ele plantou 21 mil pés e espera conseguir uma produção de 250 arrobas (uma arroba equivale a 15 quilos) até o final da colheita, prevista para meados de fevereiro.

 

– A gente está animado, mas vamos ver como vai ficar o preço este ano – despista, ao temer uma possível desvalorização dos compradores em caso de muito volume, e completa:

 

– Tomara que valorizem o produtor.

 

Dias árduos na colheita

 

O trabalho na colheita de fumo é mesmo duro. Molhadas pelo orvalho da manhã, as folhas não têm odor tão forte, mas ainda assim podem ser nocivas. Luvas e uma proteção plástica, às vezes dispensadas pelo calor, têm a função de evitar o contato das folhas com a pele – a nicotina em excesso pode causar problemas como dor de cabeça, náuseas, tontura. Mas o esforço físico de dias inteiros sob o sol arrancando as folhas maduras por si só causa desgaste, mesmo em quem está acostumado com a lida.

 

Maicon, um dos poucos jovens da região que preferiram constituir família e permanecer no campo, minimiza as dificuldades e foca na expectativa da colheita do fumo, que, apesar das campanhas de combate e da diminuição de consumidores, ainda tem simpatia de alguns produtores pelas facilidades oferecidas pelas fumageiras.

 

– Esperamos que todo esse trabalho dê um bom resultado – torce Maicon, com o desejo de que os preços oferecidos o façam voltar a encher com fumo as carrocerias na próxima safra.

 

Garantias acima das adversidades

 

Pela estrada geral do bairro Baguaçu é possível ver várias construções de tijolo aparente e chaminé nos fundos de casas. São estufas convencionais para secagem da folha de fumo, hoje desativadas ou pela saída das famílias do cultivo ou pela modernização dos processos.

 

A 16 quilômetros da BR-470, após cruzar um caminho de eucaliptos no topo de um morro próximo ao limite de Apiúna com Lontras, a fumaça indica que tem folha secando nas duas estufas de Ademir Comandolli, 49 anos.

 

A produção de fumo está nas lembranças de Ademir “desde que era pequenininho” – e ajudou a construir o patrimônio dele, da esposa Marilda e dos dois filhos, de 21 e 16 anos. O irmão Pedro, vizinho e servidor público, também é fumicultor. O tabaco plantado por Ademir já está mais próximo do tom maduro orientado pelas empresas de cigarro para a safra deste ano. Ele é considerado mais encorpado, com mais sabor e maior aceitação inclusive no mercado internacional, que absorve parte da produção catarinense.

 

Feliz com a ajuda de São Pedro durante o crescimento das folhas, ele confia em uma boa qualificação do fumo pelas empresas compradoras – o tipo mais valioso pode render até R$ 174 por arroba e o mais inferior, pouco mais de R$ 100. No ano passado, Ademir colheu 770 arrobas. Desta vez, plantou 70 mil pés e espera uma produção de cerca de 900 arrobas – a se confirmar, uma alta de 16,8%.

 

Ademir cria gado e tem milho plantado em outra parte da propriedade, mas não quer saber de trocar os cinco hectares de fumo por outro cultivo. Ele destaca o suporte oferecido pelas empresas de cigarro na hora do plantio e o compromisso de compra, garantias que alimentos nem sempre oferecem.

 

As estufas de Ademir são do sistema Loose Leaf (LL), que dispensa a amarração manual das folhas e reduziu muito as dificuldades da mão de obra para a cura do fumo. Após sete ou oito dias no espaço de secagem, o fumo vai para o estoque. Ali, onde finalmente o cheiro de cigarro domina narinas e pulmões, as folhas podem ficar cobertas por meses até serem amarradas na forma em que irão para a fábrica – as chamadas bonecas ou manilhas amarradas de 10 em 10 folhas.

 

Ademir não fuma e não duvida dos malefícios do cigarro, mas consegue advogar em favor de seu produto.

 

– Claro, a gente imagina que faz mal, mas é uma das plantas que menos vai veneno, se comparar com um pepino, por exemplo – defende.

 

Apesar disso, reconhece que longe das estufas o trabalho ainda é árduo e dá valor especial a cada centavo obtido com o fumo.

 

– A colheita ainda é a pior parte, a mais sofrida. Se a pessoa não tiver um bom preparo, sofre.

 

 

Produção no Alto Vale deve chegar a 72 mil toneladas

 

Apiúna é somente uma das cidades do Vale em que o fumo ainda ocupa espaço econômico importante. Na região do Alto Vale, onde 27 cidades têm cultivo de tabaco, a estimativa é de que de 60% a 70% da produção já tenha sido colhida.

 

A previsão é de uma produção de 72,8 mil toneladas, 41,5% a mais do que no ano passado, quando foram colhidas 51,5 mil toneladas na região. Se confirmada a projeção da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), o número equivale a quase um terço de toda a produção estimada para Santa Catarina, que é de 208,2 mil toneladas – 23,8% a mais do que em 2016, quando a produção foi de 168,1 mil toneladas. Segundo a entidade, a produção deste ano deve retomar o patamar da safra de 2014/2015, quando foram colhidas 224 mil toneladas em uma área de 99 mil hectares, um pouco maior que a atual.

 

Na próxima semana começa a compra das empresas fumageiras e, junto com isso, a disputa por um bom preço. Uma tabela de preços é fixada pelas indústrias de cigarros. A principal empresa do setor já anunciou um aumento de 8,35% na tabela – uma reunião no dia 17 deve definir reajustes das demais empresas. A negociação ocorre conforme a classificação de qualidade das folhas feita pelas empresas. As primeiras apanhadas, menos valiosas, têm sido vendidas de R$ 7 a R$ 7,40 o quilo, mas a expectativa é de que o possível excedente da safra não desvalorize a avaliação e que o preço médio fique um pouco acima dos R$ 10 o quilo.

 

As desvantagens de trabalhar com fumo estão explícitas no dia a dia dos produtores. Mas há outros pontos capazes de reter muitas famílias nas lavouras de tabaco. Um deles é a segurança. O instrutor das empresas fumageiras negocia insumos, adubo, semente e suporte ao produtor que faz o plantio. Há seguro contra perdas e, após a colheita, a empresa compradora busca o fumo na propriedade.

 

– É um mercado mais garantido. Se ele optar por outra cultura, como cebola, pode ficar à mercê do mercado, são produtos mais voláteis, que sobem e descem. O fumo dá mais estabilidade – compara o representante da Federação da Agricultura e Pecuária de Santa Catarina (Faesc) na comissão interestadual dos produtores de tabaco do Sul do Brasil, Francisco Eraldo Konkol.

 

A saída para muitos produtores é diversificar a produção com culturas como milho, cebola e batata salsa em parte do terreno ou nos períodos de março a julho, quando as áreas não estão ocupadas com o fumo. Um programa da Epagri inclusive incentiva o uso das áreas para atividades como plantio de milho e feijão.

 

– As empresas incentivam a diversificação porque permite que o produtor faça renda no terreno o tempo todo e também, com uma rotação de cultura, plantando um ano milho, no outro fumo, no outro feijão, acaba aumentando a produção. Monocultura é algo que quase não tem mais – garante o inspetor de campo da Afubra em Rio do Sul, João Paulo Roberti.

 

Produção de fumo:

 

Alto Vale

 

Safra 2016/2017
Famílias produtoras: 12.251
Hectares: 32.079
Produção: 72,8 mil toneladas

 

Safra 2015/2016
Famílias produtoras: 10.666
Hectares: 25.484
Produção: 51,5 mil toneladas

 

* Santa Terezinha (12 mil toneladas), Vidal Ramos (6,9 mil) e Ituporanga (6,5 mil) são as cidades com maior expectativa de produção de fumo no Alto Vale.

 

Santa Catarina

 

Safra 2016/2017
Famílias produtoras: 45.150
Hectares: 92.830
Produção: 208,2 mil toneladas

 

Safra 2015/2016
Famílias produtoras: 42.530
Hectares: 84.710
Produção: 168,1 mil toneladas

 

Fonte: Associação de Fumicultores do Brasil (Afubra)

 

Otimismo também entre rizicultores de Gaspar

 

As espigas que começam a despontar na plantação de arroz de Sidnei de Souza, 34 anos, no bairro Gasparinho, em Gaspar, anunciam bons presságios ao produtor. A partir do dia 20, os cerca de 300 rizicultores gasparenses devem começar os trabalhos de colheita. O clima que favoreceu o fumo no Alto Vale também foi generoso com o arroz. Sem fortes chuvas nem granizo, a expectativa é de uma safra acima da registrada nos últimos anos.

 

Sidnei, que no ano passado contabilizou 1,2 mil sacas nos oito hectares cultivados, espera uma alta de pelo menos 8% para chegar às 1,3 mil sacas. Como contrata máquinas de terceiros para a colheita, o rizicultor plantou mais tarde que a maioria dos produtores e deve começar a colher somente no início de março. Por enquanto, ele apenas aguarda o arroz amadurecer.

 

– Este ano o clima foi bom e acho que a safra vai ser produtiva, só precisamos ver como vai ficar o valor – projeta.

 

A Epagri estima que os primeiros dados sobre a colheita do arroz no Vale devem surgir ao final de janeiro, após as primeiras colheitadeiras invadirem os campos. Em todo o Estado, segundo o boletim agropecuário de dezembro, a estimativa é uma alta de 6% na produção, chegando a 1,1 milhão de toneladas.

 

 

Jornal de Santa Catarina

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