Rui Car
01/04/2020 14h06

Falta plano de contingência para o agronegócio durante o coronavírus

O fato é que não se pode responder à situação tão grave com decisões isoladas em atendimento a pressões e necessidades localizadas

Assistência Familiar Alto Vale
Delta Ativa

Nesta inédita conjuntura, a improvisação e a resposta atrasada são comprometedoras. A quarentena rígida e outras restrições, ainda que inevitáveis, impuseram uma retração econômica mundial, cujos prejuízos são incalculáveis. No que concerne à produção de alimentos, há possibilidades de agir para diminuir a intensidade dos danos, mesmo porque trata-se de setor necessário para garantir a vida. 

 

O agronegócio é complexo, tem segmentos com características distintas. Logo, não se pode adotar uma postura uniforme, horizontal. Há problemas comuns, mas também peculiaridades por segmentos.  

 

Pode-se afirmar que está faltando um plano de contingência adequado às cadeias produtivas do agronegócio, além dos ajustes necessários nos próprios complexos empresariais. O fato é que não se pode responder à situação tão grave com decisões isoladas em atendimento a pressões e necessidades localizadas. 

 

E quem coordenaria tão abrangente tarefa?  Não é simples, é claro, afinal a situação é inusitada e urgente. A iniciativa tem que partir do Ministério da Agricultura, com o concurso das entidades do setor privado.

 

Iniciativas isoladas estão sendo adotadas para lidar com a crise. Tenho conhecimento de medidas elogiáveis no setor lácteo. Cito o Sindicato das Indústrias de Leite de Goiás, que elaborou e envolveu as principais indústrias do estado no compromisso de seguir um Plano de Contingência para um ramo industrial que processa diariamente 10 milhões de litros de leite. O objetivo geral do plano é manter o fluxo regular de compra de leite dos produtores, o funcionamento das indústrias e o abastecimento do mercado, até que se volte à normalidade.  Os compromissos dos signatários incluem absorver o leite de alguma indústria que, eventualmente, tenha que interromper suas atividades em decorrência da atual pandemia, até que se reconstitua a normalidade. Também faz recomendações de procedimentos para redução de riscos dentro das indústrias. Segundo o Diretor Executivo da Vivalácteos (que representa as 35 maiores indústrias do setor no Brasil) este modelo deveria ser adotado em nível nacional. 

 

Outra iniciativa a se aplaudir é a do governo do estado do Paraná ao fazer chegar a merenda escolar aos seus beneficiários cadastrados durante a interrupção das aulas. Também o governo do estado de São Paulo vai continuar garantindo a cesta básica durante a paralisação, incluindo aí o público de 700 mil alunos das escolas estaduais.

 

Cito alguns exemplos, dentre muitas iniciativas positivas, por parte de uma das gigantes do setor lácteo, que adotou um terceiro turno nas suas 25 fábricas, e assim pôde aumentar a distância entre funcionários, além de conferir a temperatura dos mesmos no início da jornada. Outra iniciativa interessante foi a conscientização e monitoramento por uma grande indústria goiana de seus 8 mil funcionários com relação aos procedimentos de higiene e prevenção no ambiente de trabalho.  

 

Nada obstante, tudo isso é positivo, mas faltam ações de abrangência nacional, por meio de um plano geral que envolve governo e setor privado de forma coordenada. Isso não garante mas preservaria o básico no funcionamento da agricultura e do agronegócio em geral, inclusive dos setores fornecedores de peças, serviços e reparos de máquinas e equipamentos rurais e das indústrias, passando pela estocagem e transporte dos alimentos até as redes de distribuição. 

 

Ao final e ao cabo, a atuação coordenada do setor público e privado contribuirá para que as consequências sejam menores, em termos de renda e de emprego, inclusive diminuindo conflitos na cadeia produtiva como rompimentos de contratos e quebra de confiança entre os agentes econômicos, o que leva tempo para se reconstruir.

 

Por seu turno, observa-se que os agricultores tentam se adaptar às circunstâncias segundo sua própria avaliação. Os segmentos que podem esperar meses para a comercialização (mesmo com preços menores) como o de florestas cultivadas, celulose, pecuária de corte, bebidas, algumas frutícolas, etc. terão menos prejuízos que outros para atravessar a crise. Porém, aqueles com atividades em processo de plantio ou véspera de colheita, os que dependem do transporte imediato como os hortifrutigranjeiros, e a agricultura familiar que entrega leite ao Programa de Aquisição de Alimentos, dentre outros, precisam de apoio imediato dos governos federal, estadual e municipal.

 

Referido Plano também teria que acionar e ajustar os instrumentos de política agrícola disponíveis, tais como adotar medidas emergenciais imprescindíveis no sistema de financiamento rural, como prorrogação das parcelas de dívidas vincendas no crédito oficial e meios de honrar dívidas com fornecedores, durante este período de queda de renda; além da concessão de novos empréstimos e/ou abatimentos para produtores prejudicados. 

 

Enfim, são muitas as medidas que poderiam ser adotadas nesta fase crítica, até mesmo a reformulação do chamado Plano-Safra, no âmbito de um Plano Geral de Contingência para o agronegócio. 

 

Enquanto não sai algo de efeito similar, resta aos agricultores seguir a recomendação tradicional em momentos de incertezas no sentido de ter prudência nas suas decisões e investimentos, e se recordar da máxima:  

 

Durante o nevoeiro, leve o barco devagar. 

 

Por: Blog Benedito Rosa

Justen Celulares