Rui Car
24/01/2018 17h25 - Atualizado em 24/01/2018 17h10

“Tiraram a chance de minha mãe viver”, diz filho de moradora de SC que morreu de febre amarela

O drama da família Silva começou no dia 9 de janeiro

Assistência Familiar Alto Vale
Jornal Cruzeiro do Vale

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Com os olhos cheios de lágrimas e com uma tristeza perceptível por qualquer pessoa que está ao seu lado, Frederico Campos da Silva carrega em seu coração uma ferida que levará certo tempo para ser cicatrizada. Sua mãe, Filomena Soares de Campos e Silva, faleceu há poucos dias vítima da febre amarela e, segundo a família, da negligência do Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de Gaspar.

 

A indignação da família de Filó é grande. A falta de preparo dos médicos que a atenderam no Hospital de Gaspar é o que revolta. Todos sabem que não existe volta para a morte. Porém, eles imploram por mais atenção e amor à profissão, para que outra família não passe pela mesma situação em que eles se encontram.

 

O drama da família Silva começou no dia 9 de janeiro e, em uma semana, se transformou em uma dor sem fim. Tudo começou, na verdade, no final do ano, em 29 de dezembro, quando Filomena aproveitou o período de férias e viajou para a cidade de Mairiporã, em São Paulo, para visitar os pais que já são idosos. No dia 6 de janeiro, voltou para Gaspar e, passados três dias, começou a passar mal. Ela foi até o Hospital de Gaspar e alertou os médicos sobre a suspeita de que poderia ter contraído febre amarela em São Paulo. Porém, não foi orientada quanto ao devido tratamento. Ela foi liberada logo após ser atendida. 

 

Com o quadro de saúde cada vez pior, a família resolveu agir por conta própria e agendou uma consulta particular. Na sexta-feira, dia 12 de janeiro, ela realizou uma coleta de sangue e, com o resultado em mãos, a médica particular recomentou que fosse procurada uma internação imediata. “Ela fez um exame cujo resultado, para estar dentro do normal, deveria ser 40. O dela chegou em mil. Estava muito alterado e levamos ela novamente para o hospital de Gaspar ”, conta a nora de Filomena, Priscila Baptista Simas da Silva.

 

Filó chegou à Casa de Saúde acompanhada da família por volta do meio dia de sábado, dia 13 de janeiro. Ela passou pela triagem obrigatória e esperou até por volta das 17h para ganhar a devida atenção médica. Aí começou, oficialmente, a angústia pela possível negligência.

 

Caso foi tratado como hepatite

O que, de fato, revolta a família de Filomena é a maneira com que a doença foi tratada. Com sintomas aparentemente parecidos, Filó recebeu o tratamento para se curar de hepatite quando, na verdade, era vítima da febre amarela. “Eles nos diziam ser hepatite e sabíamos que não podia ser isso, porque ela estava visivelmente muito mal. Ela nem conseguia respirar direito e os médicos chegaram a perguntar se ela queria oxigênio. Chegaram até a falar que os sintomas eram pequenos para ser febre amarela”, conta a nora.

 

Em outra situação, Priscila conta que a sogra começou a ficar tonta e suar frio. “Hoje vejo que a pressão dela já estava baixando. Mas, naquele momento, a enfermeira não mediu a pressão dela e pediu apenas para que se acalmasse. Era como se tivessem brigando com ela porque não conseguia respirar direito”, desabafa.

 

Com um forte agravamento em seu estado de saúde, a família conta que implorou pela transferência para o Hospital Santa Isabel, em Blumenau. A transferência foi realizada na tarde de terça-feira, dia 16 de janeiro, três dias após o internamento em Gaspar. “Ela foi para Blumenau para morrer. O médico que cuidou dela na ambulância disse que nem sabia se ela chegava com vida ao outro hospital”, conta Priscila. 
Filomena foi levada ao Hospital Santa Isabel entubada. Devido ao grave estado de saúde, os médicos permitiram uma última visita da família. Ela morreu logo por volta das 9h do dia seguinte.

 

Descaso preocupa a família

“Nada vai trazer minha mãe. Agora, nossa cobrança é com o atendimento no Hospital de Gaspar. Com saúde não se brinca. Não se pode ser amador. Não dá para tratar um caso como sendo uma doença que não é. Se ela tivesse o tratamento correto desde o princípio, provavelmente estaria aqui com a gente. Mas, tiraram a chance da minha mãe de viver”. Assim desabafa Frederico Campos da Silva, filho de Filomena. Ele e toda a família estão inconformados com a falta de preparo de quem trabalha no Hospital de Gaspar.

 

No início da manhã de quarta-feira, dia 24 de janeiro, a família reuniu a imprensa para falar sobre o assunto. O maior objetivo deles é deixar um grande alerta a todos. “Não queremos que daqui há uns seis meses outra família esteja no nosso lugar. A situação do hospital é grave. Em uma semana conhecemos muitas histórias horríveis. Queremos deixar um alerta a toda a população e pedir encarecidamente para que os governantes tomem uma atitude urgente. Se o Hospital de Gaspar não tem condições de atender casos graves, é melhor fechar de uma vez para que nós, que moramos aqui, possamos ser atendidos nas cidades vizinhas”, diz Priscila.

 

A vítima

Filomena Soares de Campos e Silva era natural de São Paulo e morava com a família no bairro Poço Grande, em Gaspar. Ela veio para cá há 23 anos. Era casada com José Carlos da Silva, com quem teve três filhos: Fred, Julia e Camila. Tinha uma netinha de um ano e meio e ia ser avó pela segunda vez em poucos meses.

 

Ela tinha acabado de mudar de emprego e trabalhava como costureira de amostra. Tinha muitos planos para este ano novo. “Ela voltou super feliz de São Paulo. Queria abrir um atelier e já estava até colocando umas fotos na internet para divulgar. Todos os sonhos foram interrompidos”, lamenta a nora.

 

Filó foi velada na Capela Mortuária de Gaspar e cremada. A família vai cumprir seu desejo e levar as cinzas para São Paulo. A viagem já está marcada para depois do carnaval.

 

O que diz a prefeitura

Após ser tratada erroneamente como hepatite, a causa da morte de Filomena foi confirmada pela Secretaria de Saúde de Gaspar no início da tarde de terça-feira, dia 23 de janeiro: febre amarela. Sobre uma possível negligência por parte do hospital, a Secretária de Saúde, Maria Bernadete Tomazini, afirma que o caso está sendo investigado. “Vamos prestar contas de absolutamente tudo o que aconteceu. Mas, antes de qualquer coisa, precisamos averiguar a situação com muita cautela. Para agirmos dentro da legalidade, os detalhes da investigação serão comunicados aos parentes”.

 

Para esclarecer dúvidas e repassar orientações sobre a febre amarela, Ricardo Freitas, médico infectologista e diretor clínico do Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, esclareceu que a cidade passa por constantes testes que confirmam que não existe foco da doença por aqui. “Não temos a doença na cidade. Todas as regiões de Gaspar são monitoradas para evitar que a epidemia registrada nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia também atinja Gaspar”.

 

Em sua fala, o profissional, que chegou a atender Filomena, se colocou à disposição para qualquer eventual dúvida que a família possa ter. “É indesculpável. A Saúde não pode ter falhas. A morte da dona Filomena não será esquecida por mim, nem como médico, nem como ser humano”, enfatiza o especialista.

 

 
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