Rui Car
02/07/2018 13h40 - Atualizado em 02/07/2018 13h39

Casos de estupro e homicídio de mulheres crescem 32,5% no Vale do Itajaí

De janeiro a abril deste ano, 50 mulheres sofreram algum tipo de agressão por dia nas cidades da região

Assistência Familiar Alto Vale
Jornal de Santa Catarina

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Delta Ativa

“Homem ameaça esposa e filha com um facão. Homem matou esposa em Rio do Sul por ciúmes. Mulher é agredida com chute no abdômen pelo ex-companheiro. Mãe e filha são encontradas mortas dentro de residência em Blumenau”. Quase diariamente histórias como essas ganham as páginas do Santa. Os dados da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina (SSP-SC) dão uma dimensão do desafio enfrentado por autoridades e famílias, envolvendo a violência contra a mulher: números levantados em 53 municípios do Vale do Itajaí mostram que, de janeiro a abril deste ano, 50 mulheres sofreram algum tipo de agressão por dia, em média.

 

Com 6.052 ocorrências registradas no período, o número é 4,8% menor do que o computado nos mesmos meses de 2017 (6.354 casos de violência), mas ainda representa uma situação alarmante: a cada uma hora do dia, ao menos duas mulheres são agredidas, abusadas, ameaçadas, roubadas, caluniadas ou difamadas em municípios da região. Apesar da redução global de casos, o número de crimes como estupro e homicídio aumentou 32,5% em 2018. As tentativas desses crimes também aumentaram. 

 

Na avaliação da tenente Karla Beatriz Lima de Pontes Medeiros, do 10º Batalhão de Polícia Militar, de Blumenau, a queda nas estatísticas acompanha uma redução geral nos índices de violência no Estado, entretanto os crimes praticados em ambiente privado são mais difíceis de serem combatidos.

 

Fabiana*, 44 anos, está entre as estatísticas negativas. Há dois meses arrumou um emprego pela internet para fazer uma faxina. Ao chegar ao apartamento, o homem que a contratou lhe serviu café e as lembranças depois disso são poucas. Ela só recorda de quando já estava no hospital. A empregada doméstica foi vítima de um abuso sexual. Um crime que cresceu 31,4% no Vale neste ano, segundo a SSP-SC.

 

Atualmente, ela é acompanhada pelo Serviço de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violência Sexual (SAVS), em Blumenau. O atendimento é especializado e somente no primeiro quadrimestre de 2018 recebeu 11 mulheres. No ano passado, no mesmo período, o número foi de oito vítimas. Nesse tipo de caso, na maioria das vezes, os agressores são desconhecidos, aponta a coordenadora do serviço, Simone Andréa Rodrigues. Isso não impediu Fabiana de buscar por justiça. O desejo de ver o homem pagar pelo crime é o de quem já deixou Minas Gerais com a filha para escapar de um companheiro violento, que a feriu de muitas formas durante 21 anos de casamento.

 

– São marcas que a gente carrega para o resto da vida. Só quem passou sabe o que é – diz a mulher.

 

Quando era casada, Fabiana não encontrou segurança nem mesmo nas medidas protetivas conquistadas na Justiça e mudou de estado para não conviver com a violência. As determinações do Judiciário também não impediram que o ex-marido de Roberta*, 41 anos, se aproximasse. Os problemas na relação que durou uma década começaram com agressões verbais, depois avançaram para proibições de sair sozinha até a falta de acesso ao dinheiro. Quando ela viu, estava dependente do companheiro.

 

A decisão de sair de casa, levando os dois filhos frutos da relação, só veio depois de ela e as crianças passarem uma noite trancados no banheiro se protegendo do homem, que os ameaçava com um facão.

 

– Fui para a Delegacia da Mulher porque vi que ele ia acabar tirando a minha vida – relembra.

 

A partir daquele dia, a história de Roberta e da família mudou. Os três passaram sete dias na Casa Abrigo Eliza, instituição que acolhe vítimas de violência doméstica em Blumenau. Por lá, no primeiro quadrimestre deste ano, ao menos 18 mulheres foram amparadas. Em 2017 inteiro o número chegou a 63. Os abrigados podem ficar pelo tempo necessário até que tenham segurança para retornar a um lugar seguro.

 

Roberta foi para a casa dos pais por um período. Esquecer o que passou é impossível, mas o esforço diário é para recomeçar a vida

 

– Perdi 10 anos da minha vida – lamenta a mulher de 41 anos, que retomou os estudos e atualmente se dedica a ajudar outras vítimas de violência.

 

Foto:

 

Rede Catarina atende 35 vítimas atualmente em Blumenau
Apesar da separação, Roberta ainda se sente desprotegida e planeja buscar por um dos mais recentes mecanismos criados para proteção à mulher vítima de violência, a Rede Catarina, da Polícia Militar. A tenente Karla Medeiros, coordenadora do serviço em Blumenau, conta que desde a implantação, em novembro do ano passado, mais de 120 mulheres já receberam atendimento. Atualmente, 35 são acompanhadas com visitas periódicas. O objetivo é garantir que o agressor respeite as medidas protetivas. O trabalho tem oferecido mais proteção a elas, mas a policial reforça a necessidade de ir além.

 

– É preciso principalmente prevenção através da educação. Não apenas dar atenção aos casos depois que acontecem, mas mudar aos poucos a cultura existente que ainda traz muitos traços de machismo. Devemos trazer o assunto para dentro das escolas, e, além disso, ser exemplo em casa para os filhos, para que aprendam desde pequenos o respeito dentro da relação familiar e com o próximo – defende a tenente.

 

O objetivo de todo esse empenho é evitar que casos como o de Bárbara Cristina Faes se repitam. A jovem de 23 anos foi assassinada em fevereiro pelo companheiro, em Rio do Sul. O motivo do crime? Ciúme. Inês do Amaral, 57 anos, e a filha Franciele Will, 30, também foram assassinadas, em Blumenau. Na próxima semana o caso completa três meses e as investigações seguem em sigilo. O Mapa da Violência, que foi divulgado em 2015, aponta que o número de mulheres vítimas de homicídio no Brasil aumentou de 3.937, em 2003, para 4.762, em 2013.

 

“É preciso uma mudança de cultura”, defendem especialistas
A coordenadora do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) 1, Sheila Fagundes Isleb, explica que a dificuldade de cessar com a violência passa por uma série de desafios a serem enfrentados pelas vítimas. Entre eles, velhos conhecidos de Fabiana e Roberta: medo de que o agressor concretize ameaças, receio de perder a guarda dos filhos e dependência financeira. Para superar a problemática, ela reforça o papel da sociedade e do poder público.

 

Sheila compreende como fator decisivo para reverter o cenário uma mudança cultural, que passa por acabar com o machismo, quebrar estereótipos, até a representatividade da mulher na política, para a construção de políticas públicas atentas às necessidades das mulheres:

 

– A violência contra mulher inicia a partir de uma construção cultural, desde uma piada aparentemente inofensiva. Ali começa a formar a base de uma pirâmide de violência, de desmerecer o papel da mulher na sociedade, de não dar voz, de atribuir a ela um estado emocional desequilibrado. É uma raiz muito profunda, em que a violência é a consequência – argumenta.

 

A psicóloga Catarina de Fatima Gewehr concorda. Segundo a especialista, os índices de violência contra a mulher são resultado de uma sociedade machista e patriarcal, onde muitas vezes as próprias mulheres se veem como propriedade do homem.

 

– A dinâmica familiar, a escola e a cidade são três importantes ambientes de referência para que possamos reduzir a violência contra a mulher – pontua a professora e doutora em psicologia social ao frisar que são nesses espaços que as pessoas aprendem a negociar as diferenças e que favorecem a convivência humana.

 

Onde é possível buscar ajuda
Para proteger as vítimas de violência doméstica, os sete Centros de Referência de Assistência Social (Cras) de Blumenau oferecem todas as segundas-feiras, às 9h e às 14h, acolhimento coletivo. Nestes espaços a pessoa que sofre violência é orientada e encaminhada para um dos dois Creas. Neles, quinzenalmente, mulheres se reúnem para compartilhar as experiências.

 

– O objetivo é criar um espaço de fortalecimento, onde elas consigam reconhecer essas violências, desde as mais sutis até as mais aparentes, possibilitando romper (o ciclo de violência), mesmo que elas permanecem na relação – explica a Sheila.

 

Para isso, porém, é preciso trabalhar os dois indivíduos da relação, destaca a coordenadora do Creas 1. Por isso, há a oferta de encontros com homens agressores nos centros. Eles chegam até o serviço, na maioria das vezes, por determinação judicial. Mesmo assim, diz Sheila, há avanços na compreensão sobre como estabelecer uma relação sem abusos. A rede de proteção conta ainda com acolhimento. Em alguns casos, as mulheres são direcionadas para a Casa Abrigo Eliza.

 

Números importantes
Polícia Militar
– Telefone 190: quando presenciar ou vivenciar algum episódio de violência contra a mulher.

 

Rede Catarina
– Telefone 3221-7332 e e-mail [email protected]: para receber acompanhamento da polícia ou buscar orientação sobre as ferramentas de proteção à mulher.

 

Central de Atendimento para Mulher em Situação de Violência
– Telefone 180: para buscar orientação sobre direitos e serviços públicos à população feminina, bem como para denúncias ou relatos de violência.

 

Delegacia de Polícia de Proteção a Mulher, Criança e Adolescente
– Telefone 3329-8829: para registrar ocorrência de violência contra a mulher, bem como requerer medidas protetivas e iniciar processos contra agressores.

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