Rui Car
27/03/2019 11h30 - Atualizado em 27/03/2019 10h35

TJSC anula sentença que condenou pai a pagar R$ 100 mil a filhos a título de indenização por abandono afetivo

O homem alega, ainda, que durante o período ausente sua mãe, avó das crianças, ajudou no sustento material

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Questão controversa na doutrina e na jurisprudência, o reconhecimento do dano moral por abandono afetivo voltou a ser enfrentado pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJSC). Desta vez, o caso envolve um pai condenado em primeira instância ao pagamento de R$ 100 mil a dois filhos pela “absoluta ausência de amparo e convívio” durante a vida.

 

Relator da apelação cível interposta pelo homem junto à Primeira Câmara de Direito Civil, o desembargador Jorge Luis Costa Beber votou por anular integralmente a sentença e ainda condenar os autores ao pagamento das custas e honorário do advogado do pai, estipulado em 10% do valor da causa.

 

Em seu voto, Beber destaca que, no caso concreto, “o fundamento do pleito indenizatório é a absoluta ausência de amparo e convívio entre pai e filhos, não sendo este um comportamento que impõe a presunção do dever de indenizar”. Para o magistrado, nesse contexto, não há que se falar em ato ilícito e, por conseguinte, em obrigação de reparação, “a teor do que preconizam os artigos 186 e 927 do Código Civil”.

 

“Não há como impor a alguém a obrigação de sentir afeto por outrem, mesmo que esse outrem seja o próprio filho. A questão está além do julgador, e se assim não fosse estaríamos dando azo ao que se poderia intitular de afeto compulsório, mescla que repugna totalmente os espíritos justos e coesos”, registra o desembargador em seu voto.

 

Destaca Beber:

“Amor existe ou não existe e, em não existindo, pode até vir a ser cultivado com atitudes de aproximação, jamais sob ameaça de punição. A construção de laços afetivos mediante coação pecuniária é de todo temerária, ressumbrando bizarro imaginar pais que não nutrem afeto algum pela prole, fingirem, de um instante para outro, aquilo que são incapazes de sentir genuinamente, apenas pelo temor de virem a ser condenados a indenizar o que desditosamente já está consumado. Quantos filhos seriam obrigados a compartilhar a presença nociva de alguns pais por força de uma imposição judicial? Guarda alguma razoabilidade imaginar benefícios para o filho quando sua relação com o pai é construída sobre alicerces falsos? Quanto de humanidade realmente restaria de um afeto legalmente conduzido? Em muitos casos, seria ainda de indagar: quantos filhos seriam efetivamente beneficiados pela capitalização do afeto? Se formos pensar em termos de punição para o faltante, talvez seja legítimo imaginar que a consciência seja o maior de todos os algozes. O problema é que consciência não parece ser um atributo concedido a todos os indivíduos.”

 

Caso concreto
No caso concreto, de acordo com os autos, após a separação o pai foi morar no exterior, onde permaneceu por 14 anos. Ao retornar ao país, não conseguiu colocação no mercado de trabalho e acabou retornando ao estrangeiro, onde auferia renda suficiente para enviar o valor de um salário mínimo à mãe dos filhos.

 

Conforme os autos, no período em que esteve no país o pai chegou a ser preso pelo inadimplemento da pensão alimentícia. O homem alega, ainda, que durante o período ausente sua mãe, avó das crianças, ajudou no sustento material.

 

Busca por vingança
Como um dos fundamentos do seu voto, o desembargador destaca trecho da doutrina de Tânia da Silva Pereira e Guilherme de Oliveira na obra Cuidado e abandono afetivo: a equivocada tradução jurídica da dor. São Paulo: Atlas, 2011:

 

[…] É impossível proferirem-se decisões judiciais ‘curativas’ do desamparo. […] Fixado o quantum do ‘amor’ e cumprida a ‘obrigação’, como dizem os juristas, há satisfação plena do título judicial e o devedor está ‘liberto’ (???) da obrigação paterna, trocada que foi no mercado das decisões judiciais. […]”.

 

Por fim, o desembargador Jorge Luis da Costa Beber defende que “o fato de buscar lenitivo em cifras poderia ser indício de expressivo grau de ressentimento e busca por vingança, o que em nada pode minorar o sofrimento intimamente acalentado”.

 

“O amor entre pais e filhos transita num plano instintivo, incompatível com ordenações, estando, pois, imune ao Direito e, assim, à jurisdição”, completa.

 

O voto foi seguido à unanimidade pelos demais membros da Primeira Câmara de Direito Civil do TJSC. Participaram do julgamento os desembargadores Raulino Jacó Brüning, Gerson Cherem II e a desembargadora Rosane Portella Wolff. Funcionou como representante do Ministério Público o procurador de Justiça Quagliarelli Borrelli.

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