A recomendação do MPT (Ministério Público do Trabalho) para que funcionárias públicas grávidas sejam afastadas das atividades presenciais durante a pandemia está sendo descumprida, segundo denúncias que chegaram ao SindSaúde.
O sindicato, que representa trabalhadores da saúde pública estadual e privada na Grande Florianópolis, acumula dezenas de pedidos para aplicação da recomendação, principalmente de hospitais do Estado.
Uma técnica em enfermagem, que preferiu não se identificar e trabalha em um hospital público, disse que pediu para ser remanejada para um local salubre, quando descobriu a gravidez, antes da pandemia. Segundo ela, não houve retorno, até hoje, para o pedido e, no final da gravidez, trabalhou de forma presencial.
Ela conta que não chegou a se contaminar, mas que funcionários da sua unidade tiveram contato com pacientes da Covid-19. E desabafou sobre a não liberação das servidoras grávidas para o home office.
“Falta de respeito não só com a gestante, mas com os seres humanos. Se fala tanto na mídia que os profissionais de saúde são heróis, mas a gente quer respeito. Temos que trabalhar, mas precisamos de suporte. Tem muita gente sofrendo na parte emocional também”, lamenta.
O que diz a recomendação do MPT
Este documento do MPT foi enviado para o Governo do Estado, a Fecam (Federação Catarinense de Municípios) e os órgãos da administração pública, em todas as esferas, há cerca de um mês.
A medida vale para servidoras grávidas, sejam efetivas, comissionadas ou contratadas, abrange qualquer fase da gravidez e também as mães com crianças recém-nascidas.
Na visão do MPT, essas mulheres pertencem ao grupo de risco da Covid-19 e, por isso, devem trabalhar em home office, sem correr perigo de contaminação.
Nos casos em que o trabalho remoto não é possível, a orientação do MPT é que as grávidas sejam afastadas, com remuneração, enquanto o coronavírus permanecer em transmissão comunitária.
Sindicato acumula pedidos de ajuda das grávidas
O SindSaúde também informou que as trabalhadoras estão enfrentando diversas dificuldades: pedido de afastamento negado, antecipação irregular de licença maternidade, afastamento pela perícia reduzido e até autorização de afastamento, porém, com aviso de que teriam corte de remuneração com perdas de gratificações.
“Há situações em praticamente todos os hospitais estaduais, somando quase 50 casos. E continuamos recebendo denúncias. Há casos identificados em hospitais estaduais de diversas cidades, entre as quais, Florianópolis, São José, Lages, Ibirama e Joinville”, aponta Samilla Ribeiro Batista, uma das diretoras do Sindsaúde.
Após receber as denúncias, o Sindsaúde resolveu provocar o órgão que propôs a recomendação, o MPT, mas ainda não obteve retorno.
“Ainda não há uma posição do MPT. Estamos aguardando que a denúncia seja distribuída pra algum Procurador do Trabalho e na expectativa que o MPT seja um aliado dessas trabalhadoras grávidas, que ajude na defesa dos direitos e na garantia da saúde e da vida dessas mulheres”, relata.
A reportagem também tentou ouvir o procurador do trabalho Sandro Eduardo Sarda, que atua no caso pelo MPT. Ele confirmou a entrevista, mas precisou desmarcar para tratar uma emergência de saúde e não pode atender a reportagem até o fechamento desta publicação.
O sindicato também informou que resolveu intervir pelas grávidas que atuam especialmente nos hospitais do Estado – servidoras que estão na linha de frente do combate à pandemia.
“A gerência de Recursos Humanos da pasta tem orientado as seccionais de RH no sentido de cumprir todos os dispositivos da referida portaria. Eventuais casos de descumprimento serão analisados, com a tomada das providências cabíveis”, informou a SES, por intermédio da assessoria de comunicação.
Fecam repassou a recomendação
A Fecam informou que recebeu a notificação do MPT com a recomendação para grávidas realizarem trabalho remoto durante a pandemia. A assessoria relatou que, como todo informe que recebe de interesse dos municípios, a informação foi repassada às prefeituras catarinenses.
Segundo a assessoria, a notificação chegou no dia 2 de dezembro e o repasse às prefeituras ocorreu cinco dias depois, no dia 7 de dezembro.
Médico alerta para os riscos
Médico do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), e também professor da universidade, o Dr. Luiz Fernando Sommacal lembra que, inicialmente, o Ministério da Saúde não incluiu as grávidas no grupo de risco da Covid-19.
“Posteriormente foi ampliado para cerca de 15 condições, ou fatores de risco para se considerar os indivíduos passíveis de complicações de síndrome gripal e aí foram inclusas as grávidas em qualquer idade gestacional, ou mulheres que tiveram bebê, as puérperas com cerca de duas a três semanas de parto, inclusive se houve houve desfecho desfavorável, como aborto”, explica Sommacal.
O especialista disse que a gestação é um período de “imunossupressão fisiológica”, ou seja, as defesas do corpo caem e, no início da gestação, a mulher precisa produzir progesterona para evitar a rejeição imunológica do feto – metade do material genético do embrião pertence ao pai e não é reconhecido como parte integrante do organismo da mulher.
De acordo com o Dr. Sommacal, a vulnerabilidade das grávidas em relação a Covid-19 também é maior por conta das modificações fisiológicas próprias da gravidez.
Ele mencionou as modificações cardiovasculares e cardiopulmonares, que são importantes nas manifestações da Covid-19 e que, na visão do médico, podem ser determinantes para um desfecho mais grave.
“A gravidez é um período em que essas situações já são potencialmente modificadas e, em muitas situações, agravadas. Soma-se isso às possíveis complicações da Covid-19, pode-se entender que as grávidas teriam o risco aumentado”, afirma o médico.
Estudo acadêmico aborda o tema
Publicado em junho de 2020, o estudo “A Tragédia da Covid-19 no Brasil” mostrou que o Brasil é líder absoluto em número de mortes de grávidas, após infecção por Covid-19 no mundo.
O estudo teve a participação da pesquisadora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Roxana Knobel, que atua no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da universidade.
Os números são desde o primeiro caso documentado no Brasil, de 26 de fevereiro de 2020, até 18 de junho de 2020. Neste período, foram registrados 124 óbitos de mulheres grávidas ou puérperas no Brasil.
O número é 3,4 vezes superior ao total de óbitos maternos relacionados ao Covid-19 relatados nos demais países.
Na região Sul, 35 mulheres se infectaram no período e nenhuma veio a óbito. A situação é bem diferente nas regiões Nordeste e Sudeste.
O Sudeste, por exemplo, lidera o número de mortes no período: 55 de 426 infectadas. No Nordeste, 47 mortes, de 245 infectadas.