Rui Car
06/06/2023 15h22

Por que a preservação das matas de araucárias é tão importante para Santa Catarina

Se no passado foi a extração e o beneficiamento da madeira que quase extinguiu, hoje é a retirada do pinhão

Assistência Familiar Alto Vale
Foto: Divulgação

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Entre as espécies florestais nativas brasileiras, a Araucária é uma das mais emblemáticas. Se vista de cima, é grandiosa; de baixo se torna ainda mais bela e imponente e seu tronco pode chegar a 50 metros de altura. Se no passado foi a extração e o beneficiamento da madeira que quase extinguiu, hoje é a retirada do pinhão que representa importante fonte de renda para agricultura familiar do Planalto Serrano.

 

Painel, município vizinho a Lages, fica a 1.200 metros acima do nível do mar e possui um microclima específico, que faz dele o maior produtor do Estado e o segundo maior do Brasil – não à toa, a cidade ficou conhecida como a Capital Catarinense do Pinhão.

 

Neste ano serão duas mil toneladas da semente, um número que poderia ser bem superior se não fosse o risco da atividade. A visão é privilegiada, mas o perigo é ainda maior. Cada araucária pode fornecer dezenas ou até centenas de pinhas e é preciso alcançar cada uma delas com uma vara, fazendo com que ela caia inteira para facilitar o carregamento.

 

Reaproveitamento da falha

 

Cerca de 50% do peso fresco das pinhas é composto por pinhões e 50% por escamas estéreis e não fertilizadas – as falhas. Porém, o que nem todo mundo sabe é que é possível usar esse material nas lavouras, como o produtor rural Sérgio Andrey de Liz faz.

 

A propriedade, cercada por araucárias, cultiva milho, feijão, batata e vime. Da colheita do pinhão, oferecida pela natureza, vem a maior renda nessa época do ano e a matéria orgânica necessária para manter a saúde do solo. Nela, a falha é jogada de forma sistemática na terra.

 

A lavoura de milho, que em breve virará pasto para a engorda dos animais, já começou a receber a camada de falha deste ano, com expectativa de colher 20 toneladas. Tudo por conta da matéria orgânica e cobertura de solo, que fornece uma terra úmida rica em nutrientes ideal para o plantio.

 

Alimento que fortalece a economia catarinense

 

São inúmeros os exemplos de festas e eventos desenvolvidos na cidade a partir de um produto do campo e em Santa Catarina não é diferente: uma das mais conhecidas é a Festa do Pinhão, evento que reúne cultura, música, gastronomia e turismo, além de gerar trabalho, renda e oportunidades para diversos produtores e empreendedores.

 

E se tem um lugar que soube aproveitar bem o marketing de um produto regional, esse lugar é Lages, a maior cidade da Serra Catarinense, em que o pinhão ganha nome de festa e acontece festivais gastronômicos que dão água na boca a qualquer morador e visitante. Uma conquista da cidade, que começou a se organizar de forma despretensiosa há 50 anos. Hoje o evento anual chega a atrair mais de 350 mil pessoas no parque de exposições do município.

 

Segundo Álvaro Mondadori, secretário de desenvolvimento econômico e turismo de Lages, a festa gera 800 empregos diretos e mais de 2 mil indiretos, pois mexe com toda a rede hoteleira, com os restaurantes, postos de gasolina, lojas de conveniência, aplicativos de transporte, taxistas, estacionamentos, entre outros. Ela é fundamental para a gastronomia e o turismo da região.

 

No ano passado, o impacto direto de dinheiro injetado na economia de Lages, de acordo com o levantamento da Fecomércio, foi de R$ 40 milhões. O impacto econômico que o evento proporciona, gerado pela semente do pinhão, reflete em toda uma cadeia de desenvolvimento, emprego, renda e impostos.

 

Mas não só de grandes eventos vive a cidade. E bem antes da Festa do Pinhão começar, o ingrediente se apresenta de diferentes maneiras. Andrigo Pereira, coordenador do núcleo de gastronomia de Lages, conta que surpreender o público um dos objetivos dos eventos desenvolvidos pelo núcleo.

 

E se tem um lugar em que a gente aprende que o pinhão é um dos alimentos mais versáteis, é a serra Catarinense. É possível fazer muito mais com a semente do que se imagina: lasanha, fondue, sanduíche e até bolos – preparos que valorizam ainda mais o alimento querido entre os catarinenses, e que também ajudam a movimentar a economia e o turismo local.

 

A nutricionista Vanessa Santos conta que o pinhão é rico em muitos nutrientes como o carboidrato, principal fonte de energia para o nosso corpo, além de ferro, cálcio e potássio. Ele também é muito indicado como pré-treino e pós-treino.

 

Possui fibras, que auxiliam na saúde do intestino e, por conta delas, não deixam a glicose subir, por isso o alimento é muito indicado para diabéticos. O pinhão também possui vitamina do complexo B, vitamina C e magnésio, micronutrientes que fazem uma reação química muito boa para a memória e imunidade, por exemplo.

 

O futuro das araucárias

 

Praticamente a totalidade do pinhão que consumimos segue o modelo extrativista, dependendo do clima para uma boa safra e de pessoas dispostas a escalar quase 40 metros de uma araucária, que demora aproximadamente 20 anos para começar a produzir.

 

Essa realidade, porém, pode mudar nas próximas décadas. Uma pesquisa realizada no Paraná sugere o plantio em pomares com pinheiros, de porte mais baixo, produção precoce e alto rendimento. Santa Catarina é o segundo maior produtor de pinhão do Brasil, ficando atrás apenas do Paraná.

 

Apesar disso, há pouco beneficiamento de sementes no Estado. A maioria é vendida in natura e em toda a região serrana, formada por 18 municípios, apenas 13 produtores cadastrados pelo Cisama processam o pinhão, e sete agroindústrias.

 

No município de Monte Castelo há um viveiro florestal que promete variedades de mudas de porte mais baixo e com maior produtividade. A pesquisa é da Embrapa Florestas do Paraná, que vem desenvolvendo a técnica há 10 anos. Ela começou a ser introduzida em 2017 por aqui, mas só vingou há cerca de um ano.

 

Maicon Duffecky, engenheiro florestal, explica que primeiro se limpa a parte do tronco de uma muda nova, onde será introduzido o enxerto. Em 45 dias já é possível saber se o processo foi bem-sucedido.

 

Ele ainda sugere uma distância entre os Pinheiros de 8 a 10 metros e para uma boa produção, além de uma araucária macho para cada oito fêmeas. O que na natureza levaria de 12 a 15 anos para começar a produzir, com a técnica é possível entre seis a oito.

 

A pesquisa, que pode ser um marco na produção em escala comercial de pinhão no Sul do Brasil, também despertou a atenção da Epagri de Lages. O órgão tem atuado como parceiro no desenvolvimento da tecnologia em solo catarinense. “O plantio vai virar uma atividade rural do agricultor, que todo ano vai ter aquela posição, assim como é com a maçã, assim como é com a laranja e qualquer outro pomar. Então a gente aposta que esse pomar de pinhão, essa atividade de produção, e não só a colheita do pinhão da natureza, vai se estabilizar, assim como o mercado e a renda do produtor”, explica Aziz Abou Hatem, coordenador regional da Epagri.

 

Para saber mais sobre a pesquisa, além de conhecer outros pratos que levam pinhão, confira o episódio completo do programa Agro, Saúde, Cooperação sobre o tema. O projeto é desenvolvido pelo Grupo ND, em parceria com a Aurora e a Ocesc e visa aproximar ainda mais o campo dos consumidores.

 

Fonte: Agro, Saúde e Cooperação / ND+
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