Rui Car
29/03/2023 09h12 - Atualizado em 29/03/2023 09h15

Indígenas Xokleng plantam mudas de araucárias para salvar seu próprio povo em José Boiteux

Indígenas no Alto Vale tentam recuperar espécie em extinção que lhes fornece alimento, remédio e sentido espiritual

Assistência Familiar Alto Vale
Foto: Anderson Coelho / AFP

Foto: Anderson Coelho / AFP

Delta Ativa

Carl Gakran é categórico: a extinção das araucárias no sul do Brasil levaria ao desaparecimento de seu povo, os indígenas xokleng. Por isso, eles plantam milhares de mudas desta espécie em extinção que lhes fornece alimento, remédio e sentido espiritual.

 

Os xokleng não existem sem as araucárias (…). Nosso povo e nossa cultura também correm risco de extinção, porque não temos mais o nosso alimento tradicional”, explica Gakran, de 32 anos, habitante da terra indígena Ibirama-Laklano.

 

Muito foi destruído da nossa floresta, por causa do grande valor comercial da madeira da araucária”, uma conífera presente em outros países do Hemisfério Sul como Chile, Argentina e Austrália.

 

desmatamento desenfreado da ‘Araucaria angustifolia’, variedade nativa da região Sul do Brasil, colocou esta espécie na lista oficial de flora ameaçada de extinção no país, divulgada em 2022.

 

Estima-se que restam apenas 3% das florestas originais que abrigam essa espécie, segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

 

Carl Gakran, 32, e Gape Gakran (D), 36,fundaram o projeto Zag em José Boiteux, no Alto Vale do Itajaí – Foto: Anderson Coelho/AFP/ND

Carl Gakran, 32, e Gape Gakran (D), 36,fundaram o projeto Zag em José Boiteux (Foto: Anderson Coelho / AFP)

 

Por isso, Carl e sua esposa Gape Gakran fundaram há quatro anos o Instituto Zag (“araucária” na língua xokleng), um projeto de conservação com o qual calculam já ter plantado mais de 50 mil exemplares.

 

De suas árvores de troncos compridos, casca áspera e galhos em forma de castiçal, são extraídos madeira e pinhões, sementes ultranutritivas que constituem a base da alimentação dos xokleng, cuja população estimada é de 2.200 pessoas.

 

Somos seus guardiões, ela é nossa mãe, nossa árvore sagrada”, explica Gape Gakran, de 36 anos, vestida com uma jaqueta de algodão colorida e um grande cocar de penas, enquanto amamenta sua filha.

 

Ritual de proteção

 

O processo de reflorestamento envolve toda a comunidade. De cada pinhão, eles conseguem uma muda que leva cerca de um ano para germinar, plantada em saco biodegradável.

 

Antes de plantar, passam por um ritual de proteção com cantos e danças xokleng em volta de uma fogueira.

 

As araucárias, que os xokleng também usam em seus remédios tradicionais, demoram entre 12 e 15 anos para começar a dar pinhão. E vivem em média 400 anos.

 

Assim como outros povos indígenas, os xokleng sofreram décadas de perseguição e suas terras foram invadidas por diversos grupos, como madeireiros e agricultores.

 

O território Ibirama-Laklano, que os xokleng dividem com os povos guarani e kaigang, é alvo de uma ação judicial de demarcação no Supremo Tribunal Federal, cujo veredicto afetará inúmeras outras terras em disputa.

 

A região perdeu parcialmente seu status de reserva depois que um tribunal de instância inferior aceitou o argumento de que os indígenas não podem reivindicar o território porque não estavam lá em 1988, ano em que foi aprovada a Constituição que reconhece o direito às suas terras ancestrais.

 

Os indígenas afirmam que não estavam na área porque a ditadura militar (1964-1985) os expulsou à força.

 

Araucária é fonte de alimento e integra rituais dos xokleng – Foto: Anderson Coelho/AFP

Araucária é fonte de alimento e integra rituais dos xokleng (Foto: Anderson Coelho / AFP)

 

Para os xokleng, plantar araucárias é outra forma de resistência.

 

Aprendi com meus avós que os povos indígenas nasceram para preservar a floresta, nós somos os guardiões dessa terra, das florestas de araucárias. E precisamos do apoio de todo o mundo para protegê-las”, conclui Carl Gakran.

 

Grupo indígena xokleng participa de cerimônia do plantio da araucária em José Boiteux – Foto: Anderson Coelho/AFP

Grupo indígena xokleng participa de cerimônia do plantio da araucária em José Boiteux (Foto: Anderson Coelho / AFP)

 

Fonte: Anderson Coelho e Eugenia Logiuratto / AFP
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