Rui Car
03/03/2017 16h45 - Atualizado em 03/03/2017 14h40

Sophia, André, Eva e Sonia: histórias que terminaram na BR-470

Orlando Machado passou pelo local segundos após o acidente ocorrer

Assistência Familiar Alto Vale
Jornal de Santa Catarina

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Sophia tinha três anos e queria ser bailarina. André, com 37, pretendia comprar um sítio. Eva, aos 34, olhava pelo futuro da filha. Sonia, 42, via na família o sentido para o trabalho. Sonhos e caminhos que foram destruídos na BR-470 quarta-feira em acidente que chocou Blumenau e Indaial.

A viagem

Os momentos que antecederam o acidente e a viagem já se misturavam com apreensão para as irmãs Eva Cristiani Guimarães e Sonia Aparecida Guimarães. Ao lado de André Lorivaldo Esper e Sophia Isabele Esper, marido e filha de Eva, respectivamente, embarcavam a Lages para visitar a mãe que está há um mês em coma no hospital e, conforme o médico, “sem mais esperanças”. Dentro do carro quem também deveria estar era Geani Guimarães Sousa, outra irmã, moradora de São Francisco do Sul que por conta do trânsito optou por sair um pouco mais tarde. No caminho ao Planalto Serrano, entre ligações que caíam na caixa postal e mensagens que não eram visualizadas no WhatsApp, Geani passou pelo local do acidente, na BR-470, no Km 64, em Indaial. Jamais, naquele momento, percebeu que o resquício do carro que era colocado sobre o guincho era de seus parentes.

A lembrança

Entre o vaivém de todos os dias às margens da BR-470, estava ontem o que restou do carro dirigido por André. Próximo ao para-brisa, no chão, em meio às peças de roupas e itens pessoais da família, um pedaço de cartolina com formato de pezinho se destacava. Nele, o nome de Sophia estava cuidadosamente escrito com caneta hidrográfica, amarrado com uma cordinha em uma ventosa. A intenção da família em pendurar o desenho no carro era para que André, sempre que olhasse por um dos vidros do carro, se lembrasse daquela lembrancinha recebida no Dia dos Pais do ano passado. O presente foi feito em agosto de 2016, quando a menina, de três anos, ao lado dos coleguinhas no CEI Leonardo Laurindo Terres, na Itoupavazinha, preparava surpresa para marcar a data.

Os planos

Em 2018, Sophia teria de deixar a creche em tempo integral. Para suprir essa necessidade que se desenhava – a de cuidar da pequena –, o pai, André, projetava a construção de uma sala de costura para Eva. Seria uma forma de garantir um rendimento a mais à família aliado ao cuidado à pequena. Além disso, André fazia planos de fazer um “pé de meia”. Tudo para que daqui a 10 anos pudesse comprar um sítio e, entre hortas, plantações, cabeças de gado e galinhas, tivesse condições de aproveitar a vida rural ao lado da família. – Ele queria poder cuidar da família e ter os bichinhos na chácara, como era antes de eles virem morarem em Santa Catarina – conta Geani.

O consolo

Entregue à fé como uma forma de aliviar a dor, Geani, a irmã que quase entrou no carro que se acidentou, descreveu ontem à reportagem o amor que faziam parte do dia a dia de André, Eva e Sophia. Apegados e participativos na vida escolar da criança, os pais viam a menina como uma razão para existir. E vice-versa: – Um daria a vida pelo outro, não é à toa que Deus quis levar todos juntos. Nenhum deles conseguiria viver sem a presença do outro.

A menina

Com três anos de idade, Sophia estava ansiosa porque logo começaria a praticar balé. Aluna do CEI Leonardo Laurindo Terres, gostava de ajudar os colegas, como lembra sua profeessora Francine Spader Mendes. Amorosa, conta, não era daquelas meninas que arrumava pequenas confusões. Ontem, Francine teve de lidar com uma pergunta diferente: “professora, onde está a Sophia?”. – Digo para as crianças que agora ela é uma estrelinha no céu e que vai cuidar de nós como o papai e a mamãe dela. Mas o pior ainda está por vir, quando a saudade maior bater em sala de aula – observa Francine.

Os adultos


(Fotos: Geani Guimarães Sousa, Arquivo Pessoal | Na ordem: Eva, André e Sonia)

Os três carregam consigo histórias de superação, mas a de Eva em si tem todo um contexto. Nascida em Enéas Marques, no interior do Paraná, com complicações cardíacas e pulmonares, teve de conviver com problemas de saúde até os dois anos de idade, quando poucos acreditavam que poderia sobreviver. E ela sobreviveu. Anos mais tarde, já em solo blumenauense, ficou sabendo que dificilmente poderia ser mãe. E foi. Há três anos Sophia veio ao mundo e ignorou toda e qualquer dificuldade que se desenrolava. Costureira e trabalhadora, Eva não era uma mulher de muitos sonhos, já que o de ter uma filha já havia sido realizado. Já André era pedreiro e escolheu vir a Blumenau a trabalho, para deixar de lado a roça da família, constituir família e buscar horizontes que iam muito além da cidade de 6,1 mil habitantes onde nasceu: Enéas Marques. Sonia era auxiliar de serviços gerais no Hospital Santa Catarina e tinha nos quatro filhos – de 16, 18, 20 e 23 anos – o motivo para acordar e trabalhar todos os dias. Conforme a irmã Geani, seus planos e sonhos giravam em torno de ver os quatro filhos felizes.

O acidente

(Foto: PRF, Divulgação)

a divisa de Blumenau com Indaial, no Km 64, próximo ao antigo Posto Galo – pouco após a pista duplicar. Conforme a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o motorista do Prisma, André, teria tentado ultrapassar uma motocicleta Honda CG 125 utilizando parte da pista contrária. Sem conseguir, o condutor teria retornado à pista, momento em que teria atingido o motociclista, perdido o controle do carro e colidido lateralmente em um Volvo FH 440 com placas de São João do Oeste (SC). O carro pegou fogo na hora. O condutor da moto, Joel Gaspar Raimundo, foi encaminhado ao Hospital Beatriz Ramos e passa bem. Já o motorista do caminhão saiu ileso. A Polícia Civil de Indaial irá abrir um inquérito para investigar as causas do acidente. Procurado pela reportagem, o motociclista Joel preferiu não comentar sobre o acidente. O caminhoneiro não teve o nome divulgado pela polícia.

O medo

Orlando Machado passou pelo local segundos após o acidente ocorrer. De seu carro, acompanhou o início das chamas e filmou o momento em que o fogo tomou conta do veículo. Sem saber se havia pessoas dentro ou não, tocou a viagem e só no dia seguinte ficou sabendo da fatalidade. Usuário da BR-470 por conta da necessidade de trafegar entre Caçador e Itajaí, ele conta que o medo já faz parte de sua rotina na estrada: – Foi horripilante, porque mostra o quanto somos impotentes perante o trânsito. Claro que tenho receito de andar na 470, e isso ocorre pela forma com que as pessoas se comportam. Esse já foi o terceiro acidente com vítima fatal que presenciei ali, no mesmo lugar.

Os bombeiros

(Foto: Orlando Machado, Arquivo Pessoal)

Às 18h29min de quarta-feira, o Corpo de Bombeiros Voluntários de Indaial foi acionado para um incêndio em veículo. Dois minutos depois, às 18h31min, estavam no local do acidente para o combate às chamas. Conforme o subcomandante Edson Berri, um dos responsáveis pelo trabalho, a ação para acabar com o fogo durou poucos segundos e só quando as labaredas cessaram é que as 18 pessoas envolvidas se depararam com os quatro corpos no carro – que ainda tiveram de ser desencarcerados antes da remoção. O trabalho foi tão pesado e desgastante psicologicamente que os profissionais fizeram um encontro pós-traumático para amenizar as lembranças daquele momento. – É algo que fazemos sempre que há ocorrências com muita carga emocional. É o momento em que o bombeiro chora, desabafa e tenta soltar para fora o que está sentindo, para que não leve para casa os problemas que vivenciou – conta o subcomandante.

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