Rui Car
01/03/2018 08h10

BR-470 tem o começo de ano mais violento desde 2014

"A BR-470 está virando uma avenida de Blumenau e de Rio do Sul"

Assistência Familiar Alto Vale
Jornal de Santa Catarina

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Delta Ativa

Um acidente na manhã de ontem na BR-470 pôs fim aos planos da família Policarpo. No dia em que completou 24 anos, Marciel Policarpo perdeu a vida em uma colisão no Km 67,8 da rodovia, em Indaial. O encontro para festejar a nova idade seria na casa do irmão, Marcelo, que passou o dia de ontem se dedicando à preparação do enterro do estudante de Educação Física. Para a família, o momento de dor é transformado em lição sobre a importância da atenção no trânsito.

 

– Todos têm que cuidar. Não adianta um só – diz o irmão da vítima, emocionado.

 

O alerta de quem acaba de perder alguém tão próximo e querido serve de alerta. Acidentes como o que tirou a vida de Marciel ontem pela manhã são frequentes na BR-470. No primeiro bimestre deste ano, até as 16h de ontem, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrou 241 acidentes no trecho que corta o Vale do Itajaí, de Navegantes a Pouso Redondo. Destes, 19 foram responsáveis por 25 mortes. O número é o mais alto desde o primeiro bimestre de 2014, quando o Santa iniciou um levantamento detalhado das ocorrências na rodovia federal. O recorde anterior neste período era justamente de 2014, quando 15 pessoas morreram em acidentes na BR-470 nos dois primeiros meses do ano.

 

Rodovia que deixa marcas e alertas

Os perigos da rodovia e de motoristas imprudentes deixam marcas em quem convive com essa realidade. Na manhã de ontem, Gilmar José Cipriani presenciou o acidente que tirou a vida de Marciel Policarpo. E, infelizmente, essa não foi a primeira morte que ele viu na rodovia.

 

— Vejo muita coisa aqui. É motorista dirigindo bêbado e fazendo o que não deve. Daí olho na frente da minha casa e tem gente machucada e até morta – conta o aposentado, que mora há mais de 40 anos às margens da estrada em Indaial.

 

Os olhos pesados do senhor de 65 anos ao falar sobre o que presenciou carrega a tristeza de quem também perdeu um irmão vítima de acidente na BR-470, em Pouso Redondo. Era para Cipriani estar no veículo, mas na última hora mudou de ideia e resolveu ficar em casa. Estar vivo, segundo ele, é fruto do desejo do destino. Após a dor da perda e de conviver com os frequentes acidentes na rodovia, a relação com a BR-470 é definida em uma palavra: pânico.

 

— Não dirijo mais. Tenho medo. Parei porque entrava no carro e me apavorava ao ver outro veículo se aproximando de mim – desabafa o senhor, que está há 12 anos sem conduzir um automóvel e alterou a rotina depois dos traumas.

 

Na EBM Professora Nemésia Margarida, situada poucos quilômetros à frente da casa do aposentado, já em Blumenau, a atenção é constante. A diretora da unidade, Salete Panini, se emociona ao lembrar de alunos e ex-alunos que já se acidentaram na rodovia. Alguns perderam a vida, outros carregam as cicatrizes.

 

Salete conta que a maioria dos casos envolvendo alunos são atropelamentos e acende um alerta sobre a necessidade de reforçar a segurança para os pedestres nas proximidades da unidade de ensino, criando faixa para travessia de pedestres, e usando agentes para auxiliar a travessia dos alunos. As reivindicações da comunidade local já foram alvo de um pedido encaminhado pela escola ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

 

— Ao longo do ano trabalhamos com os alunos e as famílias questões de segurança no trânsito, para que os pequenos não andem sozinhos às margens da rodovia – diz a diretora.

 

 

Redução passa pelo planejamento e educação dos motoristas, aponta PRF

A tênue linha entre a vida e a morte passa pelo tracejado tortuoso da rodovia que corta o Vale do Itajaí. Os casos de acidentes que resultaram em morte neste primeiro bimestre do ano provocam uma reflexão sobre o motivo deste índice. Para Adriano Fiamoncini, chefe do núcleo de Comunicação da PRF em Santa Catarina, a BR-470 é uma rodovia de traçado antigo, com poucos pontos de ultrapassagem e caracterizada pela crescente urbanização de suas margens.

 

— A região norte de Blumenau cresceu para o outro lado da rodovia, com constantes cruzamentos de veículos e grandes empreendimentos, que aumentam o fluxo de veículos. A rodovia também é a principal via de escoamento da produção agroindustrial do Oeste do estado para os portos de Itajaí e Navegantes ­— lembra Fiamoncini.

 

A região que abriga a BR-470 possui características distintas em todo o percurso. O Médio Vale é extremamente urbanizado, com poucos pontos de ultrapassagem e atualmente convive com as obras de duplicação. No Alto Vale, a rodovia é caracterizada por um terreno sinuoso, com serras em Ibirama e Pouso Redondo e também vive a realidade da urbanização da cidade de Rio do Sul, que avança sobre a rodovia federal, com comércios que atraem o fluxo de veículos.

 

— A BR-470 está virando uma avenida de Blumenau e de Rio do Sul — aponta Fiamoncini.

 

A rodovia se tornou uma via para pequenos trajetos e parte dos envolvidos em acidentes são pessoas que residem próximas da região. O tempo médio de viagem dos motoristas que trafegam pela rodovia aumentou, muito por conta das obras de duplicação. As pessoas estão perdendo mais tempo na BR-470 e isso é um fator de estresse, aponta o órgão que fiscaliza o trânsito nas rodovias. A duplicação traz complicações adicionais, mas não é possível fechar a BR-470 pra fazer a obra, pois ela é a principal via de acesso entre os municípios do Vale do Itajaí.

 

— Alguns motoristas tentam recuperar o tempo perdido devido as obras acelerando depois ou fazendo ultrapassagens mais arriscadas, que normalmente não fariam. Mas seria simplista demais colocar a culpa dos acidentes somente na duplicação da BR-470 — comenta Fiamoncini.

 

Mas qual a solução para reduzir este crescente número de mortes? Para a PRF a resposta é planejamento e educação no trânsito. O motorista sabe que a rodovia está em obras, por isso não deve sair no mesmo horário habitual, mas sim programar sua viagem e sair antes.

 

— Quando a duplicação ficar pronta, 90% dos óbitos devem despencar. A BR-101 é um exemplo. Continuam acontecendo acidentes, mas em número muito menor. A principal causa de morte na BR-470 é a colisão frontal em ultrapassagem em local proibido ou em local permitido, mas na hora errada. (Com a duplicação) isso tende a desaparecer — pondera o chefe do Núcleo de Comunicação da PRF.

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